sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Decisão concede aposentadoria especial a eletricista.

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício de aposentadoria a um eletricista que comprovou o exercício de atividade especial. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
APOSENTADORIA ESPECIAL – PRELIMINARES - EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – TEMPUS REGIT ACTUM – HISTOGRAMA OU MEMÓRIA DE CÁLCULO - HABITUALIDADE – PERFIL PROFISSIOGRÁFICO (PPP) - RECONHECIMENTO E CONVERSÃO. DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
1) Rejeitada a preliminar arguida pelo INSS, quanto à concessão de efeito suspensivo à apelação, tendo em vista o disposto no art. 1012, inciso V, do Código de Processo Civil. Além disso, em se tratando de matéria de fato, não há razões para se crer que a demanda será objeto de recursos para as instâncias superiores.
2) A sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.
3) Aqueles e aquelas que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.
4) Sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores.
5) Para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum.
6) Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 250 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar.
7) A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial.
8) O Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido, dispensando inclusive prova pericial.
9) A ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador.
10) No caso concreto, realizada a contagem, o recorrido tem direito à aposentadoria especial a partir do requerimento administrativo.
11) Condenação em consectários.
12) Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida.
TRF 3ª, APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000130-91.2021.4.03.6128, Décima Turma, juiz federal relator Marcus Orione, 20/08/2024

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

MARCUS ORIONE
JUIZ FEDERAL CONVOCADO

RELATÓRIO
Trata-se de apelação de sentença em que foi julgado procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de aposentadoria especial, com a consideração dos seguintes períodos: 01.01.1988 a 31.01.1988, 01.01.1989 a 31.01.1989, 01.01.1990 a 30.06.1990 e 01.07.1990 a 13.11.2019.

O INSS requer, preliminarmente, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e a submissão da sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório. No mérito, alega que não restaram comprovados os requisitos para a concessão do benefício deferido em sentença. Busca a reforma da sentença, com a improcedência da postulação. Insurge-se contra os consectários.

Com apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.

Noticiada nos autos a implantação do benefício, em cumprimento à determinação judicial.

É o Relatório.

VOTO
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS, quanto à concessão de efeito suspensivo à apelação, tendo em vista o disposto no art. 1012, inciso V, do Código de Processo Civil. Além disso, em se tratando de matéria de fato, não há razões para se crer que a demanda será objeto de recursos para as instâncias superiores.

Ressalto, outrossim, que a sentença prolatada nestes autos não se submete ao reexame necessário, tendo em vista o disposto no § 3º do artigo 496 do Código de Processo Civil, que determina que não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e líquido não excedente a 1.000 (mil) salários mínimos. Não obstante a iliquidez do julgado, é certo que, no caso em tela, a expressão econômica do direito controvertido não ultrapassa tal limite.

Quanto ao mérito, observo que o réu, em suas razões de apelo, reconheceu o período especial de 01.01.2006 a 31.12.2015, de modo que a controvérsia cinge-se aos intervalos de 01.01.1988 a 31.01.1988, 01.01.1989 a 31.01.1989, 01.01.1990 a 30.06.1990, 01.07.1990 a 31.12.2001, 01.12.62004 a 31.12.2005 e 01.01.2018 a 13.11.2019.

Em relação aos períodos laborados em condições especiais, urge constatar o seguinte.

Aqueles que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores.

No art. 201, § 1º, do texto constitucional, segundo redação vigente à época dos fatos, menciona-se a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para os casos de atividades realizadas “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Portanto, ainda que em relação a parte do tempo, é possível o estabelecimento de tais requisitos ou critérios diferenciados. Corroborando esta tese, confira-se ainda o art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, conforme redação em vigor à época dos fatos, que foi claro no sentido da manutenção, ainda que até a edição de lei complementar, do art. 57 da lei no. 8.213 de 1991.

Feitas estas digressões introdutórias, algumas observações merecem ser realizadas.

Primeiro, está atualmente assentado que sequer eventual fornecimento de EPI inviabiliza a contagem especial dos lapsos submetidos às disposições legais sobre a matéria. Embora haja mitigação dos efeitos, é consensual que tais equipamentos não são suficientes para afastar por completo a agressividade à saúde de trabalhadoras e trabalhadores. O exemplo mais conhecido é o referente ao agente agressivo ruído, em que mesmo o protetor auricular não inviabiliza a propagação de ondas sonoras prejudiciais à saúde na sua integralidade (a respeito confira-se o julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida). O caso é interessante, já que, além disso, há um outro efeito deste EPI que é o isolamento a que é submetido trabalhadores e trabalhadoras no curso da jornada de trabalho – o que causa, por sua vez, também efeitos colaterais à sanidade de empregadas e empregados. Veja-se que, portanto, a questão do fornecimento do EPI não deve ser suficiente, por diversas razões, para o afastamento da contagem de tempo especial, seja para fins de aposentadoria especial, seja para fins de seu aproveitamento para fins de aposentadoria comum por tempo de contribuição.

Da mesma forma, para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum. Em casos envolvendo ruído, enquanto agente agressivo, verbi gratia, diante da sucessão normativa do nível de decibéis aplicáveis, este princípio ficou assentado no REsp 1398260/PR, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 14/05/2014, conforme DJe de 05/12/2014.

Logo, sob qualquer ângulo que se analise a questão, é patente a preservação, pelo legislador constituinte, da proteção do tempo – parcial ou integralmente – realizado sob condições danosas à saúde do trabalhador.

Veja-se que a exposição à situação de insalubridade ou periculosidade deverá ser permanente. Em juízo, pode-se demonstrar a ocorrência desta permanência, quando não admitida administrativamente, em especial através da prova testemunhal e, mesmo, pericial, se possível.

Aliás, quanto à eletricidade, ocorre também algo semelhante, quando se permite a conversão de atividade especial em comum após 05.03.1997, por aplicação direta do art. 58 da Lei 8.213/91, antes mencionado. O que se exige apenas é a existência de prova técnica da submissão ao risco, como depreende do caso paradigmático decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo: Resp nº 1.306.113-SC, julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013, de relatoria do Ministro Herman Benjamin.

Outro ponto que merece ser esclarecido refere-se à questão da habitualidade do contato com o agente agressivo à saúde.

Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 250 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar. A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial. Ilustrativa desta hipótese é a exposição habitual e permanente a substâncias químicas com potencial cancerígeno, em que, nos moldes do parágrafo 4º do art. 68 do Decreto 3.048 de 1999, com redação dada pelo Decreto n. 8.123/2013, se faz independentemente da sua concentração. Veja-se que exigir o contato diário, em largo espaço de tempo, a altas concentrações seria o mesmo que condenar trabalhadora ou trabalhador ao câncer. Embora esse contato habitual viabilize a contração da doença e, por isso, a contagem do lapso laborado naquelas condições como especial, não se deve buscar que se empurre segurados à doença, a despeito da contagem especial (que aparece como um risco, mas que, ainda assim, deve ser evitado, sob pena de se ter uma política simplista em que se submete a classe trabalhadora ao mero pagamento de um valor, na forma de aproveitamento do tempo para fins de aposentadoria, como contrapartida à inevitável contração da doença. Não se trata disso, sob pena de se conceber um sistema de proteção social, que nada teria de tal conotação, com afronta mesmo às disposições constitucionais sobre o tema).

Por fim, registre-se que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido. Trata-se de documento que carreia as informações técnicas necessárias para se aferir o trabalho em condições agressivas à saúde, sendo realizado por engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho. Como regra, admite-se a sua utilização sem necessidade de outras provas de natureza pericial. Outrossim, a ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador (A respeito confira-se a Apelação n. 0031607-94.2014.4.03.9999/SP, TRF3, Oitava Turma, de relatoria do Des. Fed. Luiz Stefanini, publicado no DJ 24.04.2019, DJ-e 17.06.2019).

Tecidas todas as considerações anteriores, verifiquemos a situação do caso concreto.

Na hipótese em apreço, para a verificação das atividades tidas como agressivas à saúde, para fins de aposentação especial ou de aproveitamento de tempo em condição especial, há que se analisar o enquadramento das atividades desempenhadas pelo segurado no quadro a que se refere o art. 2º, do Decreto no. 53.831, de março de 1964, revigorado pela Lei nº 5.527/68. A respeito confiram-se, ainda, as atividades mencionadas em anexo do Decreto nº 83.080/79. A respeito do tema veja-se ainda o Decreto nº 3.048/99.

Nestes, há indicação como especiais de atividades em que haja contato com os agentes agressivos à saúde mencionados na inicial.

Portanto, tendo a atividade desenvolvida pelo segurado se dado com contato permanente - e não eventual - com agentes nocivos, considerados intoleráveis ao homem médio, haveria que se aproveitar deste período para o cômputo especial.

No caso dos autos, os documentos de ID 255315951 - p. 104/107 (PPP) e ID 255315952 - p. 02 (laudo trabalhista) expressam de forma clara como se deu o trabalho em condições insalubres nos períodos de 01.01.1988 a 31.01.1988, 01.01.1989 a 31.01.1989, 01.01.1990 a 30.06.1990, 01.07.1990 a 31.12.2001, 01.01.2004 a 31.12.2005 e 01.01.2018 a 13.11.2019, na empresa Thyssemkrupp Metalúrgica Campo Limpo Ltda., nas funções de aprendiz de eletricista de manutenção, eletricista de manutenção e técnico eletrônico, sendo suficientes para a prova dos fatos à época destes, por exposição a exposição à tensão elétrica acima de 250 volts, com risco à integridade física do autor.

Destaco que os períodos anteriores a 1997 também podem ser reconhecidos especiais em razão do enquadramento na categoria profissional descrita no código 1.1.8 do Decreto nº 53.831/64 (Anexo III).

Por derradeiro, os interregnos de 01.01.1988 a 31.01.1988, 01.01.1989 a 31.01.1989 e 01.01.1990 a 30.06.1990, em que o autor laborou como aprendiz de eletricista de manutenção do Senai, mas desenvolveu suas atividades na fábrica da Thyssenkrup, também podem ser enquadrados especiais por exposição a ruídos superiores aos limites de tolerância, conforme PPP de ID 255315951 - p. 104/107.

Assim, há que se utilizar, neste ponto, do disposto no art. 57, par. 5º, da Lei de Benefícios, segundo o qual "o tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício".

No que concerne à aposentadoria especial, verifique-se o seguinte.

Somados os tempos especiais ora admitidos, constantes inclusive da inicial, daí resulta que o autor laborou por 29 anos, 10 meses e 20 dias, conforme planilha elaborada pela sentença, que ora acolho, atingindo o tempo mínimo para obtenção da aposentadoria especial, na data do requerimento administrativo, na forma da Lei nº. 8213/91.

Mantido o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo formulado em 28.10.2019 (ID 255315951), há que se observar quanto ao cálculo dos atrasados o tema 1124 do C. STJ.

Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22).

Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111, do E. STJ).

As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único).

Diante do exposto, rejeito as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação, mantendo, no entanto, a procedência do pedido.

É o voto.

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Perfil

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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