É devida pensão a a viúvo com casamento avuncular
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício de pensão por morte a um viúvo com casamento avuncular, ou seja, tia e sobrinho já que todos os requisitos foram preenchidos. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 26/01/2019. CASAMENTO AVUNCULAR. ART. 1.521, V, DO CÓDIGO CIVIL. TIA E SOBRINHO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DECRETO-LEI Nº 3.200/41. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A SAÚDE DA PROLE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Trata-se de apelação interposta por Carlos Alberto Castelo Correa Junior em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de restabelecimento de pensão por morte de Maria Celina Pinto de Melo, falecida em 26/01/2019.
2. Chama-se casamento avuncular o que se celebra entre tio e sobrinha, que são colaterais de terceiro grau.
3. Nos termos do art. 1.521, V, do Código Civil, é nulo o casamento entre colaterais de terceiro grau. No entanto, a jurisprudência pátria tem admitido o reconhecimento o casamento entre tios(as) e sobrinhas(os), para fins de concessão de benefício previdenciário de pensão por morte, desde que comprovada a inexistência de prejuízo para a saúde da prole, nos termos do Decreto-lei nº 3.200/41.
4. A discussão acerca da vedação do casamento, no caso dos autos, é inócua porque a nubente contava com 59 (cinquenta e nove) anos da celebração do matrimônio.
5. Não subsistem os argumentos do acórdão do TCU nº 3.382/2020-TCU 2ª Câmara sobre a ilegalidade da concessão de pensão civil baseada em certidão de casamento entre parentes colaterais de terceiro grau sem prova do cumprimento das exigências contidas no Decreto-Lei 3.200/1941.
6. O casamento é oriundo de conversão de união estável, porém tal conversão ocorreu na data do registro em 25/08/2009, dez anos antes do óbito da instituidora da pensão.
7. É irrelevante se a data da emissão da certidão de casamento é posterior ao óbito, pois para concessão do benefício o importante é a data da celebração do matrimônio.
8. O casamento válido entre tia e sobrinho, por si só, não configura fraude ou simulação (arts. 166 e 167 do Código Civil), que, se acaso tenham ocorrido, devem ser provadas, pois a boa-fé dos nubentes é presumida.
9. DIB desde a data da cessação do benefício.
10. Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 870.947 (Tema 810/STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ).
11. Invertido os ônus da sucumbência, os honorários de advogado são devidos em 10% sobre o valor da condenação, correspondente às parcelas vencidas até o momento da prolação do acórdão.
12. Em se tratando de causas ajuizadas perante a Justiça Federal, a autarquias estão isentas de custas por força do art. 4º, inc. I, da Lei n. 9.289/96.
13. Apelação da parte autora provida.
TRF 1ª, APELAÇÃO CÍVEL n. 1001440-51.2021.4.01.3900, Primeira Turma, Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM, 23/09/2023
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.
Brasília-DF,
Desembargador Federal GUSTAVO SOARES AMORIM
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Carlos Alberto Castelo Correa Junior em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de restabelecimento de pensão por morte de Maria Celina Pinto de Melo, falecida em 26/01/2019.
Em suas razões de recurso, alega o cumprimento dos requisitos exigidos para o restabelecimento do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por Carlos Alberto Castelo Correa Junior em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de restabelecimento de pensão por morte de Maria Celina Pinto de Melo, falecida em 26/01/2019.
Do mérito
A concessão de pensão por morte rege-se pelo princípio do tempus regit actum, isto é, pela lei vigente na data de falecimento do instituidor.
Nos termos da Lei nº 8.112/91, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, com redação vigente à data dos fatos:
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - o cônjuge;
II - o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente;
III - o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar;
IV - o filho de qualquer condição que atenda a um dos seguintes requisitos:
a) seja menor de 21 (vinte e um) anos;
b) seja inválido;
c) tenha deficiência grave; ou
d) tenha deficiência intelectual ou mental;
V - a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor; e
VI - o irmão de qualquer condição que comprove dependência econômica do servidor e atenda a um dos requisitos previstos no inciso IV.
§ 1o A concessão de pensão aos beneficiários de que tratam os incisos I a IV do caput exclui os beneficiários referidos nos incisos V e VI.
§ 2o A concessão de pensão aos beneficiários de que trata o inciso V do caput exclui o beneficiário referido no inciso VI.
§ 3o O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do servidor e desde que comprovada dependência econômica, na forma estabelecida em regulamento.
Casamento avuncular
Chama-se casamento avuncular o que se celebra entre tio e sobrinha, que são colaterais de terceiro grau.
As causas de impedimento do casamento estão elencadas no art. 1.521 do Código Civil e sua inobservância traz como consequência a nulidade do casamento. Confira-se:
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Tal regra foi flexibilizada pelo Decreto-Lei nº 3.200/41, que continua em vigor, e assim dispõe:
Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio.
§ 1º Se os dois médicos divergirem quanto a conveniência do matrimônio, poderão os nubentes, conjuntamente, requerer ao juiz que nomeie terceiro, como desempatador.
§ 2º Sempre que, a critério do juiz, não for possível a nomeação de dois médicos idôneos, poderá ele incumbir do exame um só médico, cujo parecer será conclusivo.
§ 3º O exame médico será feito extrajudicialmente, sem qualquer formalidade, mediante simples apresentação do requerimento despachado pelo juiz.
§ 4º Poderá o exame médico concluir não apenas pela declaração da possibilidade ou da irrestrita inconveniência do casamento, mas ainda pelo reconhecimento de sua viabilidade em época ulterior, uma vez feito, por um dos nubentes ou por ambos, o necessário tratamento de saúde. Nesta última hipótese, provando a realização do tratamento, poderão os interessados pedir ao juiz que determine novo exame médico, na forma do presente artigo.
§ 5º (Revogado pela Lei nº 5.891, de 1973)
§ 6º O atestado, constante de um só ou mais instrumentos, será entregue aos interessados, não podendo qualquer deles divulgar o que se refira ao outro, sob as penas do art. 153 do Código Penal.
§ 7º Quando o atestado dos dois médicos, havendo ou não desempatador, ou do único médico, no caso do par. 2º deste artigo, afirmar a inexistência de motivo que desaconselhe o matrimônio, poderão os interessados promover o processo de habilitação, apresentando, com o requerimento inicial, a prova de sanidade, devidamente autenticada. Se o atestado declarar a inconveniência do casamento, prevalecerá, em toda a plenitude, o impedimento matrimonial.
§ 8º Sempre que na localidade não se encontrar médico, que possa ser nomeado, o juiz designará profissional de localidade próxima, a que irão os nubentes.
Portanto, haverá vedação legal para o casamento entre tios e sobrinhos, somente, se comprovada a inconveniência das núpcias no que tange à saúde da prole. Em outras palavras, o impedimento visa evitar o nascimento de prole com doenças genéticos, porém, se provada a inexistência de prejuízo para a saúde da prole, deve-se prestigiar a vontade das partes de viver uma união afetiva.
Em sede de julgamento de recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou as seguintes teses no tocante ao tema pensão por morte:
Tema 21: É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito (REsp n. 1.110.565/SE, relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 27/5/2009, DJe de 3/8/2009);
Tema 366: A complementação da pensão recebida de entidades de previdência privada, em decorrência da morte do participante ou contribuinte do fundo de assistência, quer a título de benefício quer de seguro, não sofre a incidência do Imposto de Renda apenas sob a égide da Lei 7.713/88, art. 6º, VII, "a", que restou revogado pela Lei 9.250/95, a qual, retornando ao regime anterior, previu a incidência do imposto de renda no momento da percepção do benefício (REsp n. 1.086.492/PR, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 13/10/2010, DJe de 26/10/2010);
Tema 643: Não há falar em restabelecimento da pensão por morte ao beneficiário, maior de 21 anos e não inválido, diante da taxatividade da lei previdenciária, porquanto não é dado ao Poder Judiciário legislar positivamente, usurpando função do Poder Legislativo (REsp n. 1.369.832/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 12/6/2013, DJe de 7/8/2013);
Tema 732: O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária (REsp n. 1.411.258/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 11/10/2017, DJe de 21/2/2018);
Tema 1.057: I. O disposto no art. 112 da Lei n. 8.213/1991 é aplicável aos âmbitos judicial e administrativo; II. Os pensionistas detêm legitimidade ativa para pleitear, por direito próprio, a revisão do benefício derivado (pensão por morte) - caso não alcançada pela decadência -, fazendo jus a diferenças pecuniárias pretéritas não prescritas, decorrentes da pensão recalculada; III. Caso não decaído o direito de revisar a renda mensal inicial do benefício originário do segurado instituidor, os pensionistas poderão postular a revisão da aposentadoria, a fim de auferirem eventuais parcelas não prescritas resultantes da readequação do benefício original, bem como os reflexos na graduação econômica da pensão por morte; e IV. À falta de dependentes legais habilitados à pensão por morte, os sucessores (herdeiros) do segurado instituidor, definidos na lei civil, são partes legítimas para pleitear, por ação e em nome próprios, a revisão do benefício original - salvo se decaído o direito ao instituidor - e, por conseguinte, de haverem eventuais diferenças pecuniárias não prescritas, oriundas do recálculo da aposentadoria do de cujus (REsp n. 1.856.967/ES, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 28/6/2021; REsp n. 1.856.968/ES, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 28/6/2021; REsp n. 1.856.969/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 28/6/2021).
O Supremo Tribunal Federal, no regime de repercussão geral, firmou o entendimento das seguintes teses sobre o tema:
Tema 529 (possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte) : A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Tema: 526 (possibilidade de concubinato de longa duração gerar efeitos previdenciários): é incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável.
Tema 165 (revisão da pensão por morte concedida antes do advento da Lei nº 9.032/95): a revisão de pensão por morte e demais benefícios, constituídos antes da entrada em vigor da Lei 9.032/1995, não pode ser realizada com base em novo coeficiente de cálculo estabelecido no referido diploma legal.
Caso dos autos
O óbito da instituidora da pensão por morte ocorreu em 26/01/2019, conforme certidão de óbito juntada aos autos.
A qualidade de servidora pública federal foi comprovada. A falecida era servidora da Universidade Federal do Pará.
A jurisprudência pátria tem admitido o reconhecimento o casamento entre tios(as) e sobrinhas(os), para fins de concessão de benefício previdenciário de pensão por morte, desde que comprovada a inexistência de prejuízo para a saúde da prole, nos termos do Decreto-lei nº 3.200/41.
Contudo, no caso a discussão acerca da vedação do casamento é inócua porque a nubente contava com 59 (cinquenta e nove) anos da celebração do matrimônio.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que nada impede que o casamento tenha como motivação central, ou única, a consolidação de meros efeitos sucessórios em favor de um dos nubentes (REsp n. 1.330.023/RN, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/11/2013, DJe de 29/11/2013).
Para melhor elucidar a questão, transcrevo a ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO NUNCUPATIVO. VALIDADE. COMPROVAÇÃO DE VÍCIO QUANTO A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE INEQUÍVOCA DO MORIBUNDO EM CONVOLAR NÚPCIAS. COMPROVAÇÃO.
1. Ação de decretação de nulidade de casamento nuncupativo ajuizada em novembro de 2008. Agravo no recurso especial distribuído em 22/03/2012. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial, publicada em 12/06/2012.
2. Recurso especial que discute a validade de casamento nuncupativo realizado entre tio e sobrinha com o falecimento daquele, horas após o enlace.
3. A inquestionável manifestação da vontade do nubente enfermo, no momento do casamento, fato corroborado pelas 6 testemunhas exigidas por lei, ainda que não realizada de viva voz, supre a exigência legal quanto ao ponto.
4. A discussão relativa à a nulidade preconizada pelo art. 1.548 do CC-02, que se reporta aos impedimentos, na espécie, consignados no art. 1.521, IV, do CC-02 (casamento entre colaterais, até o terceiro grau, inclusive) fenece por falta de escopo, tendo em vista que o quase imediato óbito de um dos nubentes não permitiu o concúbito pós-casamento, não havendo que se falar, por conseguinte, em riscos eugênicos, realidade que, na espécie, afasta a impositividade da norma, porquanto lhe retira seu lastro teleológico.
5. Não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, que descumpridos, imporiam sua nulidade, mormente naqueles realizados com evidente possibilidade de óbito de um dos nubentes - casamento nuncupativo -, pois esses se afastam tanto do usual que, salvaguardada as situações constantes dos arts. 166 e 167 do CC-02, que tratam das nulidades do negócio jurídico, devem, independentemente do fim perseguido pelos nubentes, serem ratificados judicialmente.
6. E no amplo espectro que se forma com essa assertiva, nada impede que o casamento nuncupativo realizado tenha como motivação central, ou única, a consolidação de meros efeitos sucessórios em favor de um dos nubentes - pois essa circunstância não macula o ato com um dos vícios citados nos arts. 166 e 167 do CC-02: incapacidade; ilicitude do motivo e do objeto; malferimento da forma, fraude ou simulação.
Recurso ao qual se nega provimento.
(REsp n. 1.330.023/RN, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/11/2013, DJe de 29/11/2013).
O voto da proferido pela relatora, Ministra Nancy Andrighi, merece ser transcrito quanto a este ponto:
3.2. Da nulidade do casamento pelo grau de parentesco entre os nubentes e pela desvirtuação dos objetivos matrimoniais.
16. Em outra vertente, o recorrente ataca a relação matrimonial nuncupativa, pontuando que os nubentes se enquadrariam na restrição do art. 1.548 c/c 1.521 do CC, que tratam de nulidade fruto de impedimento, in casu, a vedação ao casamento entre irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive.
17. Afirma ainda, para lastrear a nulidade do casamento, que este “(...)foi realizado apenas com o intuito de obter proveito patrimonial (...) (fl.548, e-STJ).
18. Fundem-se as duas vertentes da nulidade alegada, em possível enfraquecimento – na visão do recorrente – dos objetivos primários do casamento: a vida comum e a procriação. A primeira, fragilizada pelo evidente risco de óbito de um dos nubentes, fato que deixaria a efêmera relação havida, sem lastro nos reais objetivos do matrimônio. A segunda, porque, à mingua da prévia verificação sobre a viabilidade de cunho eugenístico, não poderia prosperar a relação matrimonial.
19. Em análise invertida dos empeços, nota-se que a nulidade preconizada pelo art. 1.548 do CC-02, que se reporta aos impedimentos, na espécie, consignados no art. 1.521, IV, do CC-02 ostenta viés duplo: de preservação da moral média do grupo social – que repudia o incesto – e de restrição biológica quanto à consaguinidade e riscos de má-formação fetal que dela decorrem.
20. É esclarecedor, quanto ao tema, excerto da obra sobre Direito de Família, de Rolf Madaleno, no qual afirma: O impedimento de casamento na linha colateral até o segundo grau é absoluto, e alcança os irmãos bilaterais, quando têm o mesmo pai e a mesma mãe, ou unilaterais, quando descendem de um mesmo pai ou de uma mesma mãe. A cultura social, com forte influência do cristianismo, reputa a união entre irmãos como imoral, incestuosa e contrária à natureza, afrontando a pureza que deve reinar nas famílias. Essa proibição também é de ordem genética, mas encontrou um lenitivo, entre tios e sobrinhos, ao permitir o Decreto-Lei nº 3.200, de 19 de abril de 1941, o casamento entre colaterais de terceiro grau, uma vez comprovada que a sua relação não será nociva para a prole porventura gerada (MADALENO, Rolf, in: Curso de Direito de Família, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, pag. 111).
(...)
23. Como último elemento de insurgência, suscita o recorrente a existência de descompasso entre o que afirma ser uma precípua busca de proveitos patrimoniais, por parte do cônjuge supérstite, e os fins lídimos do casamento.
24. Talvez a definição nuclear contida no art. 1.511 do CC-02 tenha norteado, ideologicamente, a insurgência recursal, posto que preconiza que “o casamento estabelece comunhão plena de vida”(...), razão pela qual, a vislumbrada busca solteira de vantagens patrimoniais, via casamento, devesse servir de motivo para a decretação da nulidade do ato.
25. No entanto, em que pese uma imediata associação dessa cláusula-geral como identificação de um objetivo central para o matrimônio, trata-se, até mesmo pela necessária laicidade do Estado, que impõe equidistância e parcimônia em conceitos teológicos, de cláusula aberta, que não preconiza fórmula específica para as relações matrimoniais.
26. Quanto à “comunhão plena de vida”, deixa-se a talante dos cônjuges, definir a sua peculiar e particular forma, assim bem como, os objetivos que procurarão atingir com aquele relacionamento.
27. E é de dentro dessa quase ilimitada liberdade, de definir os rumos próprios e os objetivos que serão perseguidos pelo grupo familiar, que exsurge a própria impossibilidade de definição prévia de objetivos do matrimônio que podem ser considerados escusos ou lídimos.
28. Calha, quanto ao tema, citar a vanguardista visão (à época - 1971), de Pontes de Miranda:O fim principal do casamento, pelo menos sob o ponto de vista sociológico, é a procriação; mas acontece, às vezes, que uma instituição jurídica, que se estabelece com fim determinado, admite, na prática, utilizações que a analogia ou equidade impõe. Exemplo disso é o casamento in extremis vitae momentis, que teve entrada em quase todas as leis modernas. Nele, a vida em comum espera-se não ser possível e isso não impede, entretanto, que a união legal produza os demais efeitos civis. A lei concede a esses casamentos, de fins quase sempre humanitários, dispensa de formalidades, inclusive a presença da autoridade e do oficial do registro. Na realidade, os fins do casamento in extremissão os seguintes: a) legitimar os filhos já nascidos; b) dar o título de consorte a uma concubina, ou noiva; c) estabelecer a comunhão universal, ou parcial, de bens; d) permitir a sucessão, etc. (Tratado de Direito Privado, Tomo VII, 3ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, pag. 314). (sem grifos no original).
29. O que se colhe das considerações anteriores, que são corroboradas – com as atualizações necessárias – pelo jurista citado, é a de que não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, mormente naqueles realizados com evidente possibilidade de óbito de um dos nubentes, pois esses se afastam tanto do usual que, salvaguardada as situações constantes dos arts. 166 e 167 do CC-02, que tratam das nulidades do negócio jurídico, devem, independentemente do fim perseguido, serem ratificados judicialmente.
30. E no amplo espectro que se forma com essa assertiva, nada impediria – se é que na hipótese, a motivação para o casamento era a de consolidar meros efeitos sucessórios – que assim o fizessem, pois não incorreriam em nenhuma das circunstâncias dos arts. 166/167: incapacidade; ilicitude do motivo e do objeto; malferimento da forma, fraude ou simulação.
31. Explicitamente falando: se o objetivo único do casamento era a prévia fixação, em favor da nubente sobreviva, do patrimônio amealhado pelo de cujus, que não tinha herdeiros necessários, isso era possível, mesmo via casamento nuncupativo.
32. No entanto, é de se ressaltar, para que nódoas morais não pesem sobre a recorrida, que se historia convívio familiar prévio entre os nubentes, indefinido quanto ao grau de intimidade, mas que ocorreu por considerável período, onde havia recíprocas manifestações de apreço e afeto, o que igualmente solidificaria a já exposta validade do ato, também sob um viés moral.
Os mesmos argumentos valem para o caso em questão. Não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, que descumpridos, imporiam sua nulidade.
Desta forma, não subsistem os argumentos do acórdão do TCU sobre a ilegalidade da concessão de pensão civil baseada em certidão de casamento entre parentes colaterais de terceiro grau sem prova do cumprimento das exigências contidas no Decreto-Lei 3.200/1941.
Saliento que, de fato, consta que o casamento é oriundo de conversão de união estável, porém tal conversão ocorreu na data do registro em 25/08/2009, dez anos antes do óbito da instituidora da pensão.
E, a título de esclarecimento, é irrelevante se a data da emissão da certidão de casamento é posterior ao óbito, pois para concessão do benefício o importante é a data da celebração do matrimônio.
Por fim, ressalto que o casamento válido entre tia e sobrinho, por si só, não configura fraude ou simulação (arts. 166 e 167 do Código Civil), que, se acaso tenham ocorrido, devem ser provadas, pois a boa-fé dos nubentes é presumida.
Data inicial do benefício
O benefício é devido desde a data da cessação indevida.
Atualização monetária e juros
Atualização monetária e juros devem incidir nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no julgamento do RE 870.947 (Tema 810/STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ).
Honorários advocatícios
Invertido os ônus da sucumbência, os honorários de advogado são devidos em 10% sobre o valor da condenação, correspondente às parcelas vencidas até o momento da prolação do acórdão.
Custas
Em se tratando de causas ajuizadas perante a Justiça Federal, a autarquias estão isentas de custas por força do art. 4º, inc. I, da Lei n. 9.289/96.
Dispositivo
Em face do exposto, dou provimento à apelação para restabelecer o benefício de pensão por morte percebida pelo autor retroativa à data do cancelamento, inclusive 13º salários, prestações vencidas e vincendas, com aplicação dos juros e correção monetária desde quando devidas.
É como voto.
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