sexta-feira, 19 de maio de 2023

Decisão trata sobre a situação do portador de doença anterior a filiação a previdência

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre situações em que fica caracterizado a doença preexistente à filiação ao regime geral de previdência social. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA OU APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DOENÇAS E INCAPACIDADE PREEXISTENTES À FILIAÇÃO AO RGPS. MOLÉSTIAS CONGÊNITAS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 
I- Os requisitos para a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente compreendem: a) o cumprimento do período de carência, quando exigida, prevista nos arts. 25 e 27-A da Lei n° 8.213/91; b) a qualidade de segurado, nos termos dos arts. 11, 13 e 15 da Lei de Benefícios e c) incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio por incapacidade temporária difere apenas no que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária, não devendo, em quaisquer dos casos, a doença preexistir ao ingresso no sistema. 
II- Nas duas situações, a análise da incapacidade para o trabalho deve ser feita com razoabilidade, observando-se aspectos circunstanciais como a idade e a qualificação pessoal e profissional do segurado. 
III- No caso em apreço, foram realizadas duas perícias médicas judiciais. Tanto no laudo pericial neurológico (perícia realizada em 2/2/21), como no parecer técnico psiquiátrico (perícia realizada em 18/5/21), foi constatada a incapacidade total e permanente para o trabalho do autor nascido em 19/2/02, por ser portador de paralisia cerebral (CID10 G80), e retardo mental de moderado a grave (CID10 F79). Não obstante a adequação de suas capacidades motoras, salientou-se que suas habilidades cognitivas lhe impedem a realização de quaisquer atividades laborais. Ambos os peritos estabeleceram o início da doença e da incapacidade no nascimento, por tratar-se de quadro congênito. 
IV- Trata-se, enfim, da hipótese de doença e incapacidade preexistentes ao ingresso no RGPS, pois congênitas as patologias, o que impede a concessão dos benefícios pleiteados. 
V- No tocante ao dano moral, nada tem de abusivo o indeferimento do pedido de concessão de benefício, encontrando-se a autarquia no regular exercício de sua competência administrativa. 
VI- Apelação da parte autora improvida.
TRF 3 - 8ª Turma, ApCiv 5008453-51.2020.4.03.6183, Desembargador Federal Herbert Cornelio Pieter de Bruyn Junior,  17/02/2023.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada em 9/7/20 em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, visando à concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou benefício por incapacidade temporária. Pleiteia, ainda, a tutela de urgência, bem como indenização por danos morais. 

Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, e indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. Após a juntada dos laudos periciais, foi convertido o julgamento em diligência para a regularização da representação processual do autor, mediante a juntada aos autos do termo de curatela provisória e de procuração outorgada pelo autor, por intermédio de seu curador, ao respectivo advogado, com ciência do MPF. 

O Juízo a quo, em 10/6/22, julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade, não tendo sido constatado dano moral a ser indenizado pelo INSS. 

Condenou o demandante ao pagamento das despesas processuais além de honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade, nos termos do disposto no art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC/15. 

Inconformada, apelou a parte autora, requerendo, em síntese: - a reforma do decisum, para julgar procedentes os pedidos. 

Sem contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta E. Corte. 

Parecer do Ministério Público Federal a fls. 224/231 (ID 266917699, págs. 1/8), opinando pelo desprovimento do recurso. 

É o breve relatório.

VOTO
Discute-se o atendimento aos requisitos de benefício por incapacidade. 

Nos termos dos artigos 42 e 59 da Lei n.8.213/91, respectivamente, são requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença: a) a condição de segurado da parte requerente na data do início da incapacidade, o que há de se verificar nos termos dos artigos 11, 13 e 15 da Lei n. 8.213/91; b) a comprovação da incapacidade permanente ou temporária para o trabalho; e, c) o cumprimento de carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais, ressalvada a hipótese do art. 27-A da Lei n. 8.213/91, de reingresso ao sistema, quando, para contagem das contribuições anteriores, são requeridas apenas mais seis contribuições (metade das exigidas), bem como de a incapacidade decorrer de acidente de qualquer natureza e causa, doença profissional ou de trabalho ou de algumas das doenças e afecções especificadas em listas elaboradas, a cada três anos, pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social de que o segurado seja acometido após sua filiação ao Regime Geral de Previdência Social (art. 26, II, da Lei n. 8.213/91), ou, na falta destas, aquelas designadas no art. 151 da referida Lei. 

No caso, a controvérsia restringe-se à existência ou não da incapacidade laborativa. A esse respeito, deve-se frisar não bastar a existência da doença para configurar o direito ao benefício por incapacidade. É preciso, ainda, que além dela não preexistir ao ingresso no sistema, haja efetiva incapacidade para a atividade laborativa. 

Nesse passo, conceder-se-á o benefício por incapacidade temporária quando o segurado ficar total e temporariamente incapacitado para o exercício de suas atividades profissionais habituais, assim entendidas aquelas para as quais o interessado está qualificado, sem necessidade de qualquer habilitação adicional. 

Será, por sua vez, devida a aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), se o segurado total e definitivamente incapacitado para exercer qualquer atividade laborativa, for insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade capaz de garantir-lhe a subsistência. Neste caso, o benefício lhe será pago enquanto permanecer nesta condição. Tanto o auxílio-doença quanto a aposentadoria por invalidez pressupõem a existência de incapacidade laborativa; a distinção reside apenas no potencial de reversibilidade da situação, mais improvável no último caso. Nas duas situações, todavia, a análise da incapacidade para o trabalho deve ser feita com razoabilidade, observando-se aspectos circunstanciais como a idade e a qualificação pessoal e profissional do segurado; só assim ter-se-á definida, no caso concreto, a suposta incapacidade. 

Um terceiro benefício é previsto no artigo 18, I, h e § 1º bem como no artigo 86 da Lei 8.213/91. Trata-se do auxílio acidente, concedido apenas aos segurados empregados, avulsos e especiais, como indenização, após consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza se constatadas sequelas que impliquem redução da capacidade para o labor anteriormente exercido. 

Para fazer jus a este benefício, igualmente é necessária a qualidade de segurado, não existindo, no entanto, qualquer carência a ser cumprida (art. 26, I da Lei 8.213/91). 

Segundo o § 2º do art. 86 da Lei de Benefícios, o benefício "será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença,independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado vedada suaacumulação com qualquer aposentadoria". 

Por sua vez, o parágrafo 3º do mesmo dispositivo dispõe que o "recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria (...), não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente". 

No caso em apreço, o requerimento administrativo de benefício por incapacidade temporária, formulado em 16/3/20, foi indeferido por ausência de constatação da incapacidade (fls. 77 - ID 263076450). 

O extrato de consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS revela a inscrição do requerente como contribuinte facultativo, com recolhimento de contribuições no período de 1º/10/18 a 31/12/19 (fls. 102 - ID 263076459, pág. 2). 

Houve a determinação nos autos para a realização de duas perícias médicas judiciais. No laudo pericial elaborado por especialista em neurologia (fls. 112/115 - ID 263076463, págs. 1/4), cuja perícia médica foi realizada em 2/2/21, afirmou o Sr. Perito, com base no exame clínico e análise dos relatórios e exames médicos trazidos na perícia, que o autor, de 18 anos, sem ocupação no momento, acompanhado pelo genitor, "apresenta sequelas motoras e cognitivas graves de provável insulto difuso ao encéfalo, que, pelo relato de seu pai e dos relatórios médicos, ocorreu no periparto. Considero-o, portanto, portador de Paralisia Cerebral Hemi-Espástica associado com Retardo Mental grave. O periciando necessita de supervisão de outra pessoa para que não se coloque em risco.

Enfatizou, ainda, que "Suas capacidades motoras são adequadas, até para atividade laboral, entretanto suas habilidades cognitivas lhe impedem de realização de quaisquer atividades laborais". 

Concluiu, categoricamente, o expert, pela constatação da incapacidade laborativa total e permanente, decorrente diretamente de lesão neurológica, estabelecendo o início da incapacidade na data do nascimento. 

Por sua vez, no parecer técnico psiquiátrico de fls. 120/134 (ID 263076470, págs. 1/15), cuja perícia médica foi realizada em 18/5/21, asseverou a Sra. Perita que o autor, de 19 anos, solteiro, sem filhos, grau de instrução ensino médio, sem nunca haver trabalhado, acompanhado pelo pai, é portador de paralisia cerebral (CID10 G80), que se revela através de himeparesia espástica à esquerda, possuindo pé equino ao nascer, o qual, não obstante posteriormente operado, o leva a deambular com dificuldade. 

É portador, também, de encefalopatia congênita, que se expressa através de retardo mental de moderado a grave (CID10 F79). 

Enfatizou a expert que "Ele estudou até o ensino médio, mas não se alfabetizou, tem dificuldade com as operações matemáticas e desconhece o valor do dinheiro. O quadro é congênito, orgânico e irreversível. Exames de imagem revelaram presença de cisto aracnoide comprimindo os ventrículos cerebrais. O autor não apresenta alterações de comportamento e não faz uso de medicação. Ele nunca reuniu condições de vida independente nem para o trabalho ou para os atos da vida civil. O quadro é irreversível". 

Concluiu pela existência de incapacidade total e permanente para o trabalho, estabelecendo tanto o início da doença como da incapacidade no nascimento, por tratar-se de quadro congênito. 

Dessa forma, o fator impeditivo para o direito ao benefício não decorre do fato de existir ou não a incapacidade, tampouco da carência, mas sim da existência, ou não, da qualidade de segurado no momento do início da incapacidade laborativa. 

Trata-se, enfim, da hipótese de doença e incapacidade preexistentes ao ingresso no RGPS, pois congênitas as patologias, o que impede a concessão de quaisquer dos benefícios pleiteados. 

Nesse sentido, merece destaque o acórdão abaixo, in verbis: 
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE. INGRESSO AOS 58 (CINQUENTA E OITO) ANOS DE IDADE. SEGURADO FACULTATIVO. RELATO AO PERITO QUE SENTE DOR HÁ 10 ANOS. ELEMENTOS SUFICIENTES QUE ATESTAM O INÍCIO DO IMPEDIMENTO EM ÉPOCA PREGRESSA AO INGRESSO NO RGPS. FILIAÇÃO OPORTUNISTA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 42 § 2º e 59, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI Nº 8.213/91. VEDAÇÃO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA INDEVIDOS. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. JUÍZO DA EXECUÇÃO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. (...) 8 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com fundamento em exame realizado em 29 de março de 2018, quando a demandante possuía 65 (sessenta e cinco) anos de idade, consignou: "Artrose em joelhos. Hipertensão arterial. Diabetes mellitus tipo II. Hipotireiodismo. Dislipidemia. Obesidade mórbida. Hipoacusia mista bilateral. Incapacidade total e temporária. Deve ser avaliada pericialmente em quatro meses. Data do início da incapacidade: março de 2018." Assim sintetizou o relato da autora: "problema é joelho direito. Tem desgaste. Sente muita dor. Sente dor há 10 anos e está piorando. Usa Nunovo, 2 comprimidos por dia, mas passa pouco. Se ficar de repouso como médico quer, não dói, mas é dona de casa. Tem cirurgia agendada para dia 17/04/2018, para colocar prótese. Descobriu pressão alta há mais de 20 anos. Usa Diovan HCTZ 160/12,5mg, ½ comprimido; Adalat retard 20mg, 3 comprimidos por dia. Descobriu problema de tireóide há 1 ano. Usa Puran T4 75mcg, 1 comprimido por dia. Descobriu diabetes há 4 anos. Usa Metformina 850mg, 3 comprimidos por dia. Descobriu colesterol alto há 5 anos. Usa Sinvastatina 40MG, 1 comprimido por dia. Foi pedido para emagrecer, mas não consegue. Percebe diminuição da audição há 2 anos. Não foi indicado uso de aparelho auditivo. Empregada doméstica até 25 anos. Há 40 anos do lar." Ainda, questionado sobre a possibilidade de recuperação, respondeu o seguinte: "Não. São doenças crônicas e doenças degenerativas, sem cura, porém com possibilidade de controle". Por fim, fixou a DII na data do exame pericial. 9 - O juiz não está adstrito integralmente ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art.436 do CPC/73 (atual art.479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 10 - A despeito de o experto ter fixado a DII em março de 2018, tenho que o impedimento da demandante já estava presente em período anterior a seu ingresso no RGPS. 11 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos encontram-se acostado aos autos, dão conta que a requerente efetuou seu primeiro recolhimento como facultativa em 01.12.2010, quando já possuía 58 (cinquenta e oito) anos. 12 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 375), que tenha se tornado incapaz somente após tal época, eis que, de acordo com seu próprio relato, na ocasião da perícia médica, começou a sentir dor há 10 anos. 13 - Em outras palavras, a demandante somente ingressou no RGPS, com mais de 58 (cinquenta e oito) anos de idade, na qualidade de segurado facultativo, o que somado ao fato de que já era portadora de sinais indicativos de mal incapacitante, denota que seu impedimento é preexistente à sua refiliação no RGPS, além do notório caráter oportunista desta. (...) 17 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo da execução. Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça." (TRF 3ª Região, ApCiv n. 5103497-66.2018.4.03.9999, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, j. 12/11/21, v.u., intimação via sistema 19/11/21 grifos meus) 

No tocante ao dano moral, como bem asseverou o MM. Juiz Federal a quo a fls. 199 (ID 263076873, pág. 5), "A parte autora não produziu em momento algum da presente demanda, uma prova indiciária sequer de ter sofrido tal espécie de dano em razão da conduta do INSS. Sobre a conduta do INSS, ademais, vale mencionar que o indeferimento do pedido de concessão de benefício nada tem de abusivo, encontrando-se a autarquia no regular exercício de sua competência administrativa.

Não obstante o não preenchimento dos requisitos para o benefício por incapacidade, nada impede que o demandante pleiteie administrativamente a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, desde que demonstre a situação de hipossuficiência do núcleo familiar. 

Destarte, merece ser mantida a r. sentença que julgou improcedente a presente demanda. 

Ante o exposto, nego provimento à apelação. 

É o meu voto.

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Perfil

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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