Aviso prévio indenizado é válido como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria.
Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 250 com a seguinte redação "O período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA Nº 250. CÔMPUTO DO PERÍODO DE AVISO PRÉVIO INDENIZADO COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE.
1. Tese jurídica firmada: "O período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
2. Determinada a devolução dos autos à Turma Recursal de origem para adequação do julgado.
3. Pedido de Uniformização provido.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0515850-48.2018.4.05.8013/AL, relatora juíza federal Susana Sbrogio Galia, 26/02/2021.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, vencida a Juíza Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER, DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO, nos termos do voto da Juíza Relatora, fixando a seguinte tese jurídica: "O período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria". Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 250).
Brasília, 25 de fevereiro de 2021.
RELATÓRIO
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - TEMA 250 - Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria.
Trata-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei interposto por ERIBERTO DA SILVA XAVIER, com fulcro no artigo 14, §2º, da Lei 10.259/01, em face de acórdão prolatado pela Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, que negou provimento ao recurso da parte demandante, deixando de reconhecer como tempo de contribuição o período de aviso prévio indenizado.
Nas razões de recurso, a parte recorrente alega que o entendimento da Turma Recursal de origem diverge do posicionamento adotado por esta Turma Nacional de Uniformização (TNU), no PEDILEF n. 5076345-22.2014.4.04.7100/RS, no sentido de que o cômputo do aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários. Aduz que, comprovada a divergência, deve ser conhecido e provido o presente Pedido de Uniformização para impor a anulação da sentença e do acórdão, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para fins de adequação à tese uniformizada.
Intimada, a parte adversa não apresentou contrarrazões.
O incidente foi admitido na origem e pela Presidência desta TNU.
Em sessão ordinária realizada em 12/03/2020, o pedido de uniformização foi admitido por este colegiado, como representativo de controvérsia sob o Tema 250, cuja questão controvertida envolve: "Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
Diante da afetação como representativo de controvérsia, foi seguida a tramitação regimental estabelecida, com publicação de Edital destinado aos terceiros interessados e intimação do Ministério Público Federal.
Em sequência, foi deferida a admissão do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP e da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU na figura de amicus curiae (eventos 25 e 34), nos termos do art. 138 do CPC.
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP opinou “pela uniformização do entendimento no sentido do acórdão recorrido, que está de acordo com a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça firmada no Recurso Repetitivo n. 1230957/RS e com o art. 201, §14, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n. 103/2019, de que o período de aviso prévio indenizado não pode ser computado como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria e, consequentemente, pelo não provimento do pedido formulado pelo Requerente no Pedido de Uniformização” (evento 30).
Por sua vez, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU apresentou memoriais opinando pela uniformização do entendimento no sentido de “admitir o período de aviso prévio indenizado como válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria” (evento 17).
Por fim, o Ministério Público Federal apresentou parecer pelo provimento do Pedido de Uniformização.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, observo que as questões relativas à admissibilidade e similitude fática e jurídica restaram superadas em face da decisão colegiada vinculada ao evento 12.
Quanto à questão controvertida, esta foi assim definida: "Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
No tocante à referida controvérsia, importa mencionar que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendimento pacificado no sentido de que o período de projeção do contrato de trabalho em razão do aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço do empregado para todos os efeitos legais, conforme disposição do art. 487, §1º, da CLT:
Art. 487
§ 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.
Em face disso, a Orientação Jurisprudencial nº 82 da SDI-1 do TST dispõe que “A data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado.”.
Este Colegiado já teve oportunidade de se manifestar quanto ao tema sub judice, reconhecendo, ainda em 2002, o direito ao cômputo do período de aviso prévio indenizado para fins previdenciários. Confira-se o teor do precedente:
Previdenciário. Pensão. Projeção Aviso Prévio. Falecimento de Segurado dentro do período de Graça. 1.É cabível a projeção de aviso prévio, ainda que indenizado, para fins de manutenção da qualidade de segurado, reputando-se efetiva a rescisão do contrato, somente depois de expirado o marco desse instituto. 2.Para fins de cálculo do período de graça a que faz juz o segurado, o Aviso Prévio integra o tempo de serviço. 3.Falecimento de trabalhador dentro de período de graça, considerando ainda os arts. 15, II e § 2º da Lei nº 8.213/91 e art. 14 do Dec. 3.348/99. 4.Recurso conhecido e improvido.Vistos e relatados estes Autos, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Juízes da Egrégia Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Amazonas e Roraima, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, na conformidade do voto do (a) Relator (a). Além do (a) signatário (a), participaram do julgamento as Excelentíssimas Senhoras Doutoras JAIZA MARIA PINTO FRAXE e MARIA LÚCIA GOMES DE SOUZA. (PEDILEF 200232007002245, JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA - Turma Nacional de Uniformização, DJAM 12/09/2002). (grifei)
Em julgamento mais recente, datado de 2018, esta TNU, no PEDILEF n. 5076345-22.2014.4.04.7100/RS, manteve o entendimento no sentido de que o aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço, in verbis:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. PREVIDENCIÁRIO. QUALIDADE DE SEGURADO. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. PERÍODO DE GRAÇA. CONTAGEM A PARTIR O TÉRMINO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO. PROVIMENTO. 1. Uniformização do entendimento de que o período de aviso prévio que foi indenizado deve ser projetado como de manutenção da qualidade de segurado empregado, de modo que o período de graça inicie apenas após o término dessa projeção. 2. Incidente de uniformização provido.(PEDILEF 5076345-22.2014.4.04.7100/RS, JUÍZA FEDERAL CARMEN ELIZANGELA DIAS MOREIRA DE RESENDE - Turma Nacional de Uniformização, data do Julgamento: 21/06/2018). (grifei)
Tal entendimento deve ser reafirmado.
Com efeito, a indenização é uma forma de antecipar os efeitos da cessação do trabalho, mas não do vínculo em si. Tanto é assim que o fim do vínculo na CTPS é registrado na data do término do aviso prévio, em atenção ao disposto no art. 487, §1º, da CLT, conforme já mencionado.
Não se desconhece o entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, acerca da impossibilidade de incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado (REsp 1230957/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 18/03/2014).
Ocorre que a não incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado não afasta a possibilidade de contagem do tempo para fins previdenciários, pois o trabalhador teria o direito de manter o vínculo empregatício até o final do período de aviso prévio, não podendo ser prejudicado diante da escolha do empregador pela indenização daquele interregno.
Outrossim, na fundamentação do voto condutor do REsp 1230957/RS, o E. Ministro Relator ratifica que, ainda que possua o aviso prévio indenizado caráter indenizatório de modo a sobre esta verba não incidir contribuição previdenciária - porque não corresponde à contraprestação por serviço ou tempo à disposição do empregador -, permanece integrando o tempo de serviço do segurado. Leia-se:
A despeito dessa moldura legislativa, as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador, não ensejam a incidência de contribuição previdenciária.
A CLT estabelece que, em se tratando de contrato de trabalho por prazo indeterminado, a parte que, sem justo motivo, quiser a sua rescisão, deverá comunicar a outra a sua intenção com a devida antecedência.
Não concedido o aviso prévio pelo empregador, nasce para o empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço (art. 487, § 1º, da CLT). (sem grifos no original)
Para além da natureza indenizatória, o aviso prévio constitui direito constitucional (art. 7º-XXI, CF) e instrumento de justiça social, garantindo ao trabalhador ciência acerca do rompimento unilateral e imotivado da relação de emprego e, assim, assegurando previsibilidade à situação de desemprego que advirá. Extrai-se da fundamentalidade deste direito social sua dúplice natureza - indenizatória e prospectiva do trabalho que poderia ser realizado até a solução de continuidade do vínculo empregatício. Contudo, o caráter dual deste direito não se alterna pelo fato de se apresentar sob a forma ora indenizada, ora salarial, quando remunerar o trabalhador durante o período de aviso prévio.
Inserido no elenco dos diretos sociais de proteção do trabalhador, mesmo sob a forma indenizada, reveste-se dos atributos da sua inerente fundamentalidade, mantendo relação intercausal e reflexiva com outros direitos sociais, quais sejam, os direitos previdenciários. É que os direitos sociais - direitos fundamentais de segunda geração - emanam do ideal de igualdade, admitindo ponderação em concreto e concretização segundo as diretrizes constitucionais, no intento de redução das desigualdades sociais.
Por isso, não haveria sentido em assegurar, por uma via, a proteção social do trabalhador contra a duração indefinida do vínculo laboral, e, por outra, suprimir-lhe a mesma proteção no âmbito previdenciário. Não por outro motivo, a legislação trabalhista, nos moldes do já citado artigo 487, §1º, da CLT, prevê compensação salarial no interregno do aviso prévio ao passo que garante a integração deste período ao tempo de serviço do trabalhador.
E não se identifica óbice ou eventual contradição contemplar a natureza compensatória do aviso prévio indenizado para fins de afastar a incidência de contribuição previdenciária, em observância à jurisprudência pacificada do Eg. STJ, e aplicar a legislação trabalhista, em sentido conforme a Constituição Federal.
Importante mencionar que a legislação previdenciária não vincula o cômputo de tempo para aposentadoria ao obrigatório recolhimento de contribuições em outras hipóteses legalmente previstas. Cita-se, a título de exemplo, o disposto no § 2º, do art. 55, da Lei 8.213/91, quanto ao tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, exceto para fins de carência; e, do mesmo artigo da Lei de Benefícios da Previdência Social (art. 55), o respectivo inciso II, que oportuniza a contagem do tempo intercalado em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Neste contexto, permite-se inferir que, uma vez reconhecida a especial conexão dos direitos sociais, com cerne na fundamentalidade comum, a feição protetiva, aqui debatida, torna possível considerar o interregno indenizado para todos os fins previdenciários, interpretando o artigo 487, §1º, da CLT, conforme a Constituição Federal.
Para tanto, distingue-se quando o tempo - considerado em lei como tempo de contribuição para fins de concessão de aposentadoria, sem que tenha havido a prestação de serviço ou a correspondente contribuição - não decorre da vontade do trabalhador, que talvez preferisse seguir laborando até o término da relação contratual, mas, por vontade unilateral do empregador, não volta a trabalhar e recebe compensação pecuniária.
O tempo de serviço prestado nas condições mencionadas retro diferencia-se da acepção de tempo ficto para fins de impor o óbice do §14 do art. 201 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 103/19, uma vez que, nos termos do art. 487, §1º, da CLT, este período deve ser integrado ao tempo de contribuição do trabalhador, encontrando-se em situação distinta com relação aos interregnos em que o trabalhador pode optar entre o labor ou a dispensa deste. Insere-se, deste modo, no âmbito das restritas exceções, antes referidas, quanto ao cômputo de tempo de serviço independentemente da efetiva contraprestação contributiva pelo integral lapso temporal equivalente.
E interpretar de outra forma implicaria o risco de retrocesso social, de acordo com o magistério de Ingo Wolfgang Sarlet, o que deve ser evitado para assegurar "a manutenção dos níveis gerais de proteção social alcançados no âmbito do Estado Social, já que esta problemática abrange toda e qualquer forma de redução das conquistas sociais", inclusive no que se refere a normas programáticas de efeitos prospectivos e reformas constitucionais (Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13. ed. rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, pp. 454-457):
"Nesse contexto, poder-se-ia indagar a respeito da possibilidade de desmontar-se, parcial ou totalmente (e mesmo com efeitos prospectivos), o sistema de seguridade social (incluindo os parcos benefícios no âmbito da assistência social e os serviços e prestações assegurados no âmbito do nosso precário Sistema Único de Saúde), o acesso ao ensino público e gratuito, a flexibilização dos direitos e garantias dos trabalhadores, entre tantas outras hipóteses que aqui poderiam ser referidas a título ilustrativo e que bem demonstra o quanto tal problemática nos é próxima e está constantemente na ordem do dia." (Ibidem, p. 456)
Feitas as ponderações pertinentes, cumpre ser reafirmado o entendimento de que o período de aviso prévio indenizado constitui tempo de serviço em favor do segurado, ainda que não haja incidência de contribuições previdenciárias, uma vez que a sua ocorrência não decorreu de escolha do empregado, que não pode ser prejudicado pela opção do empregador.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao presente Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, processado como representativo de controvérsia - Tema 250 -, firmando a seguinte tese: "O período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
Em relação ao caso concreto submetido a julgamento, determina-se a devolução dos autos à Turma Recursal de origem, para adequação do julgado ao entendimento acima firmado.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI.
VOTO-VISTA juiz federal Jairo Gilberto Schafer
Pedi vista dos autos com o objetivo de melhor refletir acerca dos pontos controvertidos discutidos no presente incidente de uniformização e, após análise, concluo no mesmo sentido da Relatora, razão pela qual acompanho integralmente o seu voto, mormente considerando que, ao decidir sobre a incidência ou não da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado, o STJ ratificou a garantia da integração desse período no tempo de serviço do segurado, conforme artigo 487, §1º da CLT, in verbis:
[...] A despeito dessa moldura legislativa, as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador, não ensejam a incidência de contribuição previdenciária. A CLT estabelece que, em se tratando de contrato de trabalho por prazo indeterminado, a parte que, sem justo motivo, quiser a sua rescisão, deverá comunicar a outra a sua intenção com a devida antecedência. Não concedido o aviso prévio pelo empregador, nasce para o empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço (art. 487, § 1º, da CLT) [...] (REsp n.º 1.230.957/RS, rel. Min. Maruo Campbell Marques, j. 26/2/2014)
Ante o exposto, voto por dar provimento ao incidente, nos termos do voto da Relatora.
VOTO DIVERGENTE juíza federal Fernanda Souza Hutzler
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - TEMA 250 - Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria.
Trata-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei interposto por ERIBERTO DA SILVA XAVIER, com fulcro no artigo 14, §2º, da Lei 10.259/01, em face de acórdão prolatado pela Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, que negou provimento ao recurso da demandante, mantendo a sentença, que não reconheceu como tempo de contribuição o período de aviso prévio indenizado.
Nas razões de recurso, a parte recorrente alega que o entendimento da Turma Recursal de origem diverge do posicionamento adotado por esta Turma Nacional de Uniformização (TNU), no PEDILEF n. 5076345-22.2014.4.04.7100/RS, no sentido de que o cômputo do aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários. Aduz que, comprovada a divergência, deve ser conhecido e provido o presente Pedido de Uniformização para impor a anulação da sentença e do acórdão, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para fins de adequação à tese uniformizada.
Intimada, a parte adversa não apresentou contrarrazões.
O incidente foi admitido na origem e pela Presidência desta TNU.
Em sessão ordinária realizada em 12/03/2020, o pedido de uniformização foi admitido por este colegiado, como representativo de controvérsia sob o Tema 250, cuja questão controvertida envolve: "Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
Diante da afetação como representativo de controvérsia, foi seguida a tramitação regimental estabelecida, com publicação de Edital destinado aos terceiros interessados e intimação do Ministério Público Federal.
Em sequência, foi deferida a admissão do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP e da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU na figura de amicus curiae (eventos 25 e 34), nos termos do art. 138 do CPC.
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP opinou “pela uniformização do entendimento no sentido do acórdão recorrido, que está de acordo com a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça firmada no Recurso Repetitivo n. 1230957/RS e com o art. 201, §14, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n. 103/2019, de que o período de aviso prévio indenizado não pode ser computado como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria e, consequentemente, pelo não provimento do pedido formulado pelo Requerente no Pedido de Uniformização” (evento 30).
Por sua vez, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU apresentou memoriais opinando pela uniformização do entendimento no sentido de “admitir o período de aviso prévio indenizado como válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria” (evento 17).
Por fim, o Ministério Público Federal apresentou parecer pelo provimento do Pedido de Uniformização.
É o relatório.
VOTO
Apesar do brilhantismo exposto no voto da Relatora, peço vênia para apresentar voto divergente, nos seguintes termos:
Inicialmente, observo que as questões relativas à admissibilidade e similitude fática e jurídica restaram superadas em face da decisão colegiada vinculada ao evento 12.
Quanto à questão controvertida, esta restou assim definida: "Saber se o período de aviso prévio indenizado é válido para todos os fins previdenciários, inclusive como tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria".
Pois bem.
No tocante à referida controvérsia, importa mencionar que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendimento pacificado no sentido de que o período de projeção do contrato de trabalho em razão do aviso prévio indenizado integra o tempo de serviço do empregado para todos os efeitos legais, conforme disposição do art. 487, §1º, da CLT:
Art. 487, § 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.
Assim, a CLT estabelece que, em não sendo concedido o aviso prévio trabalhado pelo empregador, nasce para o empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida apenas a integração desse período no seu tempo de serviço (art. 487, § 1º, da CLT), porém, sem o efetivo exercício do labor, ou seja, o aviso prévio indenizado.
O aviso prévio constitui direito constitucional (art. 7º, XXI, CF) e instrumento de justiça social, garantindo ao trabalhador ciência acerca do rompimento unilateral e imotivado da relação de emprego e, assim, assegurando previsibilidade à situação de desemprego que advirá. Extrai-se da fundamentalidade deste direito social sua dúplice natureza - indenizatória e prospectiva do trabalho que poderia ser realizado até a solução de continuidade do vínculo empregatício.
Assim, de plano, deve-se fazer a devida distinção entre o aviso prévio trabalhado e o aviso prévio indenizado, para fins previdenciários.
O aviso prévio trabalhado possui natureza salarial, na medida em que se trata de verba destinada a retribuir o trabalho, razão pela qual integra o salário de contribuição. Diferentemente, em se tratando de aviso prévio indenizado, não possui natureza salarial pois não corresponde aos serviços prestados nem ao tempo à disposição do empregador, mas sim possui natureza indenizatória, pois almeja reparar o dano causado ao trabalhador que não fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a antecedência mínima estipulada na Constituição Federal, razão pela qual, sobre tal verba não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa).
Em respeito a essa moldura legislativa, as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador, não ensejam a incidência de contribuição previdenciária.
Tal distinção se coaduna integralmente ao entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 478), firmando a seguinte tese: "Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial", afastando o caráter remuneratório do aviso prévio indenizado e a impossibilidade, por isso mesmo, da incidência da contribuição previdenciária. (REsp 1.230.957/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 18/03/2014).
Na fundamentação do voto condutor do REsp 1.230.957/RS, o E. Ministro Relator conclui que, o aviso prévio indenizado, por possuir caráter indenizatório, sobre esta verba não incidir contribuição previdenciária - porque não corresponder à contraprestação por serviço ou tempo à disposição do empregador.
Nos termos do art. 28, § 9º, da Lei 8.212/91, não integram o salário de contribuição, as verbas de natureza indenizatória, ou seja, àquelas que não são destinadas a retribuir os serviços prestados nem o tempo à disposição do empregador, isto é, àquelas que não possuem natureza remuneratória.
Assim, no que tange à pretensão de inclusão do período referente ao aviso prévio indenizado no tempo de contribuição, eis que, em que pese a CLT considerar tal período como tempo de serviço, não deve este ser computado para fins previdenciários, pois se trata de verba meramente indenizatória, sobre a qual não incide contribuição previdenciária.
Como se sabe, o direito previdenciário possui caráter contributivo e solidário, de acordo com os princípios constitucionais da prévia fonte de custeio (também chamado da regra da contrapartida) previsto no art. 195, § 5º, da Constituição Federal e do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, previsto no art. 201 da Constituição Federal, o que significa que deve haver uma correspondência entre as receitas destinadas à seguridade social e as despesas com o seu custeio, para garantir a higidez econômica do sistema previdenciário, evitando que se torne deficitário, isto é, não gaste mais no pagamento dos benefícios e serviços da seguridade social do que no valor que é arrecadado para o seu custeio.
Assim, no caso em questão, se não há arrecadação através do pagamento do aviso prévio indenizado (pois, como dito, sobre ele não incide contribuição previdenciária), não há como considerá-lo como tempo de contribuição, sob pena de se ferir os princípios constitucionais supracitados.
Portanto, tratando-se o aviso prévio indenizado de clara verba de natureza indenizatória, visto que o empregado não presta nenhum serviço ao empregador nem tampouco fica à sua disposição, não há como considera-lo como tempo de contribuição.
Assim, não me sobra dúvida sobre a impossibilidade de contagem do período indenizado como tempo de contribuição ou como contar seu intervalo correspondente no periodo básico de cálculo (PBC) . Ora, se não há recolhimento de contribuições, nem efetiva prestação de serviço, não se pode incluir o período correspondente como tempo de contribuição, sob pena de reconhecimento de tempo ficto, sem expressa previsão legal.
Segundo a doutrina do juiz federal Leonardo Cacau Santos La Bradbury (Curso Prático de Direito e Processo Previdenciário - Reforma Previdenciária EC 103, de 12.11.2019, Ed. Atlas, 3ª Edição, fls. 287), entende-se como "tempo de contribuição fictício aquele no qual a legislação permite que haja a contagem, como tempo de contribuição, para a concessão do benefício, de periodo em que não houve o recolhimento".
Nesse contexto, a EC 103/2019 incluiu o §14 no art. 201 da Constituição Federal de 1988, determinando que "é vedada a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão de benefícios previdenciários e contagem recíproca".
A proibição de contagem de tempo fictício já havia sido realizada pela EC 20/98 que incluiu o § 10 ao art. 40 da CF/88 ("A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício"). Referida emenda alterou o termo “tempo de serviço” para “tempo de contribuição”, tanto para o RPPS, quanto no RGPS, porquanto o incluiu também no § 7º, do art. 201 da CF/88. O escopo de tal modificação constitucional foi a de garantir o equilíbrio financeiro e atuarial dos dois regimes previdenciários, ressaltando o caráter contributivo do sistema. Todavia, o art. 4º da EC 20/98 estabeleceu que o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, seria contado como tempo de contribuição.
Embora a proibição de contagem de tempo ficto, desde a EC 20/98, também se aplicasse ao RGPS, em face da alteração do § 7º do art. 201 da CF/88, sem espectro de incidência era menor do que no regime próprio dos servidores, porquanto a Lei 8.213/91 estabelecia determinadas situações excepcionais em que era possível a contagem de tempo fictício para a concessão de benefícios dentro do regime geral.
Nesse sentido, cita-se a utilização de tempo de labor rural sem contribuição para o período anterior a entrada em vigor da Lei 8.213/91, salvo para carência (art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91), do acréscimo decorrente da conversão de tempo especial em tempo comum( 57, § 5º, da Lei 8.213/91) e o reconhecimento do período de afastamento decorrente do recebimento de benefício por incapacidade como tempo de contribuição para a concessão de aposentadoria quando intercalado como atividade laboral contributiva (art. 29, § 5º e art. 55, II, da Lei 8.213/91). Nessas situações, apesar de não ter o recolhimento da contribuição, tais períodos eram utilizados para a concessão de benefício no RGPS, tratando-se, assim, de tempo ficto expressamente previsto em lei previdenciária, de forma excepcional.
Desse modo, se havia dúvida se a proibição de contagem de tempo ficto também atingia o RGPS desde a EC 20/98 (e não somente o RPPS), a recente alteração da legislação previdenciária pela EC 103/2019, não deixou pairar qualquer sombra de dívida. No direito previdenciário não mais se admite a contagem de tempo ficto, salvo se a legislação previdenciária, de forma expressa em seu texto, dispensar o recolhimento de contribuição.
No entanto, apesar da EC 103/2019 ter estendido, no §14 no art. 201 da CF/88, a proibição genérica de contagem de tempo de contribuição ficto também para o RGPS, o art. 25, caput, da referida emenda constitucional ressalvou a possibilidade de sua utilização decorrente de hipóteses descritas na legislação previdenciária até a data de entrada em vigor da EC 103/2019 para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir de sua entrada em vigor, o dispoto no §14 no art. 201 da CF/88.
Sendo assim, no caso em concreto, a não incidência da contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado afasta a possibilidade de contagem do tempo para fins previdenciários, pois embora o trabalhador mantenha o vínculo empregatício até o final do período de aviso prévio, na prática, não houve efetivo período de labor e nem pagamento de contribuição previdenciária, de modo que não há outra solução que não o considerar como "tempo ficto".
E o fato da legislação trabalhista (art. 487, § 1º, da CLT) prever a possibilidade de "integração desse período no seu tempo de serviço", para fins previdenciários, não o transforma de tempo ficto, para tempo com recolhimento de contribuição previdenciária.
E, para o aviso prévio indenizado ser considerado como tempo ficto previdenciário, deveria haver expressa previsão nesse sentido em legislação previdenciária até a data de entrada em vigor da EC 103/2019, o que não ocorreu.
Apenas a título de esclarecimentos, é importante citar que os demais ramos do direito (trabalhista, tributário, cível e outros) podem ser utilizados como forma de integração da interpretação do direito previdenciário, mas nunca, como norma isentiva de pagamento de contribuição, missão esta que somente pode ser feita dentro do próprio normativo previsto no sistema de seguridade social, sob pena de se ferir princípios constitucionais específicos do direito previdenciários, como os já citados princípios da prévia fonte de custeio (também chamado da regra da contrapartida) previsto no art. 195, § 5º e do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, previsto no art. 201 da CF/88.
Portanto, nos casos em que a Constituição Federal condiciona a concessão do benefício a, dentre outros requisitos, o cumprimento de determinado tempo de contribuição, o seu cômputo exige que haja o recolhimento das contribuições, não podendo a lei (que não a previdenciária) dispensá-las.
Deve, então, ser reafirmado o entendimento de que o período de aviso prévio indenizado não constitui tempo de contribuição em favor do segurado, visto que por ter natureza indenizatória, não há incidência de contribuições previdenciárias, sendo que a legislação previdenciária não admite o cômputo de tempo ficto, salvo quando expressamente previsto no ordenamento jurídico previdenciário, até a publicação da EC 103/19.
Diante do exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao presente Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, processado como representativo de controvérsia - Tema 250 -, firmando a seguinte tese: "O período de aviso prévio indenizado não integra o tempo de contribuição para obtenção de aposentadoria, por se tratar de verba indenizatória a qual não incide contribuição previdenciária".
Em relação ao caso concreto submetido a julgamento, determina-se a devolução dos autos à Turma Recursal de origem, para adequação do julgado ao entendimento acima firmado.
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI.
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