sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Carteira de trabalho falsificada para obtenção de aposentadoria configura estelionato


Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência do TRF 1 que trata sobre o crime de estelionato cometido por um trabalhador que teve alterada a carteira de trabalho para obtenção de benefício previdenciário. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
 
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. INSS. APOSENTADORIA FRAUDULENTA. CP, ART. 171, § 3º. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE EXACERBADA. REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. CONFISSÃO. NÃO APLICAÇÃO. SÚMULA 231 DO STJ. CAUSA DE AUMENTO DA PENA. BENEFICIÁRIO. CRIME PERMANENTE. CONTINUIDADE DELITIVA AFASTADA. REGIME ABERTO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REPARAÇÃO DE DANOS. EXCLUSÃO. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS SEVERA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Constitui crime de estelionato obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
2. Materialidade, autoria e dolo plenamente demonstrados.
3. Consideradas favoráveis ao réu todas as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP), impõe-se a redução da pena-base para o mínimo legal, de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
4. O magistrado considerou as informações dadas pelo réu para fundamentar a condenação. Assim, o apelante, em princípio, tem direito à aplicação da circunstância atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, “d”, do CP. Porém, reduzida a pena-base para o mínimo legal, não se aplica a referida circunstância atenuante (Súmula 231 do STJ).
5. Sendo o agente do delito o próprio beneficiário, o crime é permanente, protraindo-se no tempo em razão das parcelas recebidas indevidamente pelo segurado. Não há uma renovação de conduta de modo a justificar a exacerbação da pena. Precedentes.
6. Pena definitivamente fixada em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto (art. 33, § 2º, “c”, do CP), e 13 (treze) dias-multa. Mantido o valor do dia-multa, que já foi fixado na sentença no mínimo previsto no art. 49, § 1º, do CP, de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, a ser corrigido monetariamente até seu efetivo pagamento.
7. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos (art. 44 do CP), a serem definidas no Juízo da Execução.
8. A Lei n. 11.719, que conferiu nova redação ao art. 387 do CPP, foi editada em 2008, posteriormente aos fatos em exame (1998 a 2002). Desconstituição da condenação a título de danos, com fundamento no princípio da irretroatividade da lei penal mais severa.
9. Apelação parcialmente provida.
10. Concessão de habeas corpus, de ofício, para excluir da pena o aumento previsto no art. 71 do CP (continuidade delitiva).
 
TRF 1, Apelação Criminal N. 0001811-84.2006.4.01.3600 (2006.36.00.001811-2)/MT, Desembargador Federal Hilton Queiroz, 20.05.2013.

ACÓRDÃO
Decide a Turma dar provimento parcial à apelação e conceder habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Relator, à unanimidade.
4ª Turma do TRF da 1ª Região - 20/05/2013.

HILTON QUEIROZ
Desembargador Federal

RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Irani José de Almeida contra a sentença de fls. 341/344v, v. 2, que julgou procedente a denúncia para condená-lo pelo crime do art. 171, § 3º, do CP, a 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 43 (quarenta e três) dias-multa.

Nas razões de apelação, sustenta a defesa que: - o juízo originário reconhece que o apelante confessou seu delito, na fase inquisitória (fls. 176/177) e na fase processual (fls. 248/250); contribuindo o apelante para o desenrolar das investigações, deve o Juízo originário considerar tal fato na aplicação da pena (fl. 360, v. 2); - o apelante não tem a mente voltada para o crime e tampouco possui outros antecedentes criminais, devendo tal circunstância ser levada em conta na aplicação da pena (fl. 360); - o apelante jamais contribuiu dolosamente para a fraude perpetrada, pois, crente que havia adquirido o direito de aposentadoria, por indicação de terceiros aposentados, somente entregou sua CTPS para a advogada Maria Luiza dos Santos Camargo para que esta efetuasse o procedimento junto ao INSS (fl. 360); - ao contrário do que alega a empresa CORMAT, o apelante ali laborou no período alegado, fato confirmado pelas testemunhas arroladas e ouvidas no processo (fl. 360); - a aplicação da pena capital combatida deve também ser revista (fl. 361); - a acusação deve apresentar provas de certeza e a defesa pode limitar-se à prova de probabilidades, de verossimilhança, de credibilidade, que geram dúvidas, porque in dubio pro reo (fl. 363).

Ao final, requer a reforma total da sentença “por entender que esta não corresponde com a realidade factual (provas documentais, etc.) e de direito plasmada na exordial (...)”, nos seguintes termos:

“Fixação da pena-base em seu mínino legal, levando em conta as circunstâncias favoráveis do réu, haja vista que o mesmo sequer foi preso ou processado conforme certidão colacionada nos autos.

Em relação ao prejuízo causado ao erário no valor de R$ 50.629,28, o réu agiu culposamente, acreditando que fazia jus ao pagamento de benefícios previdenciários, uma vez que o seu benefício foi analisado por técnicos da r. instituição previdenciária.

No tocante à fixação dos dias-multas que fora condenado (1/30) um trigésimo do salário-mínimo, o réu não possui situação financeira para liquidação da mesma, vez que é pessoa simplória, humilde e de pouco grau de instrução, sobrevivendo apenas dos seus serviços braçais.” (fl. 368, v. 2).

Houve contrarrazões (fls. 371/377, v. 2).

Nesta instância, a PRR/1ª Região opinou pelo provimento parcial do recurso, a fim de que, mantida a condenação, seja revista a individualização judicial da pena (fls. 382/387, v. 2).

É o relatório.

VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):
Esse o teor do requerimento ministerial iniciando o feito:

O Ministério Público Federal, pelo Procurador da República que esta subscreve, no uso de suas atribuições institucionais, vem, nos autos em epígrafe, oferecer a presente
DENÚNCIA
em desfavor de
IRANI JOSÉ DE ALMEIDA, brasileiro, casado, Operador de Usina, nascido em 02/01/1956, no Município de Poxoréo/MT, filho de João Catarino de Almeida e Altina C. de Almeida, portador do RG n. 223.859 - SSP/MT e do CPF n. 181.942.141.49, residente e domiciliado na Rua Elsa Onório dos Anjos, 20, Bairro Jardim Primavera II, Rondonópolis, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

DOS FATOS
Segundo consta nos autos, em 02/10/98 Irani José de Almeida requereu junto a atual Agência da Previdência Social de Rondonópolis/MT a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, conforme consta na documentação juntada aos autos às fls. 09/74.
Após a realização de uma auditoria interna no INSS em Mato Grosso, em que foi feita uma revisão nos processos de concessão de benefícios previdenciários, constatou-se irregularidade na concessão do benefício à denunciada, posto que não restou comprovado o tempo mínimo de serviço.
Foi apurado em processo administrativo instaurado pela Equipe de Auditoria do INSS divergências de informações dos vínculos empregatícios demonstrados pelo denunciado Irani José de Almeida. Ficou comprovado que o vínculo correto junto à Empresa SEBIVAL foi no período de 01/02/1978 a 11/08/1978, não ficou comprovado o período de 17/04/1979 a 03/01/1980 junto à Empresa CORMAT, conforme documentos de fls. 69/73 e 76/77. 
Outro fato apurado pela referida Auditoria foi a alteração da CTPS tendo em vista que conforme documentos - ficha de Registro de Empregados, arquivados junto à empresa CEMAT, consta a emissão em 09/08/1977, ficando comprovado a alteração na referida CTPS para 09/08/1970.
A defesa administrativa apresentada pelo denunciado em nada o isentou de culpa, tendo em vista que não foram apresentados elementos novos, e mesmo após nova recontagem no tempo de serviço o denunciado, mesmo assim, não atingiu o tempo mínimo necessário a manutenção do benefício, motivo pelo qual foi mantida a suspensão do benefício.
Outro fato que corrobora para a autoria e materialidade do delito imputado ao denunciado é a assinatura do mesmo oposta nos documentos que instruíam o pedido de aposentadoria e, ao ser interrogado, reconheceu as assinaturas.
Por fim, este órgão ministerial deixa de denunciar Maria Luiza dos Santos Camargo por inexistir nos autos quaisquer indícios que levem a concluir pela sua participação do delito que ora se discute.
Assim ao agir com liame de vontade e esforços na obtenção de concessão irregular de benefícios de aposentadoria por tempo de serviço, valendo-se de meio fraudulento, em detrimento de entidade de direito público, o Denunciado incorreu, espontânea e voluntariamente, nas penas dos tipos abaixo relacionados:
- IRANI JOSÉ DA SILVA: ao obter vantagem indevida, valendo-se de fraude, e causando prejuízo à autarquia previdenciária, incorreu nas penas do art. 171, § 3° do Código Penal.
” (fls. 02/04).

Processada a causa, o magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o acusado pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do CP (fl. 343v, v. 2).

Passo à análise da apelação.

A defesa sustenta, em síntese, que o apelante não contribuiu dolosamente para a fraude perpetrada, pois, “crente que havia adquirido o direito de aposentadoria, por indicação de terceiros aposentados, somente entregou sua CTPS para a advogada Maria Luiza dos Santos Camargo para que esta efetuasse o procedimento junto ao INSS” (fl. 360, v. 2).

Não é o que denota o conjunto probatório acostado aos autos.

Na sentença, assim decidiu o magistrado com relação à materialidade delitiva:

Na peça acusatória o Ministério Público Federal imputa ao réu a prática do delito previsto no art. 171, § 3° do Código Penal, que assim dispõe:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
§ 3° - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

Infere-se da denúncia que o acusado obteve a concessão de aposentadoria por tempo de serviço em virtude de vínculos empregatícios falsos. Assim, restou constatado pelo INSS, através de procedimento administrativo, que IRANI JOSÉ trabalhou na empresa Segurança Bancária Ind. Valores LTDA.­ - SEBIVAL de 01.02.78 a 11.08.78, sendo que em sua CTPS constava o período de 01.02.70 a 11.08.78, totalizando uma diferença a maior de 08 anos. Além disso, foi apurado pela autarquia que o vínculo empregatício com a empresa Corpo de Vigilantes de Mato Grosso - CORMAT, de 17.04.79 a 03.01.80, não existiu.
A materialidade do delito restou comprovada pelos documentos contidos no processo administrativo instaurado pelo INSS, notadamente os de fls. 14, 48/49 (concessão do benefício), 53, 59, 71 e 75 (dados dos vínculos empregatícios), 58 (data da emissão da CTPS), 67, 76/78 (constatação de irregularidade), 147/148 (conclusões da auditoria), 150/151 (histórico de crédito), bem como pelo documento de fls. 196 (inexistência de vínculo).
” (fls. 342/342v, v. 2).

Já quanto à autoria delitiva, com propriedade, consignou o juiz:

A autoria também se encontra incontroversa diante das declarações prestadas pelo réu perante a autoridade policial (fls. 176/177) e em juízo (fls. 248/250), oportunidades em que confirmou que o verdadeiro vínculo empregatício com a empresa SEBIVAL perdurou de 01.02.98 a 11.08.78, divergindo do período constante de seu requerimento perante o INSS (01.02.70 a 11.08.78). 
Observa-se que o réu tenta se eximir da responsabilidade pelas alterações inseridas em sua CTPS ao sustentar que entregou o referido documento aos seus advogados a fim de que estes verificassem a possibilidade de concessão de aposentadoria.
Todavia, tal alegação não merece guarida, vez que o próprio réu afirmou que seu advogado lhe entregou a documentação, que incluía sua CTPS, e o orientou a protocolizá-la junto ao INSS. Portanto, é certo que IRANI JOSÉ teve acesso ao documento adulterado antes de sua entrega à Previdência, ao contrário do que alega.
Destarte, mostra-se evidente que o denunciado tinha pleno conhecimento das irregularidades inseridas em sua CTPS e as utilizou para obter benefício previdenciário indevido.
Quanto ao vínculo empregatício com a empresa CORMAT, depreende-se dos ofícios de fls. 75 e 196, que a aludida empresa informou que IRANI JOSÉ nunca fez parte do quadro de funcionários.
Ademais, a carteira funcional apresentada pela defesa não comprova de forma satisfatória a existência do referido vínculo empregatício, tampouco o período em que teria supostamente trabalhado na empresa.
No tocante ao suposto período de trabalho rural, alegado pela defesa, extrai-se do procedimento administrativo instaurado perante o INSS, que tal período não foi considerado para a concessão de aposentadoria, em razão de decisão devidamente fundamentada, na qual restou concluído que a ausência de provas materiais enseja o não reconhecimento do tempo de serviço (fl. 147).
Além disso, tal questão mostra-se irrelevante no presente caso, haja vista que a controvérsia em tela cinge-se aos vínculos empregatícios falsos utilizados para a obtenção do benefício previdenciário e não à existência de tempo de serviço suficiente para a concessão da aposentadoria à época dos fatos. Assim, ainda que o aludido vínculo seja reconhecido, tal fato não elide as falsificações inseridas na CTPS.
Quanto à alegação de que não cabe ao INSS cobrar a regularização dos documentos oito anos após a concessão da aposentadoria, ao argumento de que à época dos fatos estes foram devidamente analisados pelos servidores da autarquia e aprovados, não lhe sendo exigida qualquer retificação, verifico que tal alegação se trata de matéria administrativa, a qual refoge ao âmbito criminal, em virtude da independência entre as esferas penal e administrativa.
Não obstante, ad argumentadum tantum, vale salientar que, consoante o disposto no art. 103-A da Lei n. 8.213/91, o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, salvo comprovada a má-fé. Portanto, o decurso de oito anos alegado pela defesa não impede o INSS de rever a concessão da aposentadoria concedida indevidamente ao réu.
” (fls. 342v/343, v. 2).

Com acerto, acrescentou o magistrado:
Por outro lado, sabe-se que o ato ilegal não se convalida com o tempo. Portanto, a partir do momento em que a Administração reconhece que praticou um ato contrário ao ordenamento jurídico, deverá tomar as providências necessárias para restabelecer a legalidade, independentemente de decurso de prazo.” (fl. 343).

Vê-se, pois, que a materialidade, a autoria e o dolo restaram devidamente comprovados. Como bem entendeu o magistrado, o acusado tinha plena consciência de que não tinha tempo de contribuição suficiente para a obtenção do benefício, concorrendo dolosamente para o crime em comento.

Mister destacar que, embora em sua defesa junto ao INSS, na fase policial e em Juízo o apelante tenha afirmado que, de fato, trabalhara na empresa SEBIVAL - SEGURANÇA BANCÁRIA somente de fevereiro a agosto de 1978 (10/02/78 a 11/08/78 - fl. 81; 01/02/1978 a 11/08/1978 - fl. 176 e 01/02/1978 a 11/08/1978 - fl. 250), o réu assinou o Requerimento de Benefícios - Aposentadoria por Tempo de Serviço, que indica o período de 01/02/1970 (e não 1978) a 11/08/1978, ou seja, uma notável diferença de 8 (oito) anos de serviço a mais (fls. 13/15). Ressalto que, em seu depoimento na fase policial, o acusado reconheceu como sua a assinatura posta no referido documento (fl. 175).

Noutro giro, na defesa apresentada ao INSS, o réu não fez qualquer menção à participação de advogados na análise e preparação dos documentos necessários para o pedido de aposentadoria (fls. 80/90). Porém, na fase policial, declarou que:

(...) em 1998 entrou com requerimento de aposentadoria por tempo de serviço reconhecendo como sua a assinatura posta no documento de fl. 09; QUE de lá para cá vem recebendo benefício previdenciário no valor de R$ 1.442,00 (um mil quatrocentos e quarenta e dois), esclarece, contudo, que seu benefício ficou suspenso de julho (07) a dezembro (12) de dois mil e dois (2002), sendo que foi restabelecido por força de Liminar em Mandado de Segurança (Processo n. 2002.7824-7); QUE quando do requerimento de benefício previdenciário fora auxiliado pelo Advogado Dr. VANDIR, o qual trabalha junto com a Dra. MARIA LUÍZA DOS SANTOS CAMARGO; QUE o INTERROGADO entregou suas duas (02) CTPS ao advogado VANDIR para que analisasse os documentos e verificasse sobre a possibilidade de sua aposentadoria; QUE dias depois o INTERROGADO retornou ao escritório de MARIA LUÍZA e VANDIR, oportunidade em que recebeu das mãos de VANDIR as duas carteiras de trabalho e outros diversos documentos providenciados pelo Causídico; QUE em seguida, o Advogado então lhe orientou a protocolar toda aquela documentação junto a Autarquia Federal, bem como apresentar as Carteiras de Trabalho para comprovar os períodos trabalhados; QUE de posse da referida documentação, o INTERROGADO se dirigiu ao INSS e efetuou o requerimento de benefício; QUE teve seu primeiro emprego na lavoura no ano de 1970 (um mil novecentos e setenta) para o Sr. FRANCISCO BORGES DOS SANTOS tendo permanecido nesse emprego até 1978 (um mil novecentos e setenta e oito) na cidade de Poxoréo/MT; QUE em seguida, mudou-se para Cuiabá onde passou a trabalhar na empresa SEBIVAL de 01.02.1978 até 11.08.1978; QUE posteriormente, passou a trabalhar como assistente de pedreiro e em seguida voltou a se empregar em empresa de segurança, dessa vez na empresa CORMAT de 17.04.1979 a 03.01.1980; QUE novamente voltou a trabalhar como assistente de pedreiro após sair da CORMAT sendo que em 10.07.1980, conseguiu emprego junto a CEMAT onde lá permaneceu até sua aposentadoria no ano de 1998; QUE questionado acerca das CTPS IRANI apresentou a essa autoridade policial apenas a segunda via da CTPS n. 30.910, série 547, esclarecendo que a primeira via do documento obreiro está desaparecida, contudo, se compromete a procurar o mencionado documento e apresentá-lo a essa Autoridade policial; QUE questionado acerca da foto constante da CTPS apresentada e ora apreendida onde aparece o fragmento de um carimbo com nome ‘ministério’, fragmento esse, não completado pelo carimbo do Ministério do Trabalho constante da Carteira, o INTERROGADO esclarece que por oportunidade da feitura do documento trabalhista, utilizou-se de uma fotografia retirado de outro documento pois não tinha nenhuma outra foto ali consigo; QUE questionado o motivo pelo qual o carimbo constante da CTPS não se sobrepôs à foto, como se a foto houvesse sido posta sobre o carimbo, o INTERROGADO não soube explicar tal fato, contudo, aventou a possibilidade se ter carimbado a Carteira (sic) ter sido carimbada antes da colagem da foto, apesar de afirmar ter entregue a foto no momento da confecção do documento Trabalhista na Rodoviária de Cuiabá/MT; QUE questionado o motivo pelo qual consta em seu requerimento de aposentadoria que teria trabalhado na empresa SEBIVAL desde 01.02.1970 até 11.08.1978, o INTERROGADO não soube explicar a origem de tal informação aludindo que efetivamente só iniciou sua atividade laborativa junto a mencionada empresa a partir de 01.02.1978 e não 1970 como declarado junto ao INSS; QUE pode afirmar com certeza que quando repassou sua Carteira ao Dr. VANDIR o período que se encontrava anotado com a empresa SEBIVAL tinha como data de admissão 01.02.1978, contudo, não se recorda se a referida data fora adulterada no período em que o documento ficou na posse do causídico; QUE pelos serviços do Dr. VANDIR o INTERROGADO desembolsou uma certa quantia, contudo, não se recorda de quanto foi pago; (...).” (fls. 175/176).

Observa-se que o apelante afirmou que fora auxiliado pelo causídico Vandir, o qual trabalhava com a advogada Maria Luiza dos Santos Camargo; que entregara as duas CTPS ao advogado Vandir para que analisasse os documentos e verificasse sobre a possibilidade de sua aposentadoria; que, dias depois, recebeu das mãos do advogado Vandir as duas CTPS e outros diversos documentos providenciados pelo causídico, que o orientou.

Em Juízo, o réu alterou mais uma vez sua declaração, afirmando que entregara sua carteira à advogada Maria Luzia. Declarou que:

(...) do jeito que pegou sua documentação na CEMAT entregou para sua advogada Maria Luiza; QUE não adulterou nenhum documento; QUE de 17.04.1979 a 03.04.1980, trabalhou na empresa CORMAT; QUE tem comprovação de tal fato, inclusive o crachá funcional que ficou com o pessoal da Polícia Federal; QUE as anotações na sua carteira estavam corretas; QUE foi admitido na CEMAT no dia 10.07.1980; QUE segundo informação de sua advogada Maria Luiza o seu tempo de serviço dava para ele se aposentar; QUE teve a indicação por intermédio de seus colegas que estavam se aposentando; QUE não sabia que não precisava de advogado para requerer sua aposentadoria junto ao INSS; QUE quem ficou com sua carteira foi a Dra. Maria Luiza que trabalha também com o Dr. Vandir; QUE não chegou a ver a carteira com a alteração mencionada na acusação; QUE não teve acesso as provas referidas na acusação; QUE no dia do interrogatório na Polícia Federal, entregou o seu crachá funcional que usava quando era empregado da CORMAT bem como a segunda via da carteira de trabalho; QUE não conhece as testemunhas arroladas pela acusação; QUE gostaria de acrescentar em sua defesa que trabalhou na CORMAT de (17.04.1979 à 03.01.1980) e na empresa SEBIVAL no período de (01.02.1978 a 11.08.1978) e que trabalhou na CEMAT de 1980 a 1998; QUE nunca foi preso, nem processado. Às reperguntas formuladas pelo juiz, a pedido da acusação, disse o interrogando: QUE na época da privatização da CEMAT ouviu dizer que estava sendo incentivado a aposentadoria dos empregados mais antigos; QUE vendo colegas seus se aposentando nesta época; QUE se animou a procurar a advogada recomendada pelos referidos colegas; QUE se lembra que pagou honorários para sua advogada mas não se lembra a importância e quando efetuou o pagamento; QUE se lembra que os colegas Carlito e Antônio Severo também se aposentaram na mesma época; QUE tem (sic) conhecimento se Antônio Severo também foi cliente da Dra. Maria Luiza; QUE existem outros colegas mas não se lembra os nomes; (...)” (fls. 249/250).

No mesmo sentido, nas alegações finais, a defesa sustenta que o denunciado não tem responsabilidade sobre a autenticidade de documentos, uma vez que foram entregues à advogada para patrocinar sua ação, não mencionando o advogado Vandir (fl. 335, v. 2). Simultaneamente, a defesa, embora afirme que, se erro houve, não se quer que o impute ao funcionário autárquico (fl. 334), também alega que os funcionários da autarquia não obraram de forma regular, que não consultaram os dados apresentados pelo réu (fl. 335).

Ocorre que a defesa sequer arrolou como testemunhas os mencionados causídicos, ou colegas de trabalho do réu ou, ainda, funcionários do INSS, no sentido de comprovar as alegações do apelante. A advogada Maria Luiza dos Santos Camargo chegou a ser indiciada (fls. 208 e 212) e foi ouvida na fase policial, onde não afirmou que tenha orientado o apelante quanto ao seu pedido de aposentadoria junto ao INSS (fls. 214/215). Destaco, também, que o Ministério Público Federal deixou de denunciar a mencionada advogada, “por inexistir nos autos quaisquer indícios que levem a concluir pela sua participação no delito que ora se discute” (fl. 04).

Outrossim, afirmou o apelante, na fase policial, que a primeira via da CTPS n. 30910, série 547, estava desaparecida, contudo, comprometeu-se a procurar o mencionado documento e apresentá-lo à autoridade policial (fl. 176), o que nunca ocorreu, sem qualquer explicação da defesa.

Com efeito, a defesa não logrou abalar os fundamentos adotados na sentença em desfavor do apelante, não se aplicando ao caso o princípio do in dubio pro reo. Não há dúvida de que o apelante agiu com dolo, que, “No estelionato, (...) é a vontade de praticar a conduta, iludindo a vítima, exigindo-se o elemento subjetivo do injusto que é a vontade de obter vantagem ilícita para si ou para outrem” (in MIRABETE. JULIO FABBRINI. Código penal interpretado. 5. e. São Paulo: Atlas, 2005, p. 1567).

Dessarte, não foi comprovada a boa-fé do apelante, impondo-se a manutenção de sua condenação como incurso nas penas do art. 171, § 3º, do CP.

Quanto às penas impostas ao apelante, a defesa requer a fixação da pena-base no mínimo legal (fls. 361 e 368, v. 2), o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão (fl. 360) e a exclusão da reparação de dano, fixada em R$ 50.629,28 (fl. 368). Também alega que o apelante não possui situação financeira para a liquidação dos dias-multas a que foi condenado, à razão de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo, vez que é pessoa simplória, humilde e de pouco grau de instrução, sobrevivendo apenas dos seus serviços braçais (fl. 368).

No que se refere à dosimetria, decidiu o magistrado:
Com fulcro no que dispõe o artigo 68, do Código Penal, e, levando-se em consideração as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do mencionado diploma legal, tenho que não se encontram presentes nos autos elementos suficientes para se aferir a conduta social e a personalidade do réu, a conduta da vítima, bem como observo que o réu não registra antecedentes (fl. 183).
Ainda, como circunstâncias favoráveis, registro o fato de que as circunstâncias específicas não foram graves.
As demais circunstâncias são desfavoráveis ao réu.
A culpabilidade presente na reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu que, podendo agir de conformidade, preferiu atuar contra o ordenamento jurídico. Vejo que o acusado agiu com dolo ao requerer o benefício previdenciário utilizando-se de informações falsas inseridas em sua CTPS, bem como ao recebê-lo indevidamente.
Os motivos são condenáveis e injustificáveis, haja vista que o acusado auferiu benefício social indevido, lesando o erário federal.
São graves as consequências do crime, vez que causou um prejuízo ao erário no valor de R$ 50.629,28, dinheiro esse que teria como destino o pagamento de benefícios previdenciários àqueles que, de fato, fazem jus ao recebimento. Ademais, cumpre registrar que a prática delituosa em questão leva ao aumento do enorme déficit existente no sistema previdenciário social brasileiro, há muito carente dos recursos necessários para o cumprimento de suas metas.
As circunstâncias judiciais supracitadas, analisadas de forma conjunta, autorizam a fixação da pena-base acima do mínimo, mormente face às graves consequências sociais do crime. Desta forma, fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão e multa de 20 (vinte) dias-multa.
Ausentes as circunstâncias agravantes e atenuantes.
Presente a causa especial de aumento prevista no § 3° do art. 171 do CPB (estelionato cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência), a pena anterior deve ser aumentada em 1/3 (um terço), alcançando-se a pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e multa de 26 (vinte e seis) dias-multa.
Ausentes causas de diminuição e presente, ainda, a causa de aumento do crime continuado, prevista no artigo 71 do Código Penal, por serem os fatos praticados pelo réu da mesma espécie, tendo ocorrido sob as mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, aumento a pena de reclusão e a de multa no patamar de 2/3 (um terço) (sic), tendo em vista que o acusado manteve o INSS em erro durante quase quatro anos (02.10.98 a 30.06.02), ensejando a pagamento indevido de R$ 50.629,28 a título de aposentadoria, alcançando-se a pena de 04 (quatro) anos e 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e multa de 43 (quarenta e três) dias-multa.
Por inexistir nos autos prova da situação financeira do réu, fixo o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, na forma do art. 49, § 1° do Código Penal.
Considerando o quantum da pena imposta e as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a pena deverá ser cumprida em regime semi­-berto, na forma do art. 33, parágrafo 2°, alínea ‘c’, também do Código Penal.
Considerando, ainda, o quantum da pena imposta, deixo de substituir a pena privativa de liberdade acima fixada por pena restritiva de direitos (artigo 44, inciso I, do CP).
Nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, fixo como sendo o valor mínimo de indenização por parte do réu, em prol da União, a quantia de R$ 50.629,28 (cinquenta mil, seiscentos e vinte e nove reais e vinte e oito centavos) a ser devidamente atualizada, valor este correspondente ao prejuízo previdenciário.
” (fls. 343v/344v, v. 2).

A pena prevista para o crime do art. 171, § 3º, do CP é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

O magistrado fixou a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão e multa de 20 (vinte) dias-multa (fl. 344, v. 2), que entendo exacerbada no caso em tela.

Com efeito, entendo que as circunstâncias judiciais valoradas negativamente pelo magistrado são ínsitas ao delito em comento, devendo a pena-base ser fixada no mínimo legal. Nessa mesma esteira, destaco o seguinte excerto do opinativo ministerial, da lavra do Procurador Regional da República dr. Paulo Queiroz:

(...) deve ser revista a individualização da pena.
Com efeito, a sentença incorreu em bis in idem ao valorar negativamente a culpabilidade, assim fundamentando, no particular (fl. 343v):
A culpabilidade presente na reprovabilidade da conduta perpetrada pelo réu que, podendo agir de conformidade, preferiu atuar contra o ordenamento jurídico. Vejo que o acusado agiu com dolo ao requerer o benefício previdenciário utilizando-se de informações falsas inseridas em sua CTPS, bem como ao recebê-lo indevidamente.
Ocorre que tanto o dolo (elemento do tipo) quanto a atuação contrária ao ordenamento jurídico (ilicitude) constituem requisitos do próprio crime; logo, são pressupostos da condenação, razão pela qual não podem figurar como circunstância judicial.
Houve bis in idem, ainda, ao valorar como desfavoráveis os motivos e as consequências do crime, sob o argumento, respectivamente, de que ‘o acusado auferiu benefício social indevido, lesando o erário federal’ e de que ‘causou um prejuízo ao erário no valor de R$ 50.629,28, dinheiro esse que teria como destino o pagamento de benefícios previdenciários àqueles que, de fato, fazem jus ao recebimento’ (fl. 343v).
É que a obtenção de vantagem indevida é elemento do tipo penal, e o prejuízo que dela resultou é o próprio resultado típico inerente aos crimes consumados. Assim, tais circunstâncias já foram consideradas, seja pelo próprio caput do art. 171 do CP, seja para fazer incidir a causa de aumento de 1/3 (um terço), prevista no § 3° do art. 171, do Código Penal.
” (fls. 385/386, v. 2).

Outrossim, considerando as circunstâncias do caso em tela, o apelante, em princípio, tem direito à aplicação da circunstância atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, “d”, do CP. Quanto ao tema, por sua pertinência, adoto, como razões de decidir, o seguinte excerto do supracitado opinativo ministerial de fls. 382/387:

O apelante faz também jus à atenuante espontânea.
Primeiro, porque, embora tenha afirmado ‘que a acusação não é verdadeira’ (fl. 249) e negado o conhecimento a respeito da adulteração de sua CTPS, prestou relevantes informações ao juízo, ao confessar que ‘trabalhou na CORMAT de (17.04.1979 à 03.01.1980) e na empresa SEBIVAL no período de 01.01.1978 à 11.08.1978) e que trabalhou na CEMAT de 1980 a 1998’ (fls. 249/250), afastando, assim, a veracidade das anotações constantes em sua CTPS.
Segundo, porque o juiz considerou tais informações para fundamentar a condenação, como se vê à fl. 342:
A autoria também se encontra incontroversa diante das declarações prestadas pelo réu perante a autoridade policial (fls. 176/177) e em juízo (fls. 248/250), oportunidade em que confirmou que o verdadeiro vínculo empregatício com a empresa SEBIVAL perdurou de 01.02.98 a 11.08.78, divergindo do período constante de seu requerimento perante o INSS (01.02.70 a 11.08.78).
” (fls. 386/387, v. 2).

Porém, considerando a Súmula 231 do STJ, segundo a qual “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”, deixo de aplicar referida atenuante, em face da redução da pena-base para o mínimo legal.

Noutro giro, o art. 71 do CP prevê o seguinte:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

A caracterização do crime continuado pressupõe a ocorrência de requisitos objetivos, consistentes na existência de mais de uma ação ou omissão, prática de dois ou mais crimes da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes e que os crimes subsequentes constituam continuação da primeira conduta (HC 107276, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 13/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 06-10-2011 PUBLIC 07-10-2011), bem como da ocorrência de requisito subjetivo, relativo à unidade de desígnios.

Ocorre que, sendo o agente do crime o próprio beneficiário, apenas uma conduta foi praticada, qual seja, a obtenção de um benefício indevido mediante fraude, sendo tal benefício recebido periodicamente.

Nesses casos, tem considerado esta Corte Regional que o delito de estelionato contra a Previdência Social, que se constitui na reiteração mensal da conduta de receber aposentadoria indevida, caracteriza-se como crime permanente, onde a ação é contínua e indivisível, o que leva à consequente descaracterização da continuidade delitiva, considerando que esta exige a realização de mais de uma conduta criminosa, que exige circunstâncias semelhantes e é fixada de acordo com o número das infrações cometidas.

Nesse diapasão, são os seguintes precedentes jurisprudenciais desta Corte Regional:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 171, § 3º, DO CP. ESTELIONATO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DAS PENAS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO APLICAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTAMENTO. REGIME DE CUMPRIMENTO. SUBSTITUIÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.
1. Materialidade e autoria do crime de estelionato comprovadas (artigo 171, § 3º, do CPB), eis que a ré percebeu indevidamente valores relativos ao benefício previdenciário de pensão por morte de sua mãe, após o falecimento desta.
(...)
5. O estelionato praticado contra a Previdência pelo próprio beneficiário é crime permanente, que se renova a cada recebimento indevido, prolongando-se no tempo o efeito delitivo. Precedentes. Afastamento da continuidade delitiva.
(...)
8. Apelação da ré parcialmente provida, para alterar o regime de cumprimento da pena.
9. Concessão de habeas corpus, de ofício, para excluir da pena o aumento da continuidade delitiva.
” (grifei)
(ACR 0018166-76.2009.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, Terceira Turma, e-DJF1 p.159 de 21/10/2011)

PENAL - ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - OBTENÇÃO, COM EMPREGO DE FRAUDE, DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PROVA INDICIÁRIA - POSSIBILIDADE - ART. 239 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - ESFERAS CÍVEL E PENAL - INDEPENDÊNCIA - ART. 935 DO CÓDIGO CIVIL - REITERAÇÃO MENSAL DA CONDUTA DE RECEBER APOSENTADORIA INDEVIDA - NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA - PRECEDENTES DO TRF/1ª REGIÃO - SENTENÇA REFORMADA.
I - Prática do crime descrito no art. 171, § 3º, do Código Penal, consubstanciado no emprego de fraude, perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para a obtenção indevida de aposentadoria por tempo de contribuição.
(...)
III - Autoria e materialidade delitivas sobejamente comprovadas.
(...)
V - A jurisprudência da 3ª Turma do TRF/1ª Região pacificou-se no sentido de que ‘o crime de estelionato contra a Previdência Social, que consiste na reiteração mensal da conduta de receber aposentadoria indevida, configura a hipótese de crime permanente, onde a ação é contínua e indivisível; o que, conseqüentemente, descaracteriza a continuidade delitiva, já que esta exige a realização de mais de uma ação criminosa, em circunstâncias semelhantes e é fixada de acordo com o número das infrações cometidas’ (ACR 2000.39.00.005370-0/PA, Relator Desembargador Federal Cândido Ribeiro, 3ª Turma do TRF/1ª Região, unânime, DJU de 29/07/2005, p. 25, entre outros julgados).
(...)
VII – Sentença reformada. Apelação provida.

(ACR 2001.32.00.003155-4/AM, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma, DJF1 de 30/04/2010 p. 59).

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA. PERCEPÇÃO FRAUDULENTA DE BENEFÍCIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Em se tratando de delito pertinente ao recebimento indevido de benefício da previdência social, o termo a quo do prazo prescricional será a última percepção supostamente fraudulenta do benefício, nos termos do que estabelece o art. 111, III, do Código Penal.
2. Em relação ao beneficiário da concessão supostamente fraudulenta de aposentadoria, cuja conduta consiste em auferir, mês a mês, as prestações previdenciárias a que sabe não possuir direito, o momento consumativo do crime prolonga-se no tempo, vindo a perdurar enquanto subsistir o recebimento ilícito do benefício. Trata-se, portanto, de crime permanente, no qual todo mês o beneficiário, tendo a possibilidade de sustar o dano, opta por manter a Previdência em erro e receber ilicitamente o benefício. Precedentes jurisprudenciais da Terceira Turma deste Tribunal Regional Federal.
(...)
5. Recurso em sentido estrito provido.

(RCCR 2007.39.00.001034-4/PA, Rel. Desembargador Federal I’talo Fioravanti Sabo Mendes, Quarta Turma, e-DJF1 de 31/07/2009, p. 76).

Quanto ao tema, destaco precedente do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM INDEFERIDA.
1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes.
2. No caso, o paciente, indevidamente, sacou os valores depositados na conta-corrente de sua falecida irmã no período de janeiro de 2000 a maio de 2005. É falar: em proveito próprio, ele cometeu a fraude contra a Administração Militar. Donde ressai a natureza permanente da infração, a atrair a incidência do inciso III do art. 111 do Código Penal.
3. Habeas corpus indeferido.

(STF, HC 104880, Rel. Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 22-10-2010).

Dessarte, no caso em tela, sendo o agente do delito o próprio beneficiário, o crime é permanente, protraindo-se no tempo em razão das parcelas recebidas indevidamente pelo segurado. Não há uma renovação de conduta de modo a justificar a exacerbação da pena.

Isto posto, impõe-se a exclusão, de ofício, da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal.

À vista de tais considerações, passo à revisão da dosimetria, nos termos do art. 59 do Código Penal.

Na primeira fase, considerando favoráveis ao réu todas as circunstâncias judiciais, reduzo a pena-base para o mínimo legal, de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Assim sendo, deixo de aplicar a circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, “d”, do Código Penal (confissão espontânea), nos termos na Súmula 231 do STJ. Não há circunstância agravante da pena.

Não há causas de diminuição da pena. Fica mantido o recrudescimento da pena, em 1/3 (um terço), por se tratar de delito contra autarquia previdenciária - parágrafo 3º do art. 171 do CP, perfazendo uma pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

Não se aplica ao caso em tela o art. 71 do Código Penal, bem como não há outra causa de aumento da pena, que torno definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

Mantenho o valor do dia-multa, que já foi fixado na sentença no mínimo previsto no art. 49, § 1º, do CP (fl. 344, v. 2), de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, a ser corrigido monetariamente até seu efetivo pagamento.

A pena deverá ser cumprida em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c”, do CP.

Considerando o quantum da pena ora aplicada, substituo a privação de liberdade imposta ao apelante por duas penas privativas de direitos, nos termos do art. 44 do CP, a serem definidas no Juízo da Execução.

Finalmente, no tocante ao pedido de afastamento do valor arbitrado a título de reparação de dano, entendo assistir razão ao apelante.

Com efeito, a lei que conferiu nova redação ao art. 387 do CPP foi editada em 2008, posteriormente aos fatos em exame (1998 a 2002).

A propósito, com relação à aplicação do princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, trago à colação precedentes da col. 3ª Turma desta Corte, que ao julgar casos semelhantes, assim decidiu:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DAS PENAS. PENA-BASE. REDUÇÃO. AGRAVANTE. REGIME DE CUMPRIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS. RESSARCIMENTO DO DANO. AFASTAMENTO. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
(...)
5. Afastamento da determinação de ressarcimento do dano pela ré, eis que o artigo 387, IV, do CPP teve sua redação determinada pela Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, data posterior aos fatos analisados. Embora inserida no Código de Processo Penal, não há dúvidas quanto ao seu caráter de norma de direito material, razão pela qual aplicável o princípio da ‘irretroatividade da lei penal gravosa’.
6. Apelação da ré provida, em parte, para reduzir as penas, alterar o regime de cumprimento, substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e, ainda, excluir da condenação à reparação de danos.”
(ACR 2009.35.00.021244-4/GO, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, 3ª Turma, e-DJF1 p. 1027 de 27/04/2012).
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. FATO DELITIVO OCORRIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI 11.719/2008. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS SEVERA (ART. 5º, XL, DA CF/88).
(...)
2. Em observância ao princípio da irretroatividade da lei penal mais severa (art. 5º, XL, da CF/88), inviável a incidência do regramento do art. 387, IV, do CPP (que possui nítido caráter material), ao caso concreto, pois que os fatos delitivos ocorreram no período compreendido entre 04/06/1999 a 22/11/2004 e a Lei 11.719/2008, que deu nova redação ao mencionado artigo, conferindo a possibilidade de o julgador, na esfera criminal, fixar valor mínimo para reparação de danos, passou a vigorar no ano de 2008, de modo que dito preceito não pode alcançar os processos em andamento, como na hipótese.
3. Apelação parcialmente provida, apenas para afastar o valor mínimo de indenização para reparar o dano, fixado na sentença.

(ACR 47.22.01040-1/MA, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, 3ª Turma, e-DJF1 p. 1030 de 27/04/2012).

Com essas considerações, desconstituo a condenação a título de reparação de danos (art. 387, IV, do CPP).

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, para reduzir as penas impostas ao apelante, nos termos da fundamentação exarada linhas retro, para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa; substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem definidas no Juízo da Execução, e desconstituir a condenação a título de reparação de danos (art. 387, IV, do CPP). Concedo habeas corpus, de ofício, para excluir a causa de aumento de pena prevista no art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva).

É o voto.

VOTO – REVISOR
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (REVISORA CONVOCADA) : -

Feita a revisão no presente feito, nada tenho a acrescentar ao relatório de fl. 386.

Da análise dos autos, verifica-se que a materialidade e a autoria do delito pelo qual foi o acusado, ora apelante, condenado em primeiro grau de jurisdição restaram demonstradas nos autos, na forma do visualizado pelo MM. Juízo Federal a quo, ao proferir a v. sentença apelada (fls. 341/344v, sobretudo às fls. 342/343v, em face do que, com a licença de entendimento outro, não há que se falar in casu na ausência, ou mesmo na insuficiência, de provas a ensejar a edição de um decreto condenatório.

Não merece, assim, concessa venia, ser reformada a v. sentença apelada quanto a essa questão. Quanto à dosimetria da pena, afigura-se, data venia, assistir parcialmente razão ao acusado, ora apelante.

Com efeito, da análise dos autos, na forma da manifestação do d. Ministério Pùblico Federal às fls. 385/387, verifica-se que as circunstâncias judiciais valoradas negativamente pelo MM. Juízo Federal sentenciante (culpabilidade, os motivos e as conseqüências do crime), são ínsitas ao tipo penal, razão pela qual a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, qual seja, 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Em face do que dispõe a súmula nº 231, do egrégio Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal, deixo de considerar a atenuante da confissão espontânea.

Em face do § 3º, do art. 171, do Código Penal, recrudesço a pena em 1/3 (um terço), perfazendo 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

No caso, se tratando o agente do delito do próprio beneficiário, deixo de considerar a causa de aumento prevista no art. 71, do Código Penal.

Assim, torno a pena definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, a ser cumprida em regime aberto.

Substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, a serem fixadas pelo Juízo da Execução.

Por fim, considerando que a alteração introduzida no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, pela Lei 11.719/2008, ao prever que “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido” , é posterior à conduta delituosa imputada ao acusado, ora apelante (1998 a 2002 – fl. 157), deve ser excluída a v. sentença apelada a parte que fixou o valor de R$ 50.629,28, para fins de reparação do dano causado à Previdência Social.

Diante disso, dou parcial provimento à apelação, nos termos acima expostos e concedo habeas corpus de ofício para excluir da condenação a continuidade delitiva.

É o voto.

CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO
Juíza Federal
(Revisora Convocada)

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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