sexta-feira, 10 de junho de 2022

Decisão trata sobre a aplicação do art.43, § 5º da Lei 8.213/91

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 266 com a seguinte redação "A dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 266. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AIDS. DISPENSA DE AVALIAÇÃO. LEI 13.847/19. APLICAÇÃO AOS BENEFÍCIOS CESSADOS ANTES DA VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. TESE: A DISPENSA DE AVALIAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 43 § 5º DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.847/19, NÃO ALCANÇARÁ OS BENEFÍCIOS CESSADOS ANTES DA SUA EDIÇÃO. PUIL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. A LEI 13.847/19 ACRESCENTA O § 5º, NO ART. 43 DA LEI 8.213/91 E DISPENSA A PESSOA COM HIV/AIDS APOSENTADA POR INCAPACIDADE DA REALIZAÇÃO DE AVALIÇÕES PARA A COMPROVAÇÃO DA MANUNTENÇÃO DA INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE.
2. A NOVA PREVISÃO LEGAL NÃO PODE SER APLICADA RETROATIVAMENTE, EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM.
3. O FATO JURÍDICO QUE MARCA A APLICABILIDADE DA NORMA NÃO É A AVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA, MAS A CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. DESSE MODO, AQUELES BENEFÍCIOS EM MANUTENÇÃO NO MOMENTO EM QUE TEVE INÍCIO A VIGÊNCIA DA LEI 13.847/19, MESMO QUE EM GOZO DE MENSALIDADES DE RECUPERAÇÃO (ART. 47 DA LEI 8213/91), DEVEM SER ABRANGIDOS PELA PELA NOVA DISCPLINA LEGAL.
4. TESE (TEMA 266): "A DISPENSA DE AVALIAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 43 § 5º DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.847/19, NÃO ALCANÇARÁ OS BENEFÍCIOS CESSADOS ANTES DA SUA EDIÇÃO".
5. PUIL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 5017999-45.2018.4.04.7001/PR, Juíza Federal Susana Sbrogio Galia - para acórdão: Juiz Federal Fábio de Souza Silva, 26/02/2021


ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por voto de desempate, vencidos parcialmente a relatora e os Juízes Federais PAULO CEZAR NEVES JUNIOR, JOSÉ BAPTISTA DE ALMEIDA FILHO NETO, ATANAIR NASSER LOPES E IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, NEGAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO, nos termos do voto do Juiz Federal FÁBIO SOUZA, com a fixação da seguinte tese jurídica: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição". Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 266).

Brasília, 25 de fevereiro de 2021.


RELATÓRIO
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - TEMA 266 - saber se a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, aplica-se também aos benefícios que foram revisados antes de sua edição.

Trata-se de incidente de uniformização interposto pela parte autora, com fulcro no artigo 14, §2º, da Lei 10.259/01, em face de acórdão prolatado pela 3ª Turma Recursal do Paraná, que negou provimento ao recurso, mantendo sentença que julgou improcedente o restabelecimento de aposentadoria por invalidez.

Nas razões de recurso, a parte recorrente alega que a decisão impugnada diverge de entendimento firmado pela 3ª Turma Recursal do Rio de Janeiro (processos 5017172-65.2018.4.02.5101, 5007322-84.2018.4.02.5101, 5043366-68.2019.4.02.5101) e também pela 1ª Turma Recursal de Santa Catarina (processo 5001474-18.2019.4.04.7206), no sentido de que a regra disposta no art. 43, § 5º da Lei 8.213/91, a qual dispõe que a pessoa com HIV/aids é dispensada da avaliação pericial administrativa, é válida também para as aposentadorias revistas e suspensas pelo INSS antes da edição da Lei 13.847, de 19/06/19. Pugna pela retroatividade da legislação previdenciária mais benéfica ao segurado.

Intimada, a parte adversa não apresentou contrarrazões.

Inadmitido o incidente na origem, seguiu-se a interposição de agravo, provido pelo presidente desta TNU.

Em sessão ordinária realizada em 19 de junho de 2020, o pedido de uniformização foi admitido por este colegiado, na qualidade de representativo de controvérsia, registrado sob o Tema 266, cuja questão controvertida envolve: “saber se a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, aplica-se também aos benefícios que foram revisados antes de sua edição.”

Diante da afetação como representativo de controvérsia, foi seguida a tramitação regimental estabelecida, com publicação de Edital destinado aos terceiros interessados e intimação do Ministério Público Federal.

Em sequência, foi deferida a admissão do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP e da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU na figura de amicus curiae, nos termos do art. 138 do CPC (evento 35).

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP opinou pela impossibilidade de revisão dos benefícios previdenciários concedidos anteriormente ao advento da Lei n.º 13.847/19, e que não tenham tido perícia realizada até a data de entrada em vigor da referida alteração. Nos casos em que a perícia se realizou antes do advento da alteração legislativa, e em que os processos administrativos ainda não haviam sido concluídos até a alteração normativa, entende que, de igual forma, viável a continuidade do benefício. Por sua vez, nos casos em que foi realizada a perícia e o processo administrativo foi concluído antes da alteração legislativa, considera não ser possível a retroatividade da lei para determinar a reativação dos benefícios cessados com base na lei existente naquele momento.

O recorrente manifesta-se ao evento 28, invocando o princípio da isonomia e dignidade da pessoa, para defender a possibilidade de retroatividade da lei mais benéfica (Lei nº 13.847/2019) no caso concreto, “mesmo que a revisão administrativa tenha se dado em momento anterior à vigência da lei referida, uma vez que o Autor estava recebendo mensalidade de recuperação quando a norma mais benéfica passou a vigorar”. Diz que o requerente ainda estava em gozo de benefício quando houve a alteração legislativa mais favorável, “pelo que esta lhe deve ser aplicada. O legislador teve como intuito corrigir a distorção aplicada na MP nº 767/17, convertida na Lei 13.457/17, que previa, sem distinções, a convocação do segurado a qualquer momento para reavaliação das condições patológicas que culminaram na concessão, administrativa ou judicial, do benefício”, atentando-se à natureza incurável da doença (HIV) e ao estigma social gerado pela enfermidade.

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – DPU apresenta memoriais (evento 32) e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF manifesta-se no evento 33.

É o relatório.

VOTO, SUSANA SBROGIO GALIA, Juíza Relatora
PREVIDENCIÁRIO. TEMPUS REGIT ACTUM. APLICAÇÃO DA LEI NOVA MAIS BENÉFICA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA AFETADO Nº 266 - SABER SE A DISPENSA DE AVALIAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 43 § 5º DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.847/19, APLICA-SE TAMBÉM AOS BENEFÍCIOS QUE FORAM REVISADOS ANTES DE SUA EDIÇÃO. TESE FIRMADA: A DISPENSA DE AVALIAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 43 § 5º DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.847/19, NÃO ALCANÇARÁ AS AVALIAÇÕES REALIZADAS E OS BENEFÍCIOS QUE FORAM REVISADOS ANTES DA SUA EDIÇÃO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NÃO PROVIDO.

Inicialmente, observo que as questões relativas à admissibilidade e similitude fática e jurídica restaram superadas em face da decisão colegiada vinculada ao evento 20.

Quanto à questão controvertida, esta foi assim definida: "saber se a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, aplica-se também aos benefícios que foram revisados antes de sua edição".

A Lei nº 13.847/19 introduziu a redação do §5º. do art. 43 da Lei 8.213/91, assim constando:

Art. 43. A aposentadoria por invalidez será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, ressalvado o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo.
(...)
§ 4o O segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
§ 5º A pessoa com HIV/aids é dispensada da avaliação referida no § 4º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.847, de 2019)

O modelo previdenciário anterior - que admitia a presunção de continuidade do estado incapacitante para benefícios previdenciários de natureza permanente – sofreu atualização para acompanhar a dinamicidade do contexto social e os avanços científicos alcançados no campo da saúde. Por essa nova fórmula, a continuidade da percepção dos benefícios por incapacidade laboral passa a vincular-se à efetiva condição clínica incapacitante do segurado, seja em caráter permanente ou temporário, porém, a ser aferida em concreto.

Para tanto, operou-se sistemática de revisão massiva de benefícios previdenciários, levada a efeito pelas Medidas Provisórias nºs 739/2016, 767/2017 e 871/2019, esta última convertida na Lei nº 13.846/2019.

A legitimidade das normas que instituíram a necessidade de revisão dos benefícios previdenciários por incapacidade laboral foi analisada por este colegiado uniformizador quando da composição da tese firmada no tema 164, sob o rito dos processos representativos de controvérsia (Processo: 0500774-49.2016.4.05.8305). Naquela oportunidade, reconheceu-se a possibilidade de a legislação ordinária estabelecer mecanismos procedimentais para viabilizar “nova avaliação da persistência das condições que levaram à concessão do benefício na via judicial”, formando-se o enunciado que segue:

"a) os benefícios de auxílio-doença concedidos judicial ou administrativamente, sem Data de Cessação de Benefício (DCB), ainda que anteriormente à edição da MP nº 739/2016, podem ser objeto de revisão administrativa, na forma e prazos previstos em lei e demais normas que regulamentam a matéria, por meio de prévia convocação dos segurados pelo INSS, para avaliar se persistem os motivos de concessão do benefício; b) os benefícios concedidos, reativados ou prorrogados posteriormente à publicação da MP nº 767/2017, convertida na Lei n.º 13.457/17, devem, nos termos da lei, ter a sua DCB fixada, sendo desnecessária, nesses casos, a realização de nova perícia para a cessação do benefício; c) em qualquer caso, o segurado poderá pedir a prorrogação do benefício, com garantia de pagamento até a realização da perícia médica."

Conforme se depreende a partir da redação da tese firmada, 1) tem-se por reconhecida a natureza procedimental da sistemática de revisão dos benefícios previdenciários por incapacidade; 2) diante desta feição procedimental, reconhece-se igualmente a aplicabilidade imediata da norma que institui a sistemática das revisões administrativas; e 3) impõe-se a observância da máxima tempus regit actum, devendo ser respeitada a aplicação da lei vigente no tempo em que ocorreram os atos jurídicos sob exame.

Contudo, a regra trazida pela Lei nº 13.847/2019 - ao incluir o §5º, no art. 43 da Lei 8213/91 - consiste exceção à necessidade de revisão periódica dos benefícios previdenciários por incapacidade laboral, na especial situação das pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV), igualmente no estágio de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS/SIDA).

Por certo, a expressa ressalva legal à sistemática revisional toma em consideração a ainda remota e pouco provável possibilidade de cura da doença ora em debate, a ensejar proteção do Estado em sua expressão positiva e prestacional.

A doutrina preconiza a necessidade de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, extensível igualmente aos direitos sociais e prestações positivas do Estado. Nesse contexto, atua o princípio da dignidade da pessoa humana no esquema de ponderação, na qualidade de elemento de proteção contra possíveis restrições aos direitos fundamentais. Proteção esta estendida aos direitos sociais, com as particularidades específicas a cada ordem de direitos, levando-se em conta na atividade de ponderação, a vedação ao retrocesso social e a observância a um mínimo existencial (Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 371-376).

Sustentando a manutenção de um padrão mínimo existencial, temos Canotilho: "[...] todos (princípio da universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights), na ausência do qual o estado português se deve considerar infractor das obrigações jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas" (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 470, em contraponto à construção dogmática da reserva do possível - Vorbehalt des Möglichen, Ibidem, p. 438-439, e TORRES, R. L. O Mínimo Existencial, os Direitos Sociais e a Reserva do Possível. In: António Avelãs Nunes, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. (Org.). Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, v., p. 447-471).

Por conseguinte, o grau de proteção de cada direito fundamental, mesmo prestacional, depende do procedimento concretizador da norma, em que realizada a atividade ponderativa, sopesando os diferentes princípios, valores e bens jurídicos envolvidos, com base nas circunstâncias do caso concreto, e na aplicação das metanormas da proporcionalidade, proibição de excesso e, notadamente, de vedação à proteção insuficiente.

Na específica hipótese dos autos, a concretização do direito fundamental à prestação social para pessoas portadoras de HIV, que se encontram ou se encontravam recebendo benefício previdenciário por incapacidade laboral de feição permanente, envolve o alcance temporal da norma prevista no §5º., do art. 43, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 13.847, de 2019, em interpretação conforme o texto constitucional. Isso importa perquirir acerca da possibilidade de proteção insuficiente, ofensa à isonomia e dignidade humana, no que concerne à ausência de disposição legal expressa quanto à retroatividade daquela norma.

Com efeito, a diretriz geral traçada pela ordem jurídica pátria firma a irretroatividade quanto à aplicação da lei no tempo, obstando que alcance situações já consolidadas. Nestes termos, dispõe a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI (“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 6º (“A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”).

Em matéria de direito intertemporal, no âmbito da legislação previdenciária, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pautou-se, em diversas oportunidades, pela adoção da máxima tempus regit actum. Cita-se, a título de exemplo, a hipótese de pronunciamento sobre a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/2003, quanto à aplicação da norma mais benéfica ao segurado no que tange à fixação do nível de ruído considerado nocivo à integridade física do trabalhador, ocasião em que aquela Corte firmou entendimento no sentido da impossibilidade de se conferir retroatividade à norma independentemente de expressa previsão legal. Em conclusão, o STJ considerou que deve prevalecer o nível de ruído estabelecido em cada um dos sucessivos normativos nos respectivos períodos de vigência (AgRg no REsp nº 1309696, Primeira Turma, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 28.06.2013; AgRg no REsp nº 1326237, Primeira Turma, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 13.05.2013; AgRg no REsp nº 1367806, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 03.06.2013; REsp nº 1365898, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe de 17.04.2013; e AgRg no REsp nº 1352046, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 08.02.2013).

Seguindo a mesma lógica, o STJ firmou a tese de que a lei aplicável à conversão do tempo especial em comum é aquela vigente na ocasião da concessão da aposentadoria (REsp nº 1310034/PR, representativo de controvérsia submetido ao rito do art. 543-C do CPC).

Repiso, especificamente quanto aos precedentes deste colegiado, a tese firmada no tema 164, reportada acima, acerca da aplicabilidade imediata da norma revisional, a contar da respectiva vigência.

Estes parâmetros desenham os contornos de concretização do direito fundamental à prestação do Estado em consonância com a aplicação no tempo da norma que dispensa portadores de HIV, em benefício de aposentadoria por invalidez, da revisão periódica do benefício. Com base no exposto, infere-se que a lei previdenciária, ainda que mais benéfica ao segurado, não alcança o ato jurídico perfeito, consolidado anteriormente à sua vigência, sem que conste expressa previsão legal nesse sentido.

E, na específica hipótese em exame, a conclusão da perícia médica de revisão administrativa, em que atestada a capacidade laboral da pessoa portadora de HIV, tem especial repercussão no ato jurídico perfectibilizado e, assim, na aferição do direito vigente.

Isso porque, nos termos do disposto nos §§4º. e 5º., do art. 43 da Lei 8.213/91, este é o ato relevante à “avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente”. Ademais, não se pode desconsiderar os efeitos concretos da conclusão médica exarada após a perícia administrativa, demonstrando-se ato determinante para a decisão administrativa que mantém ou cessa o benefício previdenciário por incapacidade laboral de caráter permanente.

Tanto é assim que, havendo insurgência contra a decisão administrativa que determina a cessação do benefício com base em exame pericial administrativo que não conclui pela incapacidade laboral, esta decisão poderá ser revertida em juízo somente acaso infirmado o resultado da perícia administrativa.

Isso significa que:

I - para os benefícios de aposentadoria por invalidez ou incapacidade laboral permanente, percebidos por portadores de HIV, vigentes quando do advento das alterações trazidas pela Lei nº 13.847, de 2019, em que não tenha sido realizada perícia médica administrativa que ateste capacidade laboral, incide a norma do §5º., do art. 43, da Lei 8.213/91;

II – para os benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez ou incapacidade laboral permanente, percebidos por portadores de HIV, cuja perícia administrativa foi realizada antes da alteração trazida pela Lei nº 13.847/ 2019, quanto à inclusão do §5º., do art. 43, da Lei 8.213/91, atestando a capacidade laboral do segurado, não se faz possível a retroatividade da lei diante do ato que avaliou as condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria concedida judicial ou administrativamente.

Por essa forma, acolhem-se em parte as valiosas contribuições do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, na qualidade de amicus curiae.

A partir das balizas acima consideradas, a concretização do direito social, em consonância com as normas vigentes no tempo, não importa ofensa ao postulado isonômico, posto que se tenha este por aferido no seu aspecto substancial. Deste modo, cabe distinção entre a situação concreta dos segurados portadores de HIV, que se encontram efetivamente incapacitados para prover o próprio sustento, em detrimento daqueles segurados, igualmente portadores do vírus, mas que não apresentam qualquer incapacidade laboral. Não há situação isonômica neste caso, tampouco proteção insuficiente, do ponto de vista material.

Da mesma forma, pondera-se a observância ao princípio da dignidade humana, que reserva o âmbito de proteção do direito material aos segurados portadores de HIV que não possuem concretamente capacidade laboral para prover o próprio sustento, preservando a dignidade daqueles que possuem condições laborais fazê-lo.

Diante da fundamentação apresentada, o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, processado como representativo de controvérsia - Tema 266 - cumpre ser julgado, firmando-se a seguinte tese:

"A dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará as avaliações realizadas e os benefícios que foram revisados antes da sua edição."

No caso analisado, em não se reconhecendo aplicação retroativa à norma inserta no §5º. do art. 43, da Lei 8.213/91, aos benefícios revisados com base em perícia médica administrativa que reconheceu a capacidade laboral do segurado anteriormente à data de vigência da Lei nº 13.847/19, nega-se provimento ao presente incidente.

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO e fixar a tese representativa da controvérsia sob exame.


VOTO, MINISTRO RICARDO VILLAS BOAS CUEVA
Trata-se, na origem, de demanda ajuizada por Edgar Albano Junior em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio da qual o segurado postula o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, cessado em revisão administrativa em 18/09/2018.

Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido ao argumento de que, após a realização da perícia judicial, não foi "não encontrada condição clínica que impeça a parte autora de voltar a realizar suas atividades habituais de trabalho" (evento n. 1).

Em julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Autor, o juiz concluiu pela impossibilidade de aplicação retroativa da inovação legislativa trazida pela Lei n. 13.847/19, que acrescentou o § 5º, no art. 43 da Lei n. 8.213/91, sob o fundamento de que "o autor aposentado por invalidez foi convocado pelo INSS em 2018 e, em exame pericial administrativo realizado em 18/09/2018, foi considerado capaz para o trabalho e o benefício de aposentadoria por invalidez foi cessado nesta mesma data" e a "disposição legal invocada pela parte autora somente veio a lume em 19/06/2019".

Inconformada, recorreu a parte autora, sustentando a aplicação retroativa do art. 43, § 5.º da Lei n. 8.213/91, tendo sua pretensão rejeitada pela 3ª Turma Recursal do Paraná, que decidiu manter a sentença por seus próprios fundamentos (evento n. 1).

Em face dessa decisão, o Autor veiculou o presente pedido de uniformização dirigido a esta Turma Nacional, no qual, em apertada síntese, apontou paradigma e pontuou que a regra disposta no art. 43, § 5º da Lei n. 8.213/91 é aplicável também para as aposentadorias revistas e suspensas pelo INSS antes da edição da Lei n. 13.847, pois “se o Estado quisesse que a norma não fosse retroativa, e não beneficiasse, de modo igualitário, todos os aposentados por invalidez com HIV/AIDS, teria feito essa previsão no texto legal, o que não ocorreu” (evento n. 43).

Após juízo negativo de admissibilidade e interposição de agravo, os autos foram remetidos a esta Turma Nacional de Uniformização, oportunidade na qual foi determinada a sua distribuição e afetação do tema controvertido como representativo de controvérsia, restando submetida a julgamento a seguinte questão: “saber se a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43, § 5º da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 13.847/19, aplica-se também aos benefícios que foram revisados antes de sua edição.” (Tema n. 266).

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP e a Defensoria Pública da União - DPU solicitaram sua admissão como amicus curiae, pedido deferido formalmente pelo então Relator, restando assegurada sua intervenção nos termos estabelecidos pelo Regimento Interno (eventos 32, 35 e 55).

O Ministério Público Federal se manifestou pelo provimento do pedido de uniformização (evento n. 33).

Iniciada a apreciação do pedido de uniformização na Sessão de Julgamentos de 9/12/2020, a Relatora, Juíza Federal Susana Sbrogio Galia, encaminhou seu voto por negar provimento ao incidente veiculado pelo Autor, propondo a fixação da seguinte tese: “a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará as avaliações realizadas e os benefícios que foram revisados antes da sua edição.", no que foi acompanhada pelos Juízes Federais Paulo Cezar Neves Junior, José Baptista de Almeida Filho Neto, Atanair Nasser Lopes e Ivanir Cesar Ireno Junior.

Inaugurando a divergência parcial, o Juiz Federal Fabio de Souza Silva votou negar provimento ao incidente, propondo a uniformização da seguinte tese: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição", sendo, ao final, acompanhado pelos Juízes Federais Fernanda Hutzler, Marcello Ennes Figueira, Jairo Gilberto Schafer e Polyana Falcão Brito.

Do voto citado (evento 65), destaco o seguinte excerto:

"(...)
A fundamentação do voto da Relatora traduz equilíbrio, técnica e justiça, motivo pelo qual adiro quase integralmente à excelente solução jurídica, capaz de indicar uma interpretação adequada da inovação legislativa trazida pela Lei 13.847/19, que acrescentou o § 5º, no art. 43 da Lei 8.213/91 e dispensa a pessoa com HIV/AIDS aposentada por incapacidade da realização de avalições para a comprovação da manuntenção da incapacidade total e permanente.
Entretanto, apesar de reconhecer a impossibilidade de retroatividade da inovação legislativa, considero que o fato jurídico que marca a aplicabilidade da norma não é a avaliação administrativa, mas a cessação do benefício.
Desse modo, aqueles benefícios em manutenção no momento em que teve início a vigência da Lei 13.847/19, mesmo que em gozo de mensalidades de recuperação (art. 47 da Lei 8213/91), devem ser abrangidos pela pela nova discplina legal.
Não parece razoável limitar a aplicação da nova lei aos casos não avaliados pela Administração. A opção do legislador deve ser sobrepor à decisão administrativa, alcançando todas as prestações em manutenção, sem que isso configure retroação da lei.
Por esse motivo, proponho uma tese apenas parcialmente divergente daquela apresentada pela Relatora: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição"."

Diante do empate verificado, pedi vista para proferir meu voto, nos termos do art. 7º, VII, do RITNU.

É o relatório do essencial. Passo a decidir.

Pedindo vênia à Relatora, encaminho voto no mesmo sentido da divergência.

O ponto central da controvérsia reside em definir o alcance temporal da inovação legislativa trazida pela Lei n. 13.847/19, que acrescentou o § 5º no art. 43 da Lei n. 8.213/91, dispensando os segurados portadores de HIV/AIDS, aposentados por incapacidade, da realização de avaliações para a comprovação da continuidade do estado incapacitante.

Ainda que não se possa conferir retroatividade para normas previdenciárias mais benéficas, em conformidade com o entendimento consolidado pelo STF (RE 415454 , Relator GILMAR MENDES, DJe 6-10-2007), salvo expressa opção efetuada pelo legislador, as leis protetivas devem ser interpretadas de forma harmônica com todo o ordenamento previdenciário.

Como é previsto na Lei de Benefícios, se no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário de contribuição, no período, o salário de benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, não podendo ser inferior ao valor de um salário mínimo (§5º do art. 29 da LBPS). Em relação à mensalidade de recuperação, o art. 173 da IN 77/2015 determina que a mensalidade de recuperação integre o PBC, indicando que a mensalidade de recuperação tem a natureza de benefício por incapacidade:

Art. 173. Por ocasião do requerimento de outro benefício, se o período de que trata o art. 47 da Lei nº 8.213, de 1991 integrar o PBC será considerado como salário de contribuição o salário de benefício que serviu de base para o cálculo da aposentadoria por invalidez, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de um salário mínimo nem superior ao limite máximo do salário de contribuição.

O art. 219 da IN 77/2015 é ainda mais contundente ao prever que, se o segurado receber mensalidade de recuperação, nos termos do art. 47 da Lei 8.213/91, continuará sendo considerado como aposentado por invalidez (atual benefício de aposentadoria por incapacidade permanente). Além de manter a condição de aposentado, se for requerido novo benefício, será necessário que seja exercida opção pelo benefício mais vantajoso. Confira-se:

"Art.219. Durante o período de que trata o art. 218, apesar de o segurado continuar mantendo a condição de aposentado, será permitido voltar ao trabalho sem prejuízo do pagamento da aposentadoria,exceto na situação prevista na alínea "a" do inciso I do art.218.
§ 1º Durante o período de que trata a alínea "b" do inciso Ie na alínea "a" do inciso II, do art. 218, não caberá concessão de novo benefício.
§ 2º Durante o período de que trata as alíneas "b" e "c" doinciso II do art. 218, poderá ser requerido novo benefício, devendo o segurado optar pela concessão do benefício mais vantajoso."

Em suma, mesmo que a revisão administrativa tenha se dado em momento anterior à vigência da Lei 13.847/19, para os segurados que estavam recebendo mensalidade de recuperação quando a norma mais benéfica passou a vigorar, deve ser reconhecido o direito à manutenção do benefício.

Em conclusão, e conforme bem apontado pela divergência, "apesar de reconhecer a impossibilidade de retroatividade da inovação legislativa, considero que o fato jurídico que marca a aplicabilidade da norma não é a avaliação administrativa, mas a cessação do benefício". Com efeito, "aqueles benefícios em manutenção no momento em que teve início a vigência da Lei 13.847/19, mesmo que em gozo de mensalidades de recuperação (art. 47 da Lei 8213/91), devem ser abrangidos pela pela nova disciplina legal".

Ante o exposto, voto por acompanhar a divergência parcial inaugurada pelo Juiz Federal Fabio de Souza Silva para fixar a seguinte tese: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição".


VOTO DIVERGENTE, FÁBIO SOUZA, Juiz Federal
Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) afetado como representativo de controvérsia (tema 266), com o objetivo de responde à seguinte questão jurídica: "saber se a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, aplica-se também aos benefícios que foram revisados antes de sua edição".

A MM Juíza Federal Relatora, Dra. Susana Sbrogio Galia, em brilhante voto, propôs a seguinte tese uniformizadora: "A dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará as avaliações realizadas e os benefícios que foram revisados antes da sua edição".

A fundamentação do voto da Relatora traduz equilíbrio, técnica e justiça, motivo pelo qual adiro quase integralmente à excelente solução jurídica, capaz de indicar uma interpretação adequada da inovação legislativa trazida pela Lei 13.847/19, que acrescentou o § 5º, no art. 43 da Lei 8.213/91 e dispensa a pessoa com HIV/AIDS aposentada por incapacidade da realização de avalições para a comprovação da manuntenção da incapacidade total e permanente.

Entretanto, apesar de reconhecer a impossibilidade de retroatividade da inovação legislativa, considero que o fato jurídico que marca a aplicabilidade da norma não é a avaliação administrativa, mas a cessação do benefício.

Desse modo, aqueles benefícios em manutenção no momento em que teve início a vigência da Lei 13.847/19, mesmo que em gozo de mensalidades de recuperação (art. 47 da Lei 8213/91), devem ser abrangidos pela pela nova discplina legal.

Não parece razoável limitar a aplicação da nova lei aos casos não avaliados pela Administração. A opção do legislador deve ser sobrepor à decisão administrativa, alcançando todas as prestações em manutenção, sem que isso configure retroação da lei.

Por esse motivo, proponho uma tese apenas parcialmente divergente daquela apresentada pela Relatora: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição".

Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao incidente, fixando-se a seguinte tese, como resposta à questão formulada no tema 266: "a dispensa de avaliação a que se refere o art. 43 § 5º da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.847/19, não alcançará os benefícios cessados antes da sua edição".

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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