sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Cancelamento de benefício previdenciário deve respeitar o contraditório e a ampla defesa

Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que considerou ilegal a suspensão do pagamento de benefícios previdenciários, revestidos de caráter nitidamente alimentar, sem a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.

EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NÃO OBSERVADO. ANULAÇÃO DO ATO DE SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO DOS BENEFÍCIOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nos termos do art. 54, caput, da Lei n. 9.784, de 1999, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. A ocorrência de má-fé na prática do ato administrativo não submete a iniciativa administrativa ao prazo decadencial. Afasta-se também a decadência nos casos de violação direta da Constituição.
2. Em tema de anulação de ato concessivo de benefício previdenciário, colhe-se da jurisprudência a necessidade, a par da exigência constitucional, de observância do devido processo legal substantivo, antes mesmo da suspensão do benefício, em ordem a assegurar a subsistência digna do beneficiário.
3. A conduta unilateral da Administração, de suspender o pagamento de benefícios previdenciários – revestidos de nítido caráter alimentar –, sem atenção aos postulados do devido processo legal administrativo, ofende as garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório, e da oportunidade do respectivo recurso, que integram o núcleo do postulado do devido processo legal substantivo.
3. O conjunto probatório colacionado aos autos demonstra que de fato o INSS não observou o regular procedimento administrativo, porque mesmo antes de se conceder oportunidade de recurso o benefício foi suspenso, circunstância que evidencia a ilegalidade do cancelamento.
4. Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas.
TRF 1, Processo nº: 2007.34.00.038891-0/DF, 1ª T.,  Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 20.11.15

ACÓRDÃO
Decide a Turma, à unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial.

1ª Turma do TRF da 1ª Região – 21/10/2015.

Desembargador Federal JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS e remessa oficial de sentença pela qual o juízo a quo julgou procedente o pedido formulado na inicial e, considerando que o procedimento administrativo não observou os princípios básicos do contraditório e da ampla defesa, decretou a nulidade de todos os atos praticados pelo INSS para o fim de suspender ou cancelar o benefício previdenciário concedido anteriormente, ficando, por conseguinte, o INSS obrigado a manter ativo o benefício e pagar a diferença relativa ao período em que ficou suspenso indevidamente.

Sustenta o apelante a legalidade do ato, pois o ordenamento jurídico não contempla a concessão de efeito suspensivo a recurso administrativo, bem como que a aposentadoria do impetrante foi cancelada em razão do procedimento previsto no art. 11 da Lei n. 10.666/2003.

Contrarrazões.

É o relatório.

VOTO
A parte requerente recebia administrativamente o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.

Posteriormente, porém, o INSS promoveu revisão na concessão do referido benefício e constatou irregularidade na concessão (não comprovação do tempo de contribuição no período de 01/01/1970 a 28/06/1975), suspendendo o benefício e facultando à parte impetrante o prazo de 30 dias para recorrer da decisão que suspendeu o pagamento.

A decadência do direito de anulação do ato administrativo

Nos termos do art. 54, caput, da Lei n. 9.784, de 1999, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Anteriormente à vigência dessa lei, aplicava-se integralmente o verbete da Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal (A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial), para o qual não havia, porque adotada anteriormente à referida lei, prazo para a anulação dos atos eivados de nulidade.

Hodiernamente, porém, em face do referido dispositivo legal, tem-se que a Administração deve observar esse prazo no qual poderá anular o ato por ela praticado, especialmente se repercutiu favoravelmente ao administrado, findo o qual o ato não mais poderá ser anulado, operando-se a preclusão máxima para esse fim, independentemente de cuidar-se de ato anulável ou nulo.

As exceções que se admitem são a) a violação direta da Constituição e b) a ocorrência de má-fé na prática do ato administrativo.

Nessas hipóteses, não fica a iniciativa administrativa submetida ao prazo quinquenal, daí que, seja por violação direta à Constituição, seja por fundamento exclusivo em má-fé, não está a Administração interditada, no exercício do poder-dever de autotutela, de proceder à anulação do ato praticado com defeitos dessa natureza.

O benefício previdenciário e o devido processo legal

Porém, ainda que nessas hipóteses (inconstitucionalidade do ato ou má-fé na sua formação, sendo a fraude uma de suas manifestações), a Administração não se exime de assegurar ao interessado o devido processo legal, pois constituem garantias constitucionais, cf. art. 5º, incisos LIV e LV, respectivamente, da Carta da República, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Em tema de anulação de ato concessivo de benefício previdenciário, colhe-se da jurisprudência a necessidade, a par da exigência constitucional, de observância do devido processo legal substantivo, antes mesmo da suspensão do benefício, em ordem a assegurar a subsistência digna do beneficiário.

Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:

(...)
1. Ainda que exista previsão legal para a suspensão e/ou cancelamento do benefício antes mesmo do esgotamento da via administrativa (art. 11 da Lei n. 10.666/03), a diretriz para a aplicação de qualquer medida que repercuta desfavoravelmente na esfera jurídica do segurado litigante é a observância do devido processo legal, assegurando-se o exaurimento do contraditório e da ampla defesa, cujos princípios, nos termos do art. 5º, LV da Constituição, são também aplicáveis na esfera administrativa. Precedentes: ED no RE 469.247/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 16/3/2012, e AREsp 317.151/PI, Rel. Min. Castro Meira, DJe 21/5/2013.
2. Não se descortina, na espécie, a legitimidade da medida de suspensão de benefício antes da apreciação do recurso administrativo manejado pelo interessado, uma vez que a privação dos proventos de aposentadoria apenas se revela possível após a apuração inequívoca da irregularidade ou falha na concessão do respectivo benefício, circunstância ainda inocorrente no caso sub judice.
3. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1323209/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 15/04/2014)

(...)
1. Agravo retido não conhecido porque não requerido seu exame pelo Tribunal, nas razões de apelação (§ 1º do art. 523 do CPC).
2. Para que um benefício previdenciário seja cancelado ou suspenso, há de ser respeitado o devido processo legal, observados o princípio do contraditório e da ampla defesa do beneficiário, o que, in casu, não ocorreu.
3. Não se pode suspender ou cancelar o pagamento de benefício sem antes estar concluída a via administrativa, o que abrange, inclusive, a via recursal.
(...)
(AC 1998.40.00.002129-9/PI, Rel. Des. Fed. Neuza Alves, T2/TRF1, DJ de 02/07/2007)

A conduta unilateral da Administração, de suspender o pagamento de benefícios previdenciários – revestidos de nítido caráter alimentar –, sem atenção aos postulados do devido processo legal administrativo, ofende as garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório, e da oportunidade do respectivo recurso, que integram o núcleo do postulado do devido processo legal substantivo.

A aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa – corolários do devido processo legal – na esfera administrativa, impõe também que se oportunize aos administrados, no caso beneficiários da Previdência Social, também o acesso às instâncias recursais, de modo que somente após a decisão administrativa definitiva é que se pode desconstituir o ato jurídico, perfeito e acabado (ainda que suscetível de anulação) no âmbito da autarquia previdenciária e do qual decorriam efeitos benéficos para os segurados.

Caso dos autos

Não há dúvidas de que não foi respeitado o direito à instrução contraditória e à ampla defesa, mais notadamente porque a autarquia ré suspendeu o benefício previdenciário antes do trânsito em julgado de decisão administrativa neste sentido, circunstância que evidencia a violação ao devido processo legal administrativo e a consequente ilegalidade no cancelamento do benefício da parte autora.

Pior que isso. Verifica-se que o INSS promoveu a suspensão do benefício antes que fosse concedida ao beneficiário a oportunidade de apresentação de recurso, circunstância que evidencia a violação ao devido processo legal administrativo e a consequente ilegalidade no cancelamento do benefício.

Não merece reparos a sentença que anulou o procedimento administrativo, com o restabelecimento imediato do pagamento do benefício previdenciário em questão.

Evidentemente que, com base no art. 54, caput, da Lei n. 9.784, de 1999, com fundamento em fraude, que é uma das facetas da má-fé, poderá a Administração instaurar, a qualquer tempo, processo de revisão, assegurando-se, porém, de modo efetivo, o devido processo legal, atentando-se, ademais, para o fato de que se cuidam de pessoas que se encontram em situação de fragilidade social, especialmente em razão da idade avançada.

Conclusão
Em face do exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

É como voto.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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