sexta-feira, 4 de maio de 2012

Exposição à poeira de cimento e conversão da atividade

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência do TRF 4 que uniformizou o entendimento de que a simples exposição à poeira de cimento não transforma o tempo de trabalho em atividade especial, porém quando comprovado que o trabalhador esteve exposto de forma nociva à saúde terá direito a transformação. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. POEIRAS DE CIMENTO. CÓDIGO 1.2.12, ANEXO I, DECRETO N. 83.080/79 E CÓDIGO 1.2.10, DO QUADRO ANEXO A QUE SE REFERE O ART. 2º DO DECRETO N. 53.831/64. TRABALHADOR DA INDÚSTRIA DE MANUFATURA DE CIMENTO NÃO LIGADO DIRETAMENTE À ATIVIDADE-FIM. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO. 1. A exposição à poeira de cimento, por si só, não enseja o reconhecimento da especialidade da atividade. Contudo, nos casos de trabalhadores da indústria de cimento, o enquadramento deve ser feito a partir da comprovação da exposição ao agente de forma nociva à saúde, e não apenas com base na vinculação direta com a atividade-fim.
2. Conhecimento e provimento do incidente de uniformização, com a remessa dos autos à Turma Recursal de origem para adequação.
TRF 4ª, IUJEF n°
0027990-19.2007.404.7195/RS, Relatora Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo. DJe.27.04.2012.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional De Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO para, no mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 20 de abril de 2012.
 
Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo
Relatora

RELATÓRIO
Na sentença de parcial procedência, reconheceu-se a especialidade das atividades desempenhadas pelo autor nos intervalos de 26.09.1975 a 01.12.1976; de 11.12.1972 a 23.01.1973; de 16.03.1973 a 19.06.1973; de 04.07.1973 a 21.08.1973; de 02.08.1978 a 22.12.1978; de 09.01.1979 a 17.12.1979; de 01.02.1991 a 06.11.1991; de 16.06.1992 a 31.10.1993; e de 01.11.1993 a 08.08.1995. Deixou-se, no entanto, de reconhecer a especialidade no tocante aos períodos de (i) 27.12.1973 a 18.06.1974 (CIA. DE CIMENTO PORTLAND GAÚCHO), (ii) 08.02.1977 a 16.05.1978 (Empresa VACHI S/A) e (iii) 26.03.1982 a 06.03.1982 (Empresa PINCÉIS ATLAS)(fls. 157 a 162).

O autor recorreu insurgindo-se em relação ao não reconhecimento desses três períodos. Em relação ao primeiro (27.12.1973 a 18.06.1974), laborado na empresa CIA DE CIMENTO PORTLAND GAÚCHO na condição de "servente", argumentou que ficou comprovada a sua exposição a ruído e à poeira de cimento, enquadrando-se na atividade descrita no código 1.2.10 do Anexo do Decreto 53.831/94. Em relação ao segundo período (08.02.1977 a 16.05.1978), em que trabalhou na empresa VACHI S/A - empresa dedicada ao curtume de couros -, sustentou que ficou demonstrada a especialidade seja por enquadramento na atividade descrita no código 2.5.7 do Decreto 83.080/79 ("preparação de couros"), seja pela exposição a diversos produtos químicos, como o thiner e a cola. Por fim, em relação ao terceiro período, laborado na empresa PINCÉIS ATLAS, argumentou o autor que esteve exposto de maneira habitual e permanente a ruído na ordem de 88dB(a), acima dos parâmetros admitidos pela súmula n. 32 da TNU para o período (fls. 164 a 169).

A súplica recursal foi atendida parcialmente pela 1a Turma Recursal do Rio Grande do Sul, apenas para reconhecer a especialidade do período laborado na empresa PINCÉIS ATLAS, devido à comprovação de exposição ao ruído na ordem de 88dB. Os outros pedidos não foram acolhidos.

Em relação à empresa CIA DE CIMENTO PORTLAND GAÚCHO, o voto condutor trouxe a seguinte fundamentação: "entendo que não há qualquer reparo a ser feito na decisão proferida pelo Juízo de Origem". Isso porque, conforme já assinalado, não há demonstração suficiente acerca do nível de exposição ao ruído a que estaria exposto o trabalhador. Embora haja menção ao agente "poeira de cimento" na empresa Cia. De Cimento Portland Gaúcho, embora retratado no formulário, não é suficiente para ensejar o reconhecimento da especialidade. Isso porque o que torna a atividade especial, segundo a legislação regente, é o trabalho na manufatura do cimento. O autor, segundo o que constou do formulário e também em sua CTPS, exercia outra função (servente). A exposição à poeira, por si só, não torna atividade especial".

Já no que concerne ao período laborado na empresa VACCHI S.A., ponderou-se o seguinte: "importa reiterar o já disposto no acórdão da fl. 132, no sentido de que, embora haja levantamento feito junto à empresa, não há como definir, com base em formulário firmado por representante sindical, qual era efetivamente a atividade desempenhada pelo autor. A sua CTPS, da mesma forma, não contém informações que elucidem a questão, pois nela consta tão-somente a função de servente para o período (trabalho que poderia ser realizado em qualquer setor da empresa, não necessariamente naqueles em que haveria a exposição a agente insalutíferos). Tal circunstância prejudica igualmente qualquer tentativa de produzir prova por similaridade com investigação em outra empresa do ramo. Não há viabilidade, pois, no reconhecimento pretendido".

Sobreveio então pedido de uniformização porque, em casos que o autor reputa similares, teria havido divergência de entendimento entre Turma Recursais desta 4a Região.

Em relação ao período laborado na CIA DE CIMENTO PORTLAND GAÚCHO, o autor alega que o enquadramento pode ser feito não apenas em razão da atividade "fabricação de cimento", mas também em relação a outras congêneres em que se verifique a exposição à poeira de cimento de forma nociva, especialmente no seu caso em que trabalhava dentro da indústria.

Por sua vez, em relação ao período em que trabalhou na empresa VACCHI S.A., alega que, embora não tenha sido aceito o formulário DSS8030 firmado por representante do sindicato da categoria, e que conste que sua função era genericamente de "servente", é inerente aos trabalhadores da indústria de curtume a insalubridade, razão pela qual requer o seu enquadramento por presunção de exposição.

O pedido de uniformização não foi conhecido pelo Presidente da 2a Turma Recursal do Rio Grande do Sul ao argumento de que a questão demandaria revolvimento da questão fático-probatória.

Em razão disso, a parte autora propôs pedido de submissão, que foi acolhido pela Presidência da TRU ao argumento de que estaria demonstra a divergência.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do incidente apenas no tocante à exposição da poeira de cimento. É o relatório.

VOTO
Inicialmente, cumpre salientar que o pedido de uniformização foi interposto tempestivamente.

Em relação ao período de 08.08.1977 a 16.05.1978 - laborado na empresa VACCHI S.A.-, o incidente não deve ser conhecido por ausência de similitude fática entre o caso em apreço e os paradigmas apresentados. Note-se que o autor alega que deveria haver o reconhecimento da especialidade pelo fato de trabalhar em indústria de curtume, presumivelmente insalubre, enquanto os acórdão suscitados tratam do enquadramento por presunção de atividades similares ao de torneiro mecânico (Autos n. 2005.70.95.000588-52, 2aTR/PR, Rel. Leda de Oliveira Pinho, D.J. 07.11.2006; e 2005.70.70.75.000588-5, 1a TR/PT, Rel. Marcos Roberto Araújo dos Santos, D.J. 04.06.2006).

Ademais, o argumento que motivou o indeferimento do pedido nesse ponto é o de que o autor não logrou êxito em demonstrar a natureza das atividades desempenhas na empresa, razão pela qual não houve o enquadramento por categoria profissional. Nesse caso, o incidente tem nítido propósito de provocar o reexame das provas relacionadas ao período, o que é inviável na via eleita.

Já em relação ao período entre 08.02.1977 a 16.05.1978 - na CIA DE CIMENTO PORTLAND GAÚCHO -, vislumbro a possibilidade de conhecimento do incidente. Nota-se que no acórdão recorrido decidiu-se que apenas as atividades de fabricação de cimento são insalubres, sendo que a exposição a "poeira de cimento", ainda que dentro da indústria, não seria apta a ensejar o reconhecimento da especialidade. Por sua vez, o primeiro acórdão paradigma trazido pelo recorrente, proferido pela 2a Turma Recursal do Paraná, reconhece a especialidade da atividade desempenhada por trabalhador da indústria de cimento que não estava diretamente envolvido na atividade da manufatura, mas que ficava exposto de maneira habitual e permanente a "poeiras de cimento" - caso de considerável similitude fática e com solução distinta (Autos n. 2005.70.95.006454-3, Rel. José Antonio Savaris, D.J. 03.10.2006). O outro acórdão paradigma, originário da 1a Turma Recursal do Estado de Santa Catarina, traz situação em que um trabalhador da construção civil teve negado o pleito de reconhecimento da especialidade apenas em razão da exposição a "poeira de cimento" (Autos n. 2007.72.52.002377-9, Rel Andrei Pitten Velloso, D.J. 19.12.2008).

Assim, presentes os requisitos, conheço do incidente de uniformização apenas no tocante à questão da exposição a "poeiras de cimento". Encaminho o voto.

O Decreto n. 53.831/1964, em relação ao caso em apreço, dispõe que são agentes nocivos as "POEIRAS MINERAIS NOCIVAS" em "operações industriais com despreendimento de poeiras capazes de fazerem mal à saúde - Silica, carvão, cimento, asbesto e talco".

Por sua vez, o Anexo II do Decreto 83.080/79, item 1.2.12 dispõe como elementos nocivos a "Sílica, Silicatos, Carvão, Cimento e Amianto" restringindo o reconhecimento, no tocante às atividade, à "fabricação de cimento".

Nota-se, portanto, que o intuito da legislação de regência ao prever tal agente nocivo é reconhecer a especialidade apenas em relação a atividades em que haja exposição a quantidades prejudiciais do agente - notoriamente as industriais e a as de fabricação do produto em si.

É esse o raciocínio que norteia diversos julgados que não reconhecem a especialidade da atividade no caso de trabalhadores da construção civil. A Turma Nacional de Uniformização já apreciou questão de tal espécie: "vale lembrar que o cimento só é tido ´como agente nocivo quando se trata de fabricação ou outras atividades que envolvam inalação de poeira, prejudicial ao aparelho respiratório. O contato típico de qualquer atividade do ramo da construção civil não caracteriza a especialidade´." (PEDILEF 200671950214055, JUIZ FEDERAL DERIVALDO DE FIGUEIREDO BEZERRA FILHO, TNU - Turma Nacional de Uniformização, DJ 22/04/2009). Essa também foi a postura adotada pela 2a Turma Recursal de Santa Catarina em um dos paradigmas ora apresentados, conforme se extrai do seguinte capítulo:

Somente as atividades de fabricação de cimento estão abrangidas pelos Decretos nº 53.831/67 e 83.080/79, nos itens 1.2.10 do anexo ao Decreto nº 53.831/64 e item 1.2.12 do Anexo I ao Decreto 83.080/79.
Não há previsão para o reconhecimento de tempo especial somente pelo manuseio de cimento.
Neste sentido, a TR/SC Única já vinha decidindo (processo nº 2002.72.02.051631-1, Relatora: Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, sessão de 30.04.2004), no que foi seguida pelas 1ª e 2ª Turmas Recursais em suas primeiras composições (1ª TR/SC, processo nº 2006.72.95.020324-2, relator: Juiz Federal Antônio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, unânime, em 13/02/2007; 2ª TR/SC, processo nº 2006.72.95.002957-6, relatora: Juíza Federal Marina Vasques Duarte de Barros Falcão, unânime em 12/09/2007).
Deste modo, não se cogita de reconhecimento de tempo especial pelo exercício da atividade de pedreiro, ou pelo manuseio de cimento, salvo se comprovada a nocividade através de laudo pericial, nos moldes da Súmula nº 198 do extinto TFR.
(Autos n. 2007.72.52.002377-9, Rel Andrei Pitten Velloso, D.J. 19.12.2008).

Reputo que tal postura jurisprudencial está perfeitamente correta, não havendo maiores considerações a serem feitas quanto a este particular. A intenção de citar tais precedentes é para consignar que o caso dos autos é diferente. Não se trata de mera exposição a poeira de cimento na forma como restou consagrada em diversos julgados congêneres, mas sim de trabalhador que laborava dentro da indústria de cimento, embora suas atribuições não estivessem relacionadas diretamente com a atividade-fim.

É um caso muito similar ao que foi apreciado por um dos acórdãos paradigma. Nesse, a 2a Turma Recursal do Paraná houve por bem reconhecer a especialidade da atividade de trabalhador de fábrica de cimento que não estava diretamente envolvido na produção, com o fundamento de que ainda assim estava exposto de forma nociva a "poeiras de cimento". Para elucidar, transcrevo a parte pertinente:

"Para comprovar a especialidade do período de 01.07.1996 a 05.03.1997 foi trazido aos autos formulários DSS 8030 (fls. 17 e 34), constando que o segurado exerceu a atividade de auxiliar de operação I, no setor de ensacadeira I e II. Consta ainda que o autor exercia as seguintes atividades: "carregamento dos caminhões, sacos de 50Kg"; (ii) "conferência da carga nos caminhões"; (iii) e "limpeza próximo às Dalas de carregamento e da sessão" (fl. 17); (iv) "acompanhamento das máquinas de ensacar II como autpacks, rotopacks, magazines para verificar o perfeito funcionamento das mesmas", estando exposto, de modo habitual e permanente a poeiras de cimento".

Comprovado, portanto, que o segurado trabalhava em indústria de fabricação de cimento, sujeito a poeira de cimento, o que caracteriza a atividade exercida no período de 01.07.1996 a 05.03.1997 como especial, conforme Código 1.2.12, do Anexo I, do Decreto nº 83.080/79 e Código 1.2.10, do Quadro Anexo a que se refere o art. 2º do Decreto n. 53.831/64" (Autos n. 2005.70.95.006454-3, Rel. José Antonio Savaris, D.J. 03.10.2006)

Observa-se que a tese adotada neste julgado foi a de que houve efetiva exposição habitual e permanente a poeira de cimento, ainda que as atividades do trabalhador não contemplassem diretamente a manufatura do cimento, mas sim, ainda dentro da indústria, as funções predominantes de ensacamento e transporte.

De maneira diversa, o acórdão recorrido fiou-se apenas na tese de que o autor, embora trabalhasse na indústria de cimento na função de servente, não participava diretamente da fabricação, razão pela qual o fato de estar em contato com a poeira de cimento não ensejaria o reconhecimento da especialidade. Por esclarecedor, transcrevo a fundamentação do voto condutor:

Embora haja menção ao agente "poeira de cimento" na empresa Cia. De Cimento Portland Gaúcho, embora retratado no formulário, não é suficiente para ensejar o reconhecimento da especialidade. Isso porque o que torna a atividade especial, segundo a legislação regente, é o trabalho na manufatura do cimento. O autor, segundo o que constou do formulário e também em sua CTPS, exercia outra função (servente). A exposição à poeira, por si só, não torna atividade especial.

Ou seja, o entendimento adotado é o de que em hipótese alguma se pode reconhecer a especialidade caso não esteja ligada diretamente à manufatura do cimento.

Entendo que, para fins de uniformização, deve prevalecer a tese adotada no acórdão paradigma da 2a Turma Recursal do Paraná. Isso porque o autor laborava dentro de indústria de cimento e o acórdão indica que ele estava exposto a "poeiras de cimento". Em casos como esse, o que se deve perquirir é mais a respeito da efetiva exposição a que o trabalhador está sujeito do que propriamente a sua função dentro da estrutura da fábrica.

O raciocínio que parece mais razoável é o de que, independente das atribuições do trabalhador e de sua vinculação à atividade-fim, a nocividade da poeira dentro da indústria pode atingir indistintamente tanto alguém diretamente ligado à manufatura do produto, como alguém encarregado de uma atividade auxiliar, por vezes lotados no mesmo ambiente de trabalho.

A uniformização, portanto, é no sentido de que a exposição à poeira de cimento, por si só, não enseja o reconhecimento da especialidade da atividade. Contudo, nos casos de trabalhadores da indústria de cimento, o enquadramento deve ser feito a partir da comprovação da exposição ao agente de forma nociva à saúde, e não apenas com base na vinculação direta com a atividade-fim.

Contudo, no caso em apreço, a análise de tal circunstância dependeria de revolvimento fático-probatório, o que é incabível em sede de pedido de uniformização. Assim, devem os autos ser remetidos à Turma Recursal de origem, a fim de que o acórdão seja reapreciado conforme as premissas ora fixadas.

Ante o exposto, voto por CONHECER PARCIALMENTE do incidente de uniformização apenas no tocante a questão atinente às "poeiras de cimento" para, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO, nos termos da fundamentação, com remessa dos autos ao juízo de origem para possível readequação.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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