sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Prova testemunhal é necessária para comprovar atividade rural

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a anulação de uma sentença, determinando que seja reaberta a fase de instrução processual com a realização de prova testemunhal para que seja comprovado o trabalho rural em ação em que se discute a concessão do benefício de aposentadoria por idade. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) Nº 17. NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO À VISTA DA INOVAÇÃO LEGISLATIVA QUE PREVIU A AUTODECLARAÇÃO DO SEGURADO. APLICABILIDADE DA TESE A CASOS EM QUE A AUTODECLARAÇÃO, EM COTEJO COM A PROVA MATERIAL, NÃO PERMITE O RECONHECIMENTO DO PERÍODO PLEITEADO, NOTADAMENTE ANTES DOS DOZE ANOS DE IDADE.
1. À vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, todos da LBPS, o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.
2. Na hipótese de a autodeclaração, em cotejo com a prova material, não ser suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, a oitiva de testemunhas é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.
3. Se há a necessidade de prova mais robusta para o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 (doze) anos de idade, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes, imprescindível a prova testemunhal.
4. Se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.
5. Reclamação provida para cassar a sentença do processo originário, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal.
TRF 4ª, Processo 5002753-08.2021.4.04.7129, Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador federal relator Celso Kipper, 28.07.2023.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de julho de 2023.

RELATÓRIO
Trata-se de reclamação proposta por Magda Sinara Spall, com fulcro no art. 988 e seguintes do CPC, em que se pleiteia a cassação da sentença proferida nos autos nº 5002753-08.2021.4.04.7129 e a reabertura da instrução processual com a colheita de prova testemunhal.

Alega a reclamante que o Juízo Federal da 1ª UAA em São Leopoldo/RS não observou a tese firmada no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 17 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porquanto deixou de lhe ser possibilitada a produção de prova testemunhal para a comprovação do trabalho rural em regime de economia familiar, notadamente antes dos doze anos de idade. Argumenta que a autodeclaração não pode constituir obstáculo para efetivação do contraditório mediante a colheita de prova oral em juízo.

O pedido de tutela provisória de urgência foi deferido para para sobrestar o andamento do feito originário até o julgamento definitivo da presente reclamação.

Citado, o INSS apresentou contestação defendendo o acerto da decisão reclamada e pedindo a improcedência da reclamação.

A autoridade reclamada deixou de prestar informações.

O Ministério Público Federal ofereceu parecer, manifestando-se pela procedência do feito.

É o relatório.

VOTO
Trata-se de apreciar reclamação segundo a qual a decisão objurgada deixou de observar o acórdão proferido no IRDR nº 17.

A tese firmada no referido julgado tem o seguinte teor:

Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.

Em face disso, a reclamante postula o reconhecimento da nulidade da sentença reclamada, considerando-se que, conforme previsão do art. 947, § 3º, do CPC, as teses aprovadas em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas vinculam todos os juízes e órgão fracionários, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais da respectiva região, bem como sua inobservância compromete a competência do Tribunal, fragilizando a autoridade de suas decisões e jurisprudência uniformizada.

Quanto ao caso concreto de que se origina a reclamação, observa-se tratar de pretensão de concessão de aposentadoria por idade híbrida, requerida na via administrativa em 13-10-2020 (NB nº 198.894.156-0), mediante o reconhecimento do período de 18-11-1966 a 02-05-1976 como tempo de serviço rural. A autora, nascida em 18-11-1959, completou 60 anos de idade em 18-11-2019.

A ação foi ajuizada em 16-06-2021, com requerimento expresso de designação de audiência para oitiva de testemunhas. Ao despachar a inicial, o Juízo reclamado exarou decisão nos seguintes termos:

[...]
Considerando a alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, de 18/01/2019, convertida na Lei n. 13.846, de 18/06/2019, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei n. 8.213/91, a comprovação da atividade do segurado especial pode ser realizada por intermédio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às bases governamentais, dispensando-se, por ora, a determinação de realização de Justificação Administrativa e/ou a oitiva de testemunhas.
Desse modo, oportunizo à parte autora que formalize, no prazo de 15 dias, autodeclaração da atividade rural exercida, caso ainda não conste nos autos, preenchendo o formulário de Autodeclaração do Segurado Especial Rural, disponível no seguinte link:
Registro, por fim, que a parte autora poderá anexar aos autos qualquer documento que, mesmo não listado no art. 106 da Lei 8.213/91, entenda que possa auxiliar na busca do direito aqui pleiteado.
[...] grifo original

Frente ao determinado, a reclamante acostou aos autos a autodeclaração de trabalhadora rural, no entanto reiterou seu interesse na produção da prova oral.

Anteriormente à conclusão para sentença, lançou-se decisão declarando o feito suficientemente instruído. Em petição, a reclamante informou estar ciente, todavia postulou, caso o Juízo entendesse insuficientes as provas do labor rural juntamente com a autodeclaração de segurado especial, a designação de audiência para a oitiva das testemunhas.

Ato contíno, a pretensão foi julgada parcialmente procedente para reconhecer o exercício do labor rural, em regime de economia familiar, em parte do intervalo postulado (de 18-11-1971 a 02-05-1976), deixando de conceder a inativação por não ter a autora atingido o número de meses de carência exigido para o benefício em discussão (180 meses).

Em relação à comprovação da atividade rural, a decisão reclamada dispôs:

Do caso concreto

Do tempo rural
A controvérsia da presente ação diz com o reconhecimento, como tempo de contribuição, do seguinte período de trabalho alegado pela demandante: 18/11/1966 a 02/05/1976 na atividade rural.
Para comprovar o trabalho campesino no período requerido, constam nos autos:
a) Carteira de saúde do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio pardo em nome do genitor (evento 1, PROCADM12, p. 9);
b) Atestado escolar de que a Autora frequentou a escola de 1967 a 1971 (evento 1, PROCADM12, p. 10);
c) 1971 a 1974 - Guias de produtor em nome do pai (evento 1, PROCADM12, pp. 11-14);
d) 1972 a 1977 - Certidão do INCRA em nome do genitor (evento 1, PROCADM12, p. 15).
Em relação ao termo inicial da atividade rural, a qual se deu, consoante alegado pela parte autora, com 07 anos de idade, importante traçar algumas considerações.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estabelecida após o julgamento da ação civil pública n.º 5017267-34.2013.4.04.7100 (Sexta Turma, Relatora para Acórdão Des. Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 12/04/2018), é possível o reconhecimento de tempo rural na condição de segurado especial anteriormente aos 12 anos de idade:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IDADE MÍNIMA. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APOSENTADORIA MAIS VANTAJOSA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. Tendo em vista que as normas que proíbem o trabalho infantil são destinadas a proteger o menor, não podem ser interpretadas a fim de prejudicá-lo. Por conseguinte, é possível reconhecer o tempo de serviço rural prestado por menor de doze anos de idade, ainda que as normas então vigentes (Constituição Federal de 1967, art. 158, X) fixassem a idade mínima de doze anos para o exercício de qualquer trabalho. 2. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço. 3. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 4. Se o segurado implementar os requisitos para a obtenção de aposentadoria em mais de uma modalidade, poderá inativar-se pela opção que lhe for mais vantajosa. 5. Deliberação sobre índices de correção monetária e juros de mora diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei nº 11.960/09, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. (TRF4 5023497-23.2016.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 28/03/2019)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. 2. O cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003). 3. Apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. (TRF4, AC 5018190-31.2016.4.04.7205, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 02/02/2018)

É certo, porém, que a afirmação da possibilidade de que a condição de segurado especial seja reconhecida mesmo antes dos 12 anos de idade não dispensa a demonstração dos demais requisitos previstos na Lei 8.213/91 para esta categoria de segurado, notadamente a indispensabilidade da atividade "à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar", que deve ser exercida "em condições de mútua dependência e colaboração".
De fato, não se pode confundir o requisito etário, afastado pela jurisprudência, com os demais requisitos exigidos para o segurado especial.

Nesse sentido, relembro o disposto no art. 11, VII e §1º, da Lei 8.213/91:
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.

A avaliação da indispensabilidade da atividade, exigência para a caracterização da condição de segurado especial, impõe a consideração de fatores como o tamanho das terras, o número de membros integrantes do grupo familiar, o tipo de atividade exercido pela família e a frequência ou não à escola por parte do menor.
No caso dos autos, a parte autora juntou documentos e autodeclaração de segurada especial rural (evento 19, ANEXO2).
Considerando a pequena extensão declarada das terras (7 hectares, segundo a autora) e o fato de que no ano de 1971 a parte demandante ainda frequentava a escola, bem como considerando o número de membros do grupo familiar (5 pessoas) não é possível reconhecer a condição de segurada especial da parte autora até seus 12 anos de idade. Embora desempenhasse alguma tarefa entre 07 e 12 anos de idade, esta não pode ser reputada, nos termos do art. 11, VII e §1º, da Lei 8.213/91, como indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar", que deve ser exercida "em condições de mútua dependência e colaboração".
Em relação ao período posterior a 18/11/1971 (data em que completou 12 anos), entendo que restou demonstrado o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, forte nos documentos em nome do genitor. Saliento que, embora a genitora desempenhasse atividade urbana no período, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o exercício de labor urbano por um dos membros do grupo familiar, por si só, não afasta a qualidade de segurado especial dos demais. Uma vez que não restaram demonstrados os rendimentos auferidos pela genitora e se a renda percebida era elevada a ponto de tornar o trabalho rural desnecessário para a subsistência do grupo familiar, tenho que está demonstrada a qualidade de segurada especial da autora.
Ressalta-se que, além de não haver qualquer exigência legal no sentido de que sejam apresentados documentos ano a ano, igualmente não há necessidade de que o termo inicial do vínculo corresponda à data de emissão de determinado documento, o que equivaleria a praticamente retirar qualquer eficácia da prova testemunhal. [grifo original]

Daí a irresignação da reclamante, que alega que a ausência de produção da prova testemunhal causou prejuízo à comprovação do seu trabalho no meio rural antes dos 12 anos de idade.

Pois bem.

Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).

A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF4, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF4, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF4, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. em 14-06-2007; TRF4, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).

Ademais, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJU de 26-02-2007; TRF4, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 14-12-2016; TRF4, AC n. 2003.71.08.009120- 3, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF4, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) – tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros – em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).

No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.

A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.

Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, e havia a necessidade de ser corroborada por prova testemunhal. A propósito, jurisprudência de longa data sempre afirmou que o tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea [v. g., TRF4, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, EIAC 2000.04.01.107535-1/RS, j. em 08-09-2005, DJ 05-10-2005; TRF4, Terceira Seção, EIAC 1999.04.01.075012-1, j. em 10-11-2005, DJ 30-11-2005; STJ, REsp 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. em 28-08-2013, DJe 05-12-2014 (Tema Repetitivo 638); STJ, Súmula 577; STJ, REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (Tema Repetitivo 554); STJ, AgInt no AREsp 2.160526/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 13-03-2023, DJe 16-03-2023].

Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) sempre teve a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a então necessária prova testemunhal.

Em razão disso, sempre defendi que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.

De certa forma, tudo o que foi dito até aqui permanece válido, embora seja necessária uma nova contextualização, à vista da inovação legislativa trazida pela Medida Provisória nº 871, de 18-01-2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18-06-2019, que alterou os arts. 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os arts. 38-A e 38-B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.

Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas quando se mostre indispensável (AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antônio Rocha, j. em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, j. em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, j. em 09-03-2022; AG n. 5031738- 34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 22-09-2021).

A questão que ainda precisa ser respondida adequadamente é: quando a prova testemunhal permanece indispensável para a comprovação da atividade rural ou da condição de segurado especial?

Vislumbro, desde já, algumas situações em que a prova oral é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural. Primeiramente, será indispensável sempre que o magistrado verificar algum ponto a ser melhor esclarecido, visando a completar lacunas da prova material (casos em que esta é escassa), dirimir contradições entre a autodeclaração e as provas materiais, ou destas entre si, para esclarecer dúvidas surgidas por elementos colhidos do CNIS ou PLENUS, para se certificar se a atividade rural era de fato essencial para a subsistência da família, se havia empregados permanentes, enfim, sempre que não houver prova suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.

Também poderá ser indispensável a prova testemunhal quando o pedido englobe o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 anos de idade. Isso porque tal reconhecimento é possível desde que a prova da atividade do menor seja reforçada, mais robusta, demonstrando as atividades desempenhadas, as culturas plantadas ou os animais criados, de forma que seja possível avaliar, no regime de economia familiar, a essencialidade do trabalho rural desenvolvido pela criança para o sustento da família. Em outras palavras, “o tempo de serviço rural anterior aos 12 anos de idade pode ser reconhecido desde que haja prova inequívoca do efetivo exercício de trabalho rural pela parte autora e não apenas auxílio eventual ao grupo familiar” (TRF4, AC 5022088-36.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 22-03-2022). Ora, se há a necessidade de prova mais robusta ou inequívoca nesse sentido, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes (salvo exceções), imprescindível a prova testemunhal.

Importante destacar a aplicabilidade do julgamento do IRDR nº 17 a casos em que há autodeclaração, houve dispensa de prova testemunhal e o conjunto probatório não permite o reconhecimento do período pleiteado.

Com efeito, cumpre reiterar a tese jurídica fixada por esta Corte no julgamento do IRDR nº 17:

Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.

Ora, se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.

Na demanda originária, como já relatado, a parte autora postulou a concessão de aposentadoria por idade híbrida, mediante reconhecimento de trabalho rural desempenhado em regime de economia familiar de 18-11-1966 a 02-05-1976, incluindo período anterior a 12 anos de idade.

A sentença concedeu parcialmente o pedido, reconhecendo a qualidade de segurada especial da parte autora durante o intervalo de 18-11-1971 a 02-05-1976, correspondente ao período posterior à data em que completou 12 (doze) anos de idade. Quanto à rejeição do interstício precedente aos 12 anos de idade, a decisão sustentou-se no cotejo de elementos documentais que, reunidos, não apontariam o caráter indispensável das tarefas desempenhadas pela autora nesse período.

Contudo, abordada a questão sob o ângulo jurisprudencial acima expendido, sobretudo no que se refere à exiguidade e à imprecisão documentais inerentes ao labor rural em períodos distantes, a fundamentação adotada pelo magistrado sentenciante evidencia justamente a necessidade de produção de prova testemunhal para averiguação das condições em que as tarefas rurícolas eram efetivamente desempenhadas.

De fato, considerando apenas os elementos fáticos elencados na sentença - pequena extensão das terras, frequência à escola e tamanho da família (5 pessoas) - não é possível solver a controvérsia, seja para acolher a pretensão da parte autora, seja para afastá-la, materializando-se a prova oral, nessa medida, como condição sine qua non para verificação das condições em que a demandante desempenhava tarefas ínsitas ao labor campesino.

Sendo assim, demonstrado que a sentença proferida no processo nº 5002753-08.2021.4.04.7129 não observou a tese adotada no incidente, é de rigor a cassação da decisão, reabrindo-se a instrução do feito de forma a propiciar a produção da prova testemunhal.

Ante o exposto, voto por julgar procedente a reclamação.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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