Decisão trata sobre a acumulação de seguro-desemprego com auxílio-doença
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a vedação de acumulação de auxílio-doença com seguro-desemprego. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ACUMULAÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE SEGURO-DESEMPREGO E AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO EM RAZÃO DE DECISÃO JUDICIAL. TEMA 232 DA TNU. O AUXÍLIO-DOENÇA É INACUMULÁVEL COM O SEGURO-DESEMPREGO, MESMO NA HIPÓTESE DE RECONHECIMENTO RETROATIVO DA INCAPACIDADE EM MOMENTO POSTERIOR AO GOZO DO BENEFÍCIO DA LEI 7.998/90, HIPÓTESE NA QUAL AS PARCELAS DO SEGURO-DESEMPREGO DEVEM SER ABATIDAS DO VALOR DEVIDO A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0504751-73.2016.4.05.8200/PB, Relator Juiz federal Bianor Arruda Bezerra Neto, 18/12/2019.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, vencido o relator, DAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização interposto pelo ente público, nos termos da divergência do Juiz Federal Fábio Souza, fixando a seguinte tese: "o auxílio-doença é inacumulável com o seguro-desemprego, mesmo na hipótese de reconhecimento retroativo da incapacidade em momento posterior ao gozo do benefício da Lei 7.998/90, hipótese na qual as parcelas do seguro-desemprego devem ser abatidas do valor devido a título de auxílio-doença". O Juiz Federal Ronaldo Desterro acompanhou o Juiz Relator no sentido de negar provimento ao pedido de uniformização. Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 232).
Brasília, 12 de dezembro de 2019.
RELATÓRIO
Trata-se de incidente de uniformização, suscitado pelo ente público, pretendendo a reforma de acórdão oriundo de Turma Recursal que, mantendo a sentença, entendeu ser possível o recebimento, acumuladamente, dos valores alusivos a auxílio-doença e seguro-desemprego, quando é possível se inferir que o segurado trabalhou por necessidade, mesmo estando incapacitado.
Na espécie, o segurado já recebeu, administrativamente, um primeiro auxílio-doença, que teve a duração de 6 meses, entre 26/08/2014 a 23/02/2015.
Todavia, ele voltou a trabalhar desde a DCB até 07/2015, quando recebeu sua última remuneração. Em razão do desemprego, requereu e recebeu seguro-desemprego entre 09/2015 a 01/2016.
Para o presente caso, a perícia judicial fixou a DII em 11/08/2014, tendo estimado necessidade do prazo de 120 dias para recuperação.
A TR de origem, assim, reconheceu o direito ao segundo auxílio-doença e à DII fixada pela perícia judicial. Quanto ao prazo para recuperação, contudo, o acórdão recorrido foi além e reconheceu a necessidade de 1 ano. Essa conclusão deveu-se à circunstância de se tratar da mesma doença que ensejou o primeiro auxílio-doença, bem como a persistência da enfermidade.
O ponto controvertido, porém, está na seguinte questão: a TR de origem entendeu que desde o primeiro auxílio-doença e até a data da perícia judicial, o segurado não convalesceu, razão pela qual, quando ele voltou a trabalhar, entre 02/2015 e 07/2015, fê-lo por pura necessidade, razão pela qual é devida a cumulação entre os valores do seguro-desemprego que recebeu e o auxílio-doença reconhecido judicialmente.
O acórdão recorrido, no ponto em que é atacado pelo presente recurso, após examinar os documentos e argumentos apresentados nos autos, concluiu nos seguintes termos:
Extrai-se dos autos que a concessão do benefício deu-se em razão das mesmas enfermidades atestadas pelo perito médico judicial, no período de 26/08/2014 a 23/02/2015 (anexos 08 e 17). 4. Não obstante o prazo de recuperação estimado pelo perito judicial, tem-se que, tendo ele fixado a data de início da incapacidade em 11/08/2014, anterior ao requerimento, e já tendo o demandante usufruído do benefício por cerca de seis meses, resta demonstrado que os 120 dias não serão suficientes para a recuperação, razão pela qual merece ser mantida a sentença quanto ao prazo de 01 (um) ano para duração do auxílio-doença. 5. Consta no CNIS que o demandante recebeu sua última remuneração em julho de 2015 (anexo 14, 03),recebendo seguro-desemprego de 09/2015 a 01/2016, conforme informação contida e comprovada na peça recursal. 6. Pelo pequeno lapso de tempo entre o retorno ao trabalho e sua demissão, pode-se concluir que o demandante voltou por obrigação, embora não se encontrasse completamente recuperado. 7. Assim, tendo havido cessação indevida, os valores recebidos devem ser considerados como indenizatórios, tendo em vista que, se tivesse ou autor se submetido a tratamento pelo tempo adequado, talvez não tivesse ele perdido seu emprego.
O ente público sustenta o cabimento do pedido de uniformização, por entender que o acórdão recorrido está em confronto com a jurisprudência da TRU4:
É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente (art. 124 da Lei 8.213/91). Recurso provido. (Processo n.º 0004244-90.2008.404.7162, relator o Juiz Federal Germano Alberton Junior, D.E. 16/11/2011)
Relatados no essencial, passo a decidir.
VOTO
O pedido de uniformização de interpretação de lei federal está previsto no art. 14 da Lei n.º 10.259/2001, sendo cabível quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei”.
Por questões de direito material, deve-se entender os pontos controvertidos de direito, ou seja, aqueles alusivos à construção, a partir dos enunciados dos textos normativos, da norma jurídica do caso concreto, desde que, para o deslinde da controvérsia, não seja necessária a reavaliação de provas nem o reexame dos fatos concretamente discutidos na demanda.
Para demonstrar a divergência, necessário o confronto do acórdão recorrido com acórdão paradigma de Turma Recursal de região diferente, da própria TNU ou do STJ (art. 14, § 4º). Também é possível que se utilize, para tais fins, enunciado de súmula da TNU ou do STJ.
***
No presente caso, o pedido merece ser conhecido, pois o acórdão recorrido julgou o ponto controvertido em sentido contrário ao entendimento posto no acórdão paradigma.
Quando da afetação, a questão controvertida restou assim definida: “Saber se é devido o recebimento, acumuladamente, dos valores alusivos a auxílio-doença e seguro-desemprego, nos casos em que o segurado trabalhou por necessidade de manutenção do próprio sustento, mesmo estando incapacitado, nos termos em que indicado na DII fixada pela perícia judicial”.
A Lei n.º 8.213/91 tem dispositivo expresso no sentido de que “é vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente” (art. 124, parágrafo único).
A restrição decorre do fato de que o seguro-desemprego é benefício de cunho previdenciário (art. 1.º da Lei n.º 8.213/91 e art. 201, III, da CR/88), previsto na Lei n.º 7.998/90 para os trabalhadores empregados que se encontrem em situação de desamparo social, em razão da perda de renda decorrente da rescisão do vínculo empregatício.
Segundo a Lei n.º 7.998/90, este benefício tem ainda o objetivo de auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional.
Dessa forma, não está em situação de desamparo social quem está no gozo de benefício previdenciário, de maneira que esta é a razão da não cumulatividade do seguro-desemprego com qualquer benefício de cunho previdenciário.
O art. 124 da Lei n.º 8.213/91 ainda ressalvou a possibilidade de cumulação com a pensão por morte, porque este benefício previdenciário decorre de fato estranho à relação de emprego, sendo, portanto, independente dela e da relação jurídica previdenciária dela advinda.
O citado artigo também ressalvou a possibilidade de cumulação com o auxílio-acidente, porque, embora se trate de benefício que se origina do histórico laboral do segurado, trata-se de prestação de cunho compensatório, que não tem o objetivo de substituir a renda do trabalhador e cujo valor é apenas parcial em relação à renda do trabalhador.
Dessa forma, o seguro-desemprego não é acumulável com nenhum tipo de aposentadoria, nem com o auxílio-doença, benefício provisório cujo valor é calculado com base na totalidade do salário-de-contribuição do segurado, substituindo-lhe a renda em situações de incapacidade temporária.
Todavia, no caso dos autos, há uma situação específica, não contemplada pela legislação, que ensejou a presente demanda e que merece a atenção mais detida do Poder Judiciário.
O segurado recebeu, administrativamente, um primeiro auxílio-doença, que teve a duração de 6 meses, entre 26/08/2014 a 23/02/2015.
Ao final desse período, ele voltou a trabalhar até ser dispensado pelo empregador, em 07/2015, quando recebeu sua última remuneração.
Em razão dessa situação de desamparo social, requereu e recebeu o benefício do seguro-desemprego entre 09/2015 a 01/2016.
Todavia, ele insistiu em provar ao Estado a sua situação de incapacidade laboral persistente e requereu, judicialmente, o restabelecimento do auxílio-doença. O segurado teve sucesso na demanda, tendo a perícia judicial estimado a necessidade do prazo de 120 dias para recuperação, bem como atestado que essa incapacidade veio, de forma incessante, desde 11/08/2014.
Assim, o que se discute agora é se o seguro-desemprego, que a lei expressamente diz que é inacumulável com o auxílio-doença, pode ser pago nos casos em que esteja provado que o empregado foi demitido em estado de incapacidade.
A TR de origem entendeu que sim, pois quando o segurado voltou a trabalhar, ao fim do período de auxílio-doença concedido administrativamente (26/08/2014 a 23/02/2015), fê-lo mesmo sem poder, por necessidade de renda.
Dessa maneira, quando foi demitido (07/2015), não se poderia exigir que deixasse de solicitar o seguro-desemprego, pois sua incapacidade não era reconhecida pelo INSS, nem que, tendo vencido a demanda judicial pelo auxílio-doença, tivesse que devolver os valores a ele alusivos.
O ônus de ter que arcar com o pagamento dos dois benefícios, portanto, deve ser assumido pelo Poder Público em razão da situação gerada ao segurado de ter que voltar a trabalhar mesmo estando incapacitado.
Importante salientar que auxílio-doença e seguro-desemprego são benefícios previdenciários que visam dar cobertura a eventos diferentes, situações que, a princípio, não deveriam coexistir, posto que excludentes: afastamento por incapacidade laboral e desemprego.
Todavia, enquanto a situação do segurado resta pendente de definição, e este está em busca dos seus direitos tanto administrativa, quanto judicialmente, as prestações que recebeu e que, depois, forem consideradas incompatíveis com outras judicialmente reconhecidas, não devem ser devolvidas, ante seu caráter eminentemente alimentar.
Analisando o acórdão paradigma, originário da TRU4, observa-se que ele limita-se a citar o proibitivo legal, sem maiores explicitações, assim também o acórdão da 1.ª TR/RS. A sentença do JEF de origem, a rigor, passa ao largo da questão.
Por fim, enfatizo que a controvérsia ora discutida difere daquela travada no TEMA 195, uma vez que lá os benefícios não passíveis de cumulação são alusivos ao exercício da atividade laboral que enseja a condição de segurado obrigatório ao RGPS, dizendo respeito a desdobramento e circunstâncias dela: auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença e aposentadoria por tempo de contribuição.
Em tais termos, voto no sentido de conhecer, porém de NEGAR PROVIMENTO ao recurso do ente público, fixando a seguinte tese: “é devido o recebimento, acumuladamente, dos valores alusivos a auxílio-doença e seguro-desemprego, nos casos em que o segurado trabalhou por necessidade de manutenção do próprio sustento, mesmo estando incapacitado, nos termos em que indicado na DII fixada pela perícia judicial”.
VOTO DIVERGENTE
Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL) interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra acórdão da Turma Recursal da Paraíba que considerou acumuláveis os valores recebidos a título de seguro-desemprego e auxílio-doença concedido em razão de decisão judicial.
O recurso foi afetado pela TNU como representativo de controvérsia (tema 232), sendo a seguinte a questão controvertida: saber ser é devido o recebimento, acumuladamente, dos valores alusivos a auxílio-doença e seguro-desemprego, nos casos em que o segurado trabalhou por necessidade de manutenção do próprio sustento, mesmo estando incapacitado, nos termos em que indicado na DII fixada pela perícia judicial.
O MM Juiz Federal Relator, Dr. Bianor Arruda Bezerra Neto, votou no sentido de negar provimento ao recurso e propôs a seguinte tese: “é devido o recebimento, acumuladamente, dos valores alusivos a auxílio-doença e seguro-desemprego, nos casos em que o segurado trabalhou por necessidade de manutenção do próprio sustento, mesmo estando incapacitado, nos termos em que indicado na DII fixada pela perícia judicial”.
Em que pese a profunda fundamentação do voto, peço vênia para divergir.
No presente caso, o segurado recebeu administrativamente auxílio-doença, no período de 26/08/2014 a 23/02/2015, quando o benefício foi cessado pela autarquia. O segurado, porém, impugnou judicialmente o ato de cessação do benefício, tendo a decisão judicial determinado o restabelecimento do benefício desde a sua cessação administrativa.
Entretanto, até conseguir restabelecer judicialmente o benefício, o segurado voltou ao trabalho, foi demitido e fruiu seguro-desemprego no período de da 09/2015 a 01/2016.
O que se discute é se são devidas as parcelas de auxílio-doença referentes ao período em que o segurado recebeu seguro-desemprego.
O parágrafo único, do art. 124, da Lei 8213/91, estabelece a inacumulabilidade entre seguro-desemprego e qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.
É verdade que, no caso em questão, há uma peculiaridade: o segurado teve o benefício por incapacidade cessado indevidamente e, sem proteção social em razão da incapacidade, viu-se em situação de desemprego, que justificou a concessão do seguro-desemprego.
Em situação semelhante – porém, não idêntica – esta TNU considera devido o auxílio-doença ainda que o segurado tenha trabalhado no período. Logo, mesmo diante da inacumulabilidade entre o rendimento do trabalho e o benefício por incapacidade, a jurisprudência considera ser devido o auxílio:
Súmula 72: É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou.
Quando o segurado trabalha, faz jus à remuneração, sob pena de enriquecimento sem causa do empregador. Se no período está incapacitado, mas sem fruir auxílio em razão de equívoco da autarquia, tem direito ao benefício por incapacidade, sob pena de enriquecimento sem causa do INSS.
Entretanto, a lógica da súmula 72 é inaplicável ao caso de acumulação de seguro-desemprego e auxílio-doença. Isso porque, nessa hipótese, a ausência de pagamento do seguro-desemprego não gera enriquecimento sem causa da União se, no mesmo período, for devido auxílio-doença, pois esse fato faz com que deixe de existir causa para pagamento do primeiro.
O fato de haver proibição explícita de acumulação, sem que isso provoque enriquecimento sem causa da União ou do INSS, exige que se mantenha a proscrição de acumulação mesmo quando a concessão do auxílio-doença ocorra em razão de decisão judicial reconhecendo a incapacidade desde momento anterior ao seguro-desemprego.
Todavia, como o segurado vivencia os dois riscos sociais, tem direito a receber o melhor benefício. Para resguardar esse direito, deve ser garantido o pagamento do auxílio-doença, abatendo-se o valor recebido a título de seguro-desemprego.
Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso, fixando a seguinte tese: “o auxílio-doença é inacumulável com o seguro-desemprego, mesmo na hipótese de reconhecimento retroativo da incapacidade em momento posterior ao gozo do benefício da Lei 7.998/90, hipótese na qual as parcelas do seguro-desemprego devem ser abatidas do valor devido a título de auxílio-doença”.
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