sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Justiça reconhece união homoafetiva para fins previdenciários

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o reconhecimento da união estável homoafetiva. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA COM FINS PREVIDENCIÁRIOS. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. REQUISITOS. COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA.

1. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela possibilidade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, quando a união homoafetiva consistir em convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (STF. ADI 4.277 e ADPF 132 c/c o art. 1.723 do Código Civil).
2. No caso concreto, foram comprovados os pressupostos fáticos e jurídicos autorizadores do reconhecimento da alegada união estável para efeitos previdenciários, nos limites em que postulados na inicial.
3. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.
TRF 1ª, Processo nº: 0076401-06-2012-4.01.9199/MG,  1ª Câmara Regional Previdenciária, Juiz Federal Relator Murilo Fernandes de Almeida, 23/05/2017.


ACÓRDÃO
Decide a Câmara, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta, nos termos do voto do Relator.

1ª Câmara Regional Previdenciária De Minas Gerais do TRF da 1ª Região, 3 de abril de 2017.

JUIZ FEDERAL MURILO FERNANDES DE ALMEIDA
RELATOR CONVOCADO

RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO interposta por ANA ATHAYDE VILLAS NOVAS contra sentença que julgou procedente o pedido de reconhecimento de união estável homoafetiva entre o filho da apelante e a parte autora desta ação, para efeitos previdenciários (fls. 329/335-v).

Razões recursais: pede a reforma da sentença, sustentando que era dependente economicamente de seu falecido filho. Sobre a união homoafetiva, aduz que, além da inexistência de provas, não seria possível o seu reconhecimento no caso em exame, já que o julgamento da ADPF 132/STF não possui efeito ex tunc. Por fim, afirma também que, em razão da multiplicidade de relacionamentos amorosos do falecido filho, estaria ausente a affectio maritalis (fls. 336/344).

Sem contrarrazões da parte autora, apesar de devidamente intimada.

É o relatório.
 
VOTO
Conheço do apelo da remessa oficial, tida por interposta, uma vez que estão presentes os requisitos e pressupostos de sua admissibilidade.

Como se vê, o pedido posto na inicial se restringe ao reconhecimento de união estável homoafetiva supostamente existente entre o autor e Geraldo Altino Ataíde, filho da apelante, exclusivamente para fins previdenciários. De acordo com a inicial, a convivência em comum teve início em 1988 e se consolidou como união estável a partir de 1995, situação que teria se perdurado o óbito de Geraldo Altino, ocorrido em abril de 2008.

Observe-se, inicialmente, que a presença do INSS como litisconsorte passivo necessário atrai a competência da justiça federal para conhecer e julgar a questão e, deste Tribunal Regional Federal (Câmara Regional Previdenciária), para julgar o presente recurso, conforme previsão expressa nos artigos 109, I e 108, II, da CF/88, respectivamente, embora em se tratando de simples pedido de reconhecimento de união estável, de um modo geral, seja inegavelmente da competência da justiça estadual.

Com efeito, não obstante a natural dificuldade de se comprovar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, principalmente quando o alegado relacionamento homoafetivo tenha ocorrido no passado mais distante, no caso dos autos o conjunto probatório mostra-se firme e coerente no sentido de que, efetivamente, o autor viveu em regime de união estável com o falecido filho da recorrente. Há nos autos farta prova documental nesse sentido, incluindo fotografias antigas “tiradas” em variadas datas e localidades, fatura de água, luz, telefone, referentes aos períodos imediatamente anteriores ao óbito (2004/2008), em nome do falecido e constando o endereço da Rua Paquetá, 278 (fls. 20 e 27/30).

A prova testemunhal corrobora as alegações da parte autora. As testemunhas foram unânimes em afirmar que o autor era o proprietário do imóvel localizado na Rua Paquetá, 278, em Coronel Fabriciano, onde o falecido teria permanecido grande parte de sua vida, não obstante constar da certidão de óbito endereço diverso. Ademais, a coabitação ou residência sob o mesmo teto não constitui requisito indispensável para a caracterização da união estável como entidade familiar.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a possibilidade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, quando a união homoafetiva consiste na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (STF. ADI 4.277 e ADPF 132 c/c o art. 1.723 do Código Civil).

Na esteira da decisão do STF, não se negar a evidência de que a união homossexual, em nossos dias, é uma realidade de elementar constatação empírica, a qual está a exigir o devido enquadramento jurídico, visto que dela resultam direitos e obrigações que não podem colocar-se à margem da proteção do Estado, ainda que não haja norma específica a assegurá-los.

Por outro lado, ao contrário do que procurou demonstrar a recorrente, não se trata de considerar retroativamente a decisão da Suprema Corte, pois antes dela a jurisprudência dominante, inclusive nos Tribunais superiores, já era favorável à possibilidade do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar para os efeitos legais.

Ademais, o próprio INSS já equipara à condição de companheira ou companheiro, os parceiros homoafetivos que mantenham relacionamento civil permanente, aplicando-se, em relação a eles, os preceitos legais incidentes sobre a união estável entre parceiros de sexos diferentes, conforme se vê:

A comprovação do exercício de atividade rural para os filhos casados e aqueles que mantêm união estável, inclusive os homoafetivos, que permanecerem no exercício desta atividade juntamente com seus pais, deverá ser feita por contrato de parceria, meação, comodato ou assemelhado, para regularização da situação daqueles e dos demais membros do novo grupo familiar, assegurando-se a condição de segurados especiais deste novo grupo” (Art. 116, IN/INSS 45/2010 – sem grifo no original).

Tratando-se de comprovação na categoria de segurado especial, o documento existente em nome de um dos componentes do grupo familiar poderá ser utilizado como início de prova material por qualquer dos integrantes desse grupo, assim entendidos os pais, cônjuges, companheiros, inclusive os homoafetivos e filhos solteiros ou a estes equiparados” (Art. 115, IN/INSS 77/2015, sem grifo no original).

Tratando-se de comprovação na categoria de segurado especial, o documento existente em nome de um dos componentes do grupo familiar poderá ser utilizado como início de prova material, por qualquer dos integrantes deste grupo, assim entendidos os pais, os cônjuges, companheiros, inclusive os homoafetivos e filhos solteiros ou a estes equiparados” (Art. 579, § 1º, IN 77/2015, sem grifo no original).

integram o grupo familiar, também podendo ser enquadrados como segurado especial, o cônjuge ou companheiro, inclusive homoafetivos, e o filho solteiro maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado, desde que comprovem a participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar” (ART. 39, § 1º, inciso I, IN 77/2015, sem grifo no original).

Voltando ao caso concreto, não se mostra razoável a afirmação da apelante de que o falecido morava com ela e mantinha a casa da Rua Paquetá apenas para “dar festas”. É verdade que, mesmo mantendo a referida casa, Geraldo também usava ainda o endereço da mãe em alguns momentos, mas certamente não faria sentido manter uma casa vazia com luz, água, telefone e eletrodomésticos apenas para festas. Aliás, a necessidade do ajuizamento de uma ação de imissão de posse contra o autor, tendo por objeto o referio imóvel, também milita em favor da existência da alegada união homoafetiva, pois apenas confirma que o autor continuou residindo no imóvel após a morte do companheiro (fls. 156/157).

Conforme bem observado pelo nobre juiz sentenciante:

os documentos que instruíram a inicial demonstram de forma satisfatória a existência da união homoafetiva. Observa-se às fls.14/20 a existência de diversas notas fiscais, tanto no nome do autor, quanto no do Sr. Geraldo, nas quais consta o mesmo endereço. De igual forma, os comprovantes de residência de fls. 27/34 evidenciam que os mesmos moravam na mesma casa. Ainda, às fls. 26 tem-se uma apólice de seguro de carro do Sr. Geraldo, na qual ele incluiu o autor como um dos condutores de seu veículo. Por sua vez, o requerente incluiu o Sr. Geraldo como um de seus dependentes no “Passaporte familiar” que adquiriu no Clube Green Park, conforme se verifica às fls. 21/22. Por fim, consta às fls. 35/45 diversos anexos fotográficos demonstrando a relação existente entre os mesmos”.

Como se vê, negar a existência da alegada união homoafetiva é negar o óbvio.

Devidamente, comprovados, portanto, os pressupostos fáticos que autorizam o reconhecimento da união estável para efeitos previdenciários, nos limites em que postulados na inicial, a sentença recorrida deve ser integralmente confirmada.

Nesse sentido, nego provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

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Perfil

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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