sexta-feira, 27 de maio de 2022

A recuperação da capacidade que dependa de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 272 com a seguinte redação "A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – TEMA 272. PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AUTOMÁTICA DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE (APOSENTADORIA POR INVALIDEZ) COM FUDAMENTO NA MERA CIRCUNSTÂNCIA DA RECUPERAÇÃO DEPENDER DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NECESSIDADE DE SE AVALIAR A POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E A EXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA E CRÍVEL DA RECUSA AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A leitura do artigo 101 da Lei n.º 8.213/1991 não deixa dúvida de que o segurado em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) não é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico.
2. Todavia, isso não significa a concessão automática da aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), até porque outra exigência para a concessão desde benefício é que o segurado seja considerado insusceptível de reabilitação profissional, nos termos do art. 42 da Lei n.º 8.213/1991.
3. Constatando a perícia médica judicial uma incapacidade total e temporária para o exercício de atividade laboral, aliada à impossibilidade de reabilitação profissional, a aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) deve ser cogitada quando o segurado manifesta, de forma inequívoca e crível, a sua recusa ao procedimento cirúrgico.
4. Tese fixada em Representativo de Controvérsia – Tema 272: “A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional e a manifestação inequívoca do segurado a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico”.
5. Incidente de uniformização conhecido e parcialmente provido.
TNU, PEDILEF 0211995-08.2017.4.02.5151/RJ, Juiz Federal Jairo da Silva Pinto - para acórdão: Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa, 15/02/2022.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, vencidos o relator e os Juízes Federais FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES e HENRIQUE LUIZ HARTMANN, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao incidente de uniformização, nos termos do voto do Juiz Federal GUSTAVO MELO BARBOSA, julgando-o como representativo de controvérsia, fixando a seguinte tese do tema 272: "a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico". Vencidos apenas quanto à tese os Juízes Federais IVANIR CÉSAR IRENO JUNIOR e DAVID WILSON DE ABREU PARDO.

Brasília, 10 de fevereiro de 2022.

RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização interposto pela parte autora, contra acórdão proferido pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que entendeu pela não conversão de benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, com base em perícia médica judicial, que constatou ser temporária a incapacidade e haver possibilidade de recuperação condicionada a novo procedimento cirúrgico.

Pleiteia a recorrente "seja reconhecida a possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez na hipótese de incapacidade temporária condicionada a recuperação para o trabalho à realização de procedimento cirúrgico".

A Turma Nacional de Uniformização, na Sessão Ordinária de 21/08/2020, decidiu, por unanimidade, conhecer do pedido de uniformização interposto pela parte autora, pois demonstradas a similitude fática e a divergência jurídica entre o acórdão recorrido e o julgado paradigma da TNU, indicando o seguinte tema para ser julgado sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia (Tema 272/TNU), nos termos do voto da então juíza relatora TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL, com a seguinte questão controvertida: “saber se a circunstância de o laudo pericial judicial ter registrado a possibilidade de recuperação laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual o segurado não está obrigado a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez”.

Publicado o Edital, o INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP e a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – DPU foram admitidos na condição de amici curiae, ambos apresentando os respectivos memoriais (Evento 36, PET1 e Evento 30, PET2). O INSS também apresentou memoriais (Evento 39, PET1).

É o relatório do essencial.

VOTO
A questão controvertida tem relação direta com o disposto no artigo 101, caput, da Lei nº 8.213/91:

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

Observa-se que o referido artigo deixa evidente a não obrigatoriedade (mas facultatividade) de o segurado incapacitado para o trabalho submeter-se a tratamento cirúrgico (e a transfusão de sangue), do qual dependa a possível ou provável recuperação, ainda que parcial, da capacidade para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

Daí a questão a ser dirimida no presente representativo da controvérsia, Tema 272/TNU:

saber se a circunstância de o laudo pericial judicial ter registrado a possibilidade de recuperação laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual o segurado não está obrigado a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez”.

Penso que a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente).

Como bem apontado pelo INSS, em seus memoriais:

A utilização de presunção de possíveis desvantagens sociais não pode levar à concessão irrestrita de aposentadoria por incapacidade permanente, nos casos de incapacidade com recuperação que dependa de cirurgia não obrigatória.
De certo que o segurado precisa considerar variáveis importantes antes da realização de cirurgia: sua idade, risco cirúrgico, custo financeiro do procedimento (se for o caso), a demora para a realização do procedimento no sistema público de saúde (se for o caso), o período de repouso pós-operatório, dentre outros.
Porém, não há como presumir o acoplamento de desvantagens sociais para lastrear o deferimento automático de aposentadoria por incapacidade permanente no espectro de incidência do tema 272.
..., uma vez que:
◦ Nem todas os procedimentos possuem um risco cirúrgico elevado;
◦ Nem todos os segurados são pessoas com idade avançada;
◦ Nem todos os segurados utilizam os serviços públicos de saúde;
◦ Nem todos os serviços públicos de saúde estão sujeitos a uma demora excessiva;
◦ Nem todos os casos recomendam vastos períodos de repouso pós-operatório.
◦ Entre outros.

Nesse contexto, para a concessão da aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), no caso de a recuperação da capacidade depender de procedimento cirúrgico, necessário analisar as condições pessoais e sociais do segurado, conforme entendimento desta Turma Nacional de Uniformização, veiculado pelo verbete nº 47 de sua Súmula:

Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.

A Turma Recursal não observou esses parâmetros, conforme excerto do julgado recorrido que abaixo colaciono:

Nesse sentido, para que seja deferida a aposentadoria por invalidez requerida pela parte autora, é necessário o reconhecimento de incapacidade total e permanente, o que não restou comprovado nos autos. Ambos os peritos afirmam que a incapacidade da requerente é temporária, ou seja, há possibilidade de retorno à sua atividade habitual, após sua recuperação.
Ademais, faz-se necessário salientar que a requerente tem apenas 49 anos. À vista disso, torna-se ainda mais fática sua possibilidade de recuperação e reinserção no mercado de trabalho.

Nota-se que o julgado combatido apenas se manifestou em relação à idade da autora, mas não analisou as demais condições pessoais e sociais, tais como: escolaridade, contexto social atual, possibilidade de (re)inserção no mercado de trabalho, dentre outras.

Posto isso, voto por dar parcial provimento ao pedido de uniformização, fixando a seguinte tese: “a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário analisar as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula nº 47 da TNU”, determinando o retorno dos autos à Turma Recursal de origem, para que reanalise a questão, nos termos da tese aqui fixada.

VOTO, IVANIR CESAR IRENO JUNIOR, Juiz Federal
1. O caso envolve o tema 272, com a seguinte controvérsia: saber se a circunstância de o laudo pericial judicial ter registrado a possibilidade de recuperação laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual o segurado não está obrigado a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez.

2. O voto do relator, Jairo da Silva Pinto, firmou a tese de que:
“a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário analisar as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula nº 47 da TNU”.

3. O voto do juiz Francisco Glauber Pessoa Alves firmou a seguinte tese:
“1. Nos casos de incapacidade parcial, a circunstância de a recuperação depender de procedimento cirúrgico ou transfusão, para os quais irrelevante a recusa do segurado a tanto submeter-se, não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional e as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula n. 47 da TNU.

2. Nos casos de incapacidade total, a circunstância de a recuperação depender de intervenção cirúrgica associada à recusa do segurado em submeter-se a procedimento cirúrgico ou transfusão de sangue não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional”.

4. O voto do juiz Gustavo Melo Barbosa encaminhou tese nos seguintes termos:
“A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico”.

5. Inobstante os três votos proferidos guardem, na essência, compreensão muito próxima sobre a solução da controvérsia, a tese proposta pelo juiz Gustavo Melo Barbosa parece mais adequada.

6. No entanto, entendo necessário estabelecer algumas premissas importantes sobre a solução proposta, que não consegui identificar nos votos que me antecederam e que tenho como indispensáveis.

7. Antes de começar, peço licença para rememorar alguns conceitos básicos acerca da natureza da incapacidade sob o ângulo previdenciário:

7.1. Quanto ao grau:
(i) parcial: aquela que gera impossibilidade do segurado exercer o seu trabalho ou a sua atividade habitual, permitindo o exercício de outras atividades/profissões;
(ii) total: aquela que gera impossibilidade do segurado exercer qualquer trabalho/atividade que possa garantir a sua manutenção;

7.2. Quanto à duração:
(i) temporária: aquela para a qual se pode esperar recuperação dentro de prazo previsível (ainda que não passível de estimativa definida ou segura);
(ii) permanente ou definitiva: aquela que não tem prognóstico de cessação/recuperação dentro de um prazo previsível, considerados os recursos da terapêutica e reabilitação disponíveis à época.

Registre-se que permanente/definitiva não se confunde com vitalícia (para toda a vida), diante da probabilidade/possibilidade (maior ou menor) de recuperação total ou parcial (que permita, por exemplo, a reabilitação profissional) em algum momento futuro, decorrente de múltiplos fatores, como, por exemplo, novas descobertas da medicina.

8. Na forma do art. 42 da Lei 8.213/91, a incapacidade que autoriza a aposentadoria por invalidez é a total e permanente, insusceptível de reabilitação profissional para o exercício de atividade que possa garantir a subsistência do segurado.

9. No que toca ao grau, para se adequadar à realidade protetiva do direito previdenciário, as definições médica/técnica de total e parcial sofrem influxos jurídicos e casuísticos, sendo o maior exemplo a súmula 47 da TNU: "Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez". Assim, se o caso atrai a incidência da súmula 47, a incapacidade que, a princípio, era parcial, no caso concreto, se torna total, autorizando a aposentadoria por invalidez. Veja-se que não se concede aposentadoria por invalidez diante de um quadro de incapacidade parcial, ferindo a regra acima fixada. A súmula 47 não ousaria pregar isso. Na verdade, no caso concreto, a incapacidade parcial, analisada sob o ângulo multidisciplinar e teleológico, é total.

10. Relembrados esses conceitos, prossigo citando o art. 101 da Lei 8.213/91, que está no centro da controvérisa do tema 272:

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.

11. Como bem firmado pelo juiz Gustavo Melo Barbosa: "A leitura do artigo 101 da Lei n.º 8.213/1991 não deixa dúvida de que o segurado em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) não é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico."

12. E registro, desde já, que essa recusa, por se tratar de direito (inclusive com viés fundamental), não pode ter sua motivação ou legitimidade sindicada pela administração ou pelo Poder Judiciário, para deixar atribuir-lhe o efeito jurídico que lhe é próprio, conforme será visto a seguir. Pensar diferente é relativizar de forma indevida o direito, "dando com uma mão e tirando com a outra".

13. Sob o ângulo previdenciário, a recusa do segurado a se submeter a procedimento cirúrgico, sendo este a única medida apta à recuperação da capacidade, produz o efeito jurídico de tornar a incapacidade temporária em permanente (com todas as características e consequências jurídicas que lhe são próprias, ver itens 7.2 e 8 retro), ou seja, afeta, exclusivamente, a duração da incapacidade. No que toca ao grau, a incapacidade não sofre influxos dessa recusa.

14. Registro que, para gerar efeitos no âmbito processual, essa recusa deve ser expressa e inequívoca, não podendo o juiz presumí-la, uma vez que a regra é que as pessoas/segurados se submetam à cirurgia para recuperar a sua saúde/capacidade. Assim, se o segurado não expressa de forma inequívoca essa recusa no processo, não se aplica o efeito jurído acima, ou seja, a incapacidade continua sendo temporária, uma vez visualizada recuperação no horizonte (a cirurgia).

15. Revisitados conceitos básicos sobre incapacidade e definido o efeito jurídico da recusa à cirurgia, resta responder à pergunta do tema 272. E, no caso, todos os votos caminharam muito bem, ou seja, a mera recusa não conduz, por si só, à concessão da aposentadoria por invalidez. Essa somente poderá ser concedida, como dito acima, se presente (i) incapacidade total e permanente, (ii) inscuscetível de reabilitação profissional e (iii) enquanto permanencer nessa condição. O efeito jurídico da recusa - tornar a incapacidade temporária em definitiva - não preenche todos os requisitos da aposentadoria por invalidez, devendo ser analisado o caso concreto.

16. Peço vênia, no entanto, para sintetizar a minha visão do decidido, inclusive da tese fixa:

(i) somente a incapacidade total e permanente, insuscetível de reabilitação profissional, autoriza a aposentadoria por invalidez;
(ii) a definição judicial da incapacidade quanto ao grau, em parcial ou total, além do resultado do exame técnico, sofre influxos de aspectos casuísticos, como definido, por exemplo, na súmula 47 da TNU;
(iii) o segurado em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) não é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico;
(iv) essa recusa não pode ter sua motivação ou legitimidade sindicada pela administração ou pelo Poder Judiciário, para deixar de atribuir-lhe o efeito jurídico que lhe é próprio, qual seja, tornar a incapacidade temporária em permanente (com as consequências de praxe), quando, é claro, a cirurgia é a única medida apta à recuperação da capacidade;
(v) para gerar efeitos no âmbito processual, essa recusa deve ser expressa e inequívoca, não podendo o juiz presumí-la;
(vi) a recusa, por si só, não autoriza a concessão da aposentadoria por invalidez, que exige mais que incapacidade permanente, sendo necessário avaliar se a incapacidade é total e insusceptível de reabilitação profissional;
(vi) definida a incapacidade como parcial e permanente (tornada assim pela recusa à cirurgia), a hipótese, a princípio, é de reabilitação profissional, quando devem ser observadas as prescrições do tema 177 da TNU, não cabendo aposentadoria por invalidez;
(vii) definida a incapacidade como total (tornada assim, inclusive, pela aplicação da súmula 47 da TNU) e permanente (tornada assim pela recusa à cirurgia), a hipótese, a princípio, é de aposentadoria por invalidez, salvo se demonstrado, no caso concreto, com ônus de argumentação por parte do julgador, que, embora incapacitado de forma permanente para toda e qualquer atividade/profissão, existe possibilidade/previsão de algum grau de recuperação, que torne viável a reabilitação profissional (exercício de outra atividade/profissão).

17. Finalizo acreditando que a melhor tese seria:
"a recusa expressa e inequívoca do segurado a se submeter a intervenção cirúrgica, quando imprescindível para a recuperação da capacidade, não autoriza, por si só, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar no caso concreto a incapacidade total e a inviabilidade de reabilitação profissional."

18. Acho importante que da tese constem a imprescindibilidade da cirurgia para a recuperação da capacidade e os demais requisitos a autorizar a aposentadoria por invalidez. Além do mais, creio desnecessário destacar que a análise da reabilitação profissional verifique as condições pessoais do segurado, o que já é de praxe e está uniformizado na súmula 47 e no tema 177, ambos da TNU.

19. Assim, incorporando o registro das minhas impressões sobre a controvérsia, acompanho, no que interessa, o voto do juiz Gustavo Melo Barbosa, inclusive quando à conclusão, divergindo somente da tese, que proponho a que consta do item 18 retro.

20. Em face do exposto, voto por acompanhar o juiz Gustavo Melo Barbosa e fixar a tese constante do item 18 retro.


VOTO DIVERGENTE, FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, Juiz Federal
Relatório.

Trata-se de Pedido Nacional de Uniformização interposto pela parte autora (Evento 01 – PEDUNIFNAC83) em desfavor da decisão proferida pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (Evento 01 – VOTOTR73) que, mantendo a sentença de 1º grau de jurisdição (Evento 01 – SENT1G63), negou provimento ao pedido de conversão de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, sob o argumento de que a incapacidade seria temporária, na medida em que dependia da realização de tratamento cirúrgico.

A recorrente aponta que a Turma de origem decidiu de maneira oposta ao entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização – TNU no PEDILEF n.º 0033780-42.2009.4.01.3300, no qual se reconheceu que “A lei não obriga a parte a realizar a cirurgia quando esta é a única opção de cura para a incapacidade” e que quando “não há certeza quanto ao êxito no tratamento cirúrgico, (...) é correta a concessão da aposentadoria por invalidez, ante a probabilidade de permanecer a sequela que a incapacita”.

O incidente não foi admitido na origem (Evento 01 – DESPADEC88), sendo interposto agravo (Evento 01 – AGRAVO PU91).

A Presidência da Turma Nacional de Uniformização deu provimento ao agravo e determinou o prosseguimento do incidente, sob o argumento de que “há indícios da divergência suscitada, porquanto o entendimento do acórdão recorrido diverge, em princípio, da posição adotada no aresto acostado como paradigma” (Evento 04).

Na sessão de 21 de agosto de 2020, a TNU, por unanimidade, decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia, definindo o tema controvertido: saber se a circunstância de o laudo pericial judicial ter registrado a possibilidade de recuperação laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual o segurado não está obrigado a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez (Eventos 12 e 13).

Publicado o Edital (Evento 16), a Defensoria Pública da União – DPU e o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP atenderam ao chamado e ingressaram como amici curiae. Destaco, de forma bastante resumida, a ideia central de cada um dos memoriais apresentados.

A Defensoria Pública da União – DPU (Evento 30 – PET2) defende “a tese de que, nos casos como nos autos, quando houver a necessidade de correção do problema diagnosticado, imperante da implantação de benefício de aposentadoria por invalidez, já concedido o auxílio-doença, deva haver valoração na condição do segurado, nos aspectos práticos da sua vida cotidiana e do seu estado social e individual, em dever de ser incorporado definitivamente o referido respectivo benefício ao patrimônio jurídico do segurado, pois eis que seja a melhor interpretação razoável a ser dada”.

Já o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP (Evento 36 – PET1) argumenta que o direito à integridade física garante ao segurado a faculdade de se recusar ao procedimento cirúrgico necessário à recuperação de sua capacidade laborativa. Portanto, se o procedimento cirúrgico é o único meio de reabilitação profissional disponível e for recusado pelo segurado, deve ser concedida a aposentadoria por invalidez / por incapacidade permanente).

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS apresentou memoriais (Evento 39 – PET1) defendendo a posição de que “em se tratando de incapacidade reversível por meio de cirurgia, é totalmente descabido o reconhecimento automático de aposentadoria por incapacidade permanente com base em um suposto contexto de vulnerabilidade social, pois isso implicaria presumir o acoplamento de inúmeras desvantagens sociais que, não necessariamente, retratam a realidade do caso concreto”. Ademais, a possibilidade de sucessivos pedidos de prorrogação do auxílio-doença / benefício por incapacidade temporária já atenderia ao segurado que não desejasse se submeter a procedimento cirúrgico.

O Ministério Publico Federal – MPF apresentou seu parecer, manifestando-se pelo provimento do incidente de uniformização.

Na sessão de julgamento realizada no dia 21 de outubro de 2021, o Douto Relator Juiz Federal Jairo da Silva Pinto firmou a tese de que:

a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário analisar as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula nº 47 da TNU”.

Na sessão de julgamento de 10 de outubro de 2021, o eminente Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa apresentou divergência com a seguinte tese:

A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico”.

Era o que cumpria historiar.

Fundamentação.

O exame de admissibilidade já foi superado na sessão de 21 de agosto de 2020, quando a TNU decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia (Evento 13).

É da Lei n. 8.213/91:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.

Não há obrigação do segurado submeter-se a tratamento cirúrgico ou transfusão de sangue. Isso é para além de qualquer discussão, porque assim o diz a norma, compassada que é com o direito fundamental à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal).

Por sua vez, na letra fria, no que tange à aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), pressupõe-se: a) carência; b) incapacidade; c) insusceptibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência. A recusa à submissão a tratamento cirúrgico ou transfusão seria, por assim dizer, uma condição negativa.

A Súmula n. 47 desta TNU (Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez) sedimentou a possibilidade de aposentadoria por incapacidade permanente nos casos de incapacidade parcial definitiva, observadas as condições pessoais e sociais.

Resgato do eminente relator, perdoada a redundância, que o acórdão de origem “entendeu pela não conversão de benefício de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, com base em perícia médica judicial, que constatou ser temporária a incapacidade e haver possibilidade de recuperação condicionada a novo procedimento cirúrgico”.

A incapacidade pode ser parcial ou total, temporária ou definitiva. O caso concreto é quem dirá. Importa aqui a discussão sobre a incapacidade parcial ou total, e, principalmente, a definitividade dessa incapacidade – já que a temporariedade exclui o direito à aposentadoria por incapacidade permanente. E a solução demanda equacionamento das duas circunstâncias.

Nessa linha, a TNU já se encaminhou recentemente:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA PARCIAL E TEMPORÁRIA ATESTADA PELO PERITO MÉDICO JUDICIAL. SÚMULA 47/TNU. DESNECESSIDADE DO EXAME DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DO SEGURADO NO CASO CONCRETO, DIANTE DA NATUREZA TEMPORÁRIA DA INCAPACIDADE RECONHECIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DA MATÉRIA DE FATO. PRETENSÃO DE DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DESDE A CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA. FIXAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DA INCAPACIDADE PELO ACÓRDÃO RECORRIDO COM BASE NAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. IMPEDIMENTO DE REEXAME DA MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 42/TNU. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (PEDILEF 5001504-39.2018.4.04.7028, RELATORA: JUÍZA FEDERAL POLYANA FALCAO BRITO, J. 28/04/2021)”.

Ali, conforme voto condutor, uma vez reconhecida a existência de incapacidade temporária e parcial,

"não é o caso de investigar as condições pessoais e sociais do recorrente para se decidir sobre o alegado direito à aposentadoria por invalidez, que tem como pressuposto a existência de incapacidade de natureza definitiva (ainda que parcial do ponto de vista estritamente médico)".

Embora não enfrentando o mérito, mas na mesma linha, temos ainda:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CASO CONCRETO EM QUE A PERÍCIA JUDICIAL RECONHECEU INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA, E NÃO APRESENTOU INDICAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NÃO É CASO DE SOBRESTAMENTO PELO TEMA 272 DA TNU, POIS O LAUDO PERICIAL ELABORADO NAQUELES AUTOS APONTOU O TRATAMENTO CIRÚRGICO COMO CONDIÇÃO PARA REAQUISIÇÃO DA CAPACIDADE, ENQUANTO A PERÍCIA MÉDICA REALIZADA NESTE PROCESSO NÃO DETECTOU NECESSIDADE DE CIRURGIA. A ALEGAÇÃO DA PARTE RECORRENTE DE QUE SUA RECUPERAÇÃO DEPENDE DE CIRURGIA É BASEADA EM PERÍCIA PRODUZIDA EM OUTRA DEMANDA JUDICIAL, TRATANDO-SE, PORTANTO, DE PROVA EMPRESTADA. CIRCUNSTÂNCIA QUE AFASTA A SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA COM O PEDILEF 0211995-08.2017.4.02.5151, AFETADO AO TEMA 272 DA TNU. QUESTÃO DE ORDEM 22 DA TNU. ALTERAR O ACÓRDÃO RECORRIDO PARA PRESTIGIAR O RESULTADO DA PERÍCIA ANTERIOR EM DETRIMENTO DAS CONCLUSÕES DA PERÍCIA AQUI REALIZADA DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 42 DA TNU. SOMENTE A INCAPACIDADE LABORATIVA PARCIAL E DEFINITIVA IMPÕE A INVESTIGAÇÃO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS DO SEGURADO PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA TNU. AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A SÚMULA 47 DA TNU. RECURSO DA PARTE AUTORA NÃO CONHECIDO” (PEDILEF 5002604-43.2019.4.04.7109, RELATOR: JUIZ FEDERAL PAULO CEZAR NEVES JUNIOR, J. 12/11/2021).

Inclusive, em doutrina:

O enunciado de Súmula em comento espelha o entendimento cristalizado na TNU, no sentido de que, quando o magistrado reconhecer que há incapacidade parcial para o trabalho, deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado 73, a fim de averiguar se é o caso de concessão de aposentadoria por invalidez em vez do auxílio-doença, que seria o caminho normal nesses casos” (Conselho da Justiça Federal (Brasil). Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Comentários às súmulas da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais / Conselho da Justiça Federal, Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais ; coordenador: Frederico Augusto Leopoldino Koehler ; [autores] Alcides Saldanha Lima ... [et al.]. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2016, p. 242-243).

Assim, quando a incapacidade for parcial e definitiva, conquanto suscetível de resolução por procedimento cirúrgico, a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente pressupõe: a) carência; b) incapacidade; c) insusceptibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência; d) análise das condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez (Súmula n. 47 desta TNU).

De se observar que a recusa ao procedimento cirúrgico pode ser irrelevante se as condições pessoais e sociais do segurado permitirem concluir que a incapacidade parcial pode ensejar a aposentadoria por incapacidade permanente.

Isso porque a definitividade da incapacidade parcial (diferentemente da total) como fator permissivo da aposentadoria por incapacidade permanente não se calca exclusivamente na análise médica mas, sim, numa construção eminentemente jurídica. É que, embora parcial, ela se torna, por assim dizer, total, quando conjugada às condições pessoais e sociais – um conceito jurídico que se sobrepõe ao clínico.

Havendo recusa ao procedimento cirúrgico ou não, preenchidos os demais requisitos nucleares já referidos, fará jus o segurado à aposentadoria por invalidez. A recusa é, no caso da incapacidade parcial, irrelevante, justamente porque a condição necessária diferenciada há tempos é a dada pela Súmula n. 47 desta TNU. Não há lógica ou coerência em se autorizar a aposentadoria por incapacidade permanente por uma incapacidade parcial (conceito jurídico) e ainda exigir-se a recusa à submissão a procedimento cirúrgico ou transfusão (que pressupõem análise exclusivamente médico-pericial).

Afigura-se essa, a meu ver, a necessária harmonização da Súmula n. 47 desta TNU com o direito fundamental à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal) e à cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (art. 201, I da Constituição Federal).

A douta divergência, por sua vez, partiu de premissa aparentemente distinta, porque, em princípio, só enfrentou a matéria sob a ótica da incapacidade total. E pode não ser esse o caso, de incapacidade total (= e, sim, como adiantado, de incapacidade parcial) e, da mesma forma, ensejar-se aposentadoria por incapacidade permanente independente de recusa a procedimento cirúrgico, como adiantado.

De fato, para a incapacidade total, mas suscetível de resolução por procedimento cirúrgico, a concessão da aposentadoria por incapacidade permanente pressupõe: a) carência; b) incapacidade; c) insusceptibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência; d) recusa ao procedimento cirúrgico.

Não se cogita da Súmula n. 47 da TNU nas circunstâncias de incapacidade total, portanto. E nisso está, igualmente, absolutamente correta a divergência. Se é incapacidade total e definitiva, reversível mediante procedimento cirúrgico ou transfusão, assume especial relevo jurídico a recusa do segurado, sendo irrelevantes as condições pessoais e sociais a que alude a Súmula n. 47 da TNU.

Já se intui a distinção entre a solução para o caso de incapacidade parcial ou total, definitivas, reversíveis ou não por procedimentos cirúrgicos. Só na total há estrita necessidade da recusa ao procedimento cirúrgico, porque na parcial a aposentadoria por incapacidade permanente pode ser concedida pela só incidência do contexto da Súmula n. 47 deste Colegiado associada ao preenchimento dos demais requisitos (carência; insusceptibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que garanta a subsistência).

Um outro aspecto que me preocupa é a proposta da divergência quanto a uma especial qualificação da recusa: “ser real e, a depender do caso concreto, crível aos olhos das instâncias ordinárias, a quem incumbe a análise do acervo probatório”.

Acredito que não se pode levar isso ao extremo de qualificação (inequívoca), porque de fato assim não o diz a norma. Nem poderia. Não há ensejo para supor que, no grosso das situações, as pessoas deixarão de buscar, propositalmente, a resolução da situação de saúde por vontade própria. Exceções poderão existir, mas confirmam a regra (= boa fé, que se presume). Creio que a recusa pode se dar na inicial, em réplica à contestação, em audiência, em petição avulsa, por simples declaração oral/escrita ou mesmo junto à perícia médica judicial. Até mesmo no momento da cirurgia, que é algo extraprocessual, se realizada após o fim da tramitação jurídica. Exigir inequivocidade sem dar-lhe o exato contorno é burocratizar algo que a norma não faz.

Penso, dessa forma e com todas as vênias, que a tese deve compreender tais premissas. E, embora seja partidário de proposições enxutas e fáceis de serem aplicadas, o caso parece não comportar outra solução que não o desdobramento.

Proponho, assim:

1. Nos casos de incapacidade parcial, a circunstância de a recuperação depender de procedimento cirúrgico ou transfusão, para os quais irrelevante a recusa do segurado a tanto submeter-se, não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional e as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula n. 47 da TNU.

2. Nos casos de incapacidade total, a circunstância de a recuperação depender de intervenção cirúrgica associada à recusa do segurado em submeter-se a procedimento cirúrgico ou transfusão de sangue não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional”.

Dispositivo.

Assim, voto por CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao incidente de uniformização, devolvendo os autos à origem para adequação à tese (QO n. 20 da TNU).


VOTO-VISTA, GUSTAVO MELO BARBOSA, Juiz Federal
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – TEMA 272. PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AUTOMÁTICA DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE (APOSENTADORIA POR INVALIDEZ) COM FUDAMENTO NA MERA CIRCUNSTÂNCIA DA RECUPERAÇÃO DEPENDER DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NECESSIDADE DE SE AVALIAR A POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E A EXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA E CRÍVEL DA RECUSA AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A leitura do artigo 101 da Lei n.º 8.213/1991 não deixa dúvida de que o segurado em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) não é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico.
2. Todavia, isso não significa a concessão automática da aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), até porque outra exigência para a concessão desde benefício é que o segurado seja considerado insusceptível de reabilitação profissional, nos termos do art. 42 da Lei n.º 8.213/1991.
3. Constatando a perícia médica judicial uma incapacidade total e temporária para o exercício de atividade laboral, aliada à impossibilidade de reabilitação profissional, a aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) deve ser cogitada quando o segurado manifesta, de forma inequívoca e crível, a sua recusa ao procedimento cirúrgico.
4. Tese fixada em Representativo de Controvérsia – Tema 272: “A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional e a manifestação inequívoca do segurado a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico”.
5. Incidente de uniformização conhecido e parcialmente provido.

RELATÓRIO
Trata-se de Pedido Nacional de Uniformização interposto pela parte autora (Evento 01 – PEDUNIFNAC83) em desfavor da decisão proferida pela 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (Evento 01 – VOTOTR73) que, mantendo a sentença de 1º grau de jurisdição (Evento 01 – SENT1G63), negou provimento ao pedido de conversão de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, sob o argumento de que a incapacidade seria temporária, na medida em que dependia da realização de tratamento cirúrgico.

A recorrente aponta que a Turma de origem decidiu de maneira oposta ao entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização – TNU no PEDILEF n.º 0033780-42.2009.4.01.3300, no qual se reconheceu que “A lei não obriga a parte a realizar a cirurgia quando esta é a única opção de cura para a incapacidade” e que quando “não há certeza quanto ao êxito no tratamento cirúrgico, (...) é correta a concessão da aposentadoria por invalidez, ante a probabilidade de permanecer a sequela que a incapacita”.

O incidente não foi admitido na origem (Evento 01 – DESPADEC88), sendo interposto agravo (Evento 01 – AGRAVO PU91).

A Presidência da Turma Nacional de Uniformização deu provimento ao agravo e determinou o prosseguimento do incidente, sob o argumento de que “há indícios da divergência suscitada, porquanto o entendimento do acórdão recorrido diverge, em princípio, da posição adotada no aresto acostado como paradigma” (Evento 04).

Na sessão de 21 de agosto de 2020, a TNU, por unanimidade, decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia, definindo o tema controvertido: saber se a circunstância de o laudo pericial judicial ter registrado a possibilidade de recuperação laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual o segurado não está obrigado a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez (Eventos 12 e 13).

Publicado o Edital (Evento 16), a Defensoria Pública da União – DPU e o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP atenderam ao chamado e ingressaram como amici curiae. Destaco, de forma bastante resumida, a ideia central de cada um dos memoriais apresentados.

A Defensoria Pública da União – DPU (Evento 30 – PET2) defende “a tese de que, nos casos como nos autos, quando houver a necessidade de correção do problema diagnosticado, imperante da implantação de benefício de aposentadoria por invalidez, já concedido o auxílio-doença, deva haver valoração na condição do segurado, nos aspectos práticos da sua vida cotidiana e do seu estado social e individual, em dever de ser incorporado definitivamente o referido respectivo benefício ao patrimônio jurídico do segurado, pois eis que seja a melhor interpretação razoável a ser dada”.

Já o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP (Evento 36 – PET1) argumenta que o direito à integridade física garante ao segurado a faculdade de se recusar ao procedimento cirúrgico necessário à recuperação de sua capacidade laborativa. Portanto, se o procedimento cirúrgico é o único meio de reabilitação profissional disponível e for recusado pelo segurado, deve ser concedida a aposentadoria por invalidez / por incapacidade permanente).

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS apresentou memoriais (Evento 39 – PET1) defendendo a posição de que “em se tratando de incapacidade reversível por meio de cirurgia, é totalmente descabido o reconhecimento automático de aposentadoria por incapacidade permanente com base em um suposto contexto de vulnerabilidade social, pois isso implicaria presumir o acoplamento de inúmeras desvantagens sociais que, não necessariamente, retratam a realidade do caso concreto”. Ademais, a possibilidade de sucessivos pedidos de prorrogação do auxílio-doença / benefício por incapacidade temporária já atenderia ao segurado que não desejasse se submeter a procedimento cirúrgico.

O Ministério Publico Federal – MPF apresentou seu parecer, manifestando-se pelo provimento do incidente de uniformização.

Na sessão de julgamento realizada no dia 21 de outubro de 2021, o Douto Relator Juiz Federal Jairo da Silva Pinto firmou a tese de que “a circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário analisar as condições pessoais e sociais do segurado, nos termos da Súmula nº 47 da TNU”.

Pedi vista para melhor análise do caso.

É o breve relatório.

VOTO
O exame de admissibilidade já foi superado na sessão de 21 de agosto de 2020, quando a TNU decidiu afetar o caso como representativo de controvérsia (Evento 13).

Muito bem!

O cerne da questão diz respeito àqueles casos em que a perícia médica judicial constata que a recuperação laborativa do segurado depende da realização de procedimento cirúrgico. Nestas hipóteses, estaria autorizada a concessão de aposentadoria por invalidez / por incapacidade permanente?

Eis o teor do art. 101 da Lei n.º 8.213/1991:

Art. 101. O segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido estão obrigados, sob pena de suspensão do benefício, a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos.

A leitura do artigo não deixa dúvida de que o segurado em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) não é obrigado a se submeter a procedimento cirúrgico.

Mas isso não significa a concessão automática da aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), até porque outra exigência para a concessão desde benefício é que o segurado seja considerado insusceptível de reabilitação profissional, nos termos do art. 42 da Lei n.º 8.213/1991:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Portanto, a partir da constatação, mediante laudo médico pericial, de que a recuperação da capacidade laborativa do segurado depende de procedimento cirúrgico, mais de um caminho possível é descortinado.

O primeiro deles é aquele que autoriza a concessão / manutenção do benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) quando o segurado não manifesta a sua recusa em se submeter ao procedimento cirúrgico, sendo ainda observado o entendimento firmado no Pedido de Uniformização n.º 0500774-49.2016.4.05.8305, julgado em 19/04/2018, no Tema 164 dos Representativos de Controvérsia:

Tema 164 da TNU:

a) os benefícios de auxílio-doença concedidos judicial ou administrativamente, sem Data de Cessação de Benefício (DCB), ainda que anteriormente à edição da MP nº 739/2016, podem ser objeto de revisão administrativa, na forma e prazos previstos em lei e demais normas que regulamentam a matéria, por meio de prévia convocação dos segurados pelo INSS, para avaliar se persistem os motivos de concessão do benefício;

b) os benefícios concedidos, reativados ou prorrogados posteriormente à publicação da MP nº 767/2017, convertida na Lei n.º 13.457/17, devem, nos termos da lei, ter a sua DCB fixada, sendo desnecessária, nesses casos, a realização de nova perícia para a cessação do benefício;

c) em qualquer caso, o segurado poderá pedir a prorrogação do benefício, com garantia de pagamento até a realização da perícia médica”.

Seguindo adiante, se a prova colacionada aos autos indicar a possibilidade de reabilitação profissional para atividade compatível com sua limitação laboral, deve ser deferido ao segurado o benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), podendo ainda ser encaminhado à reabilitação, observado o disposto no Tema 177 da TNU:

Tema 177 da TNU:
1. Constatada a existência de incapacidade parcial e permanente, não sendo o caso de aplicação da Súmula 47 da TNU, a decisão judicial poderá determinar o encaminhamento do segurado para análise administrativa de elegibilidade à reabilitação profissional, sendo inviável a condenação prévia à concessão de aposentadoria por invalidez condicionada ao insucesso da reabilitação;
2. A análise administrativa da elegibilidade à reabilitação profissional deverá adotar como premissa a conclusão da decisão judicial sobre a existência de incapacidade parcial e permanente, ressalvada a possibilidade de constatação de modificação das circunstâncias fáticas após a sentença.

Constatando a perícia médica judicial uma incapacidade total e temporária para o exercício de atividade laboral, aliada à impossibilidade de reabilitação profissional, a aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) deve ser cogitada quando o segurado manifesta, de forma inequívoca, a sua recusa ao procedimento cirúrgico.

Em outras palavras, esse argumento não pode ser simplesmente alegado como tese abstrata de defesa. A recusa deve ser real e, a depender do caso concreto, crível aos olhos das instâncias ordinárias, a quem incumbe a análise do acervo probatório. É a recusa ao procedimento cirúrgico que torna uma incapacidade clinicamente definida como temporária em permanente.

Diante destas considerações, tenho como solucionada a controvérsia e fixo a tese de que “A circunstância de a recuperação da capacidade depender de intervenção cirúrgica não autoriza, automaticamente, a concessão de aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente), sendo necessário verificar a inviabilidade de reabilitação profissional, consideradas as condições pessoais do segurado, e a sua manifestação inequívoca a respeito da recusa ao procedimento cirúrgico” (Tema 272 dos Representativos de Controvérsia da TNU).

Ante o exposto, voto por CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao incidente de uniformização, devolvendo os autos à origem para adequação à tese.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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