sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A culpa concorrente no acidente de trabalho e o dever de indenizar.

Nesta sexta a jurisprudência a ser vista trata sobre o acidente de trabalho, a qual traz que mesmo que o empregado tenha concorrido para o acidente, isto não exclui a responsabilidade da empregadora se ela foi negligente no acompanhamento do serviço.

No caso abaixo, o empregado perdeu três dedos quando trabalhava com uma ferramenta elétrica, contudo o mesmo afirmou que foi contratado para exercer uma função, porém acabou sendo desviado. Por sua vez, a empregadora alegou que apesar do empregado realizar outras atividades para as quais não tinha sido contratado ela nunca teria autorizado o uso da ferramenta elétrica, e que o empregado a utilizou por conta própria.

Conforme o desembargador José da Fonseca Martins Junior, relator do recurso ordinário, “a reclamada, através de outro empregado, jamais poderia permitir que o autor fosse desviado de sua função, sem ter conhecimento pleno sobre o trabalho a ser realizado e que, a toda evidência, prescindia de acompanhamento, orientação, fiscalização e fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) pela demandada que, não o fazendo, agiu de forma negligente”.

No presente caso houve a confirmação da culpa concorrente com a fixação de indenização na proporção da culpa das partes, em conformidade com o artigo 945 do Código Civil.Abaixo segue a decisão.

EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO - ACIDENTE DE TRABALHO – CULPA RECÍPROCA - DANO MORAL E DANO ESTÉTICO – CUMULAÇÃO DE INDENIZAÇÕES – POSSIBILIDADE.
Ainda que reste configurada a culpa concorrente ou a concorrência das causas, prevista no art. 945 do Código Civil, tal não tem o condão de excluir a responsabilidade civil do empregador, que o obriga a indenizar o ilícito observada a proporção da culpa das partes no evento ocorrido, sendo lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. Autorização contida na Súmula nº 387 do E. Superior Tribunal de Justiça. 
(TRT 1ª Região, Processo:0000793-79.2010.5.01.0245, 9ª Turma, Relator Desembargador Federal do Trabalho José da Fonseca Martins Junior, Publicação 28.07.2011)


Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO em que são partes COLÉGIO NOSSA SENHORA DAS MERCÊS - FONSECA ASSOCIAÇÃO BENEFICIENTE MERCEDÁRIA SANTO ANTÔNIO e FRANCISCO CARLOS FAUSTINO NETTO como recorrentes e OS MESMOS como
recorridos.
Inconformados com a r. sentença de fls. 75/77, complementada pela decisão de embargos de fl. 84, que julgou procedente em parte o pedido inicial, recorrem ordinariamente o autor à fls. 87/96 e a ré às fls. 97/107.
 
Sustenta o autor que muito embora o dano estético seja cumulável com o dano moral, deve ser arbitrado valor da indenização por dano estético distinto da indenização por dano moral, acarretando a sua majoração.Requer, ainda, a reforma da r. sentença, para que sejam deferidas pensão vitalícia e plano de saúde. Por fim, pretende a condenação da ré em honorários advocatícios. Por seu turno, a reclamada alega culpa exclusiva da vítima na ocorrência do acidente de trabalho, devendo ser afastada da condenação o pagamento da indenização por dano moral e estético. Depósito recursal e custas comprovados às fls. 108/109. Sem contrarrazões da ré apesar de intimada a fl. 110. Contrarrazões do autor às fls. 111/120. Sem parecer do douto Ministério Público do Trabalho, na forma do que dispõe o Ofício PRT/1ª Região n° 27/08-GAB, de 15 de janeiro de 2008.
É o relatório.
 
VOTO
CONHECIMENTO
Conheço dos recursos interpostos pelas partes, por preenchidos os
pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
RECURSO DA RECLAMADA



ACIDENTE DO TRABALHO – NEXO CAUSAL – INDENIZAÇÃO
DECORRENTE DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS
Afirma o autor na inicial, que foi contratado pela ré em 1º de julho de 2007, para o cargo de Auxiliar de Serviços Gerais, executando atividades relacionadas com a limpeza e conservação do patrimônio da reclamada. Não obstante, aduz que tendo em vista a realização de um evento, foi desviado de sua função no dia 10 de setembro de 2008, para realizar serviço de marcenaria no próprio estabelecimento da ré.
 
Sustenta que para executar o serviço teve que manusear uma ferramenta denominada “maquita” (serra circular utilizada para trabalhos com madeira), culminando com a amputação traumática de três dedos da mão esquerda, conforme se depreende da emissão da CAT (fl. 230) e do benefício previdenciário concedido na espécie acidentária (fl. 70).

A ré sustentou, por sua vez, ser indevida a indenização por danos morais e estéticos, decorrentes de acidente do trabalho, ante a culpa exclusiva do autor, o que exclui o nexo causal do acidente de trabalho. Não lhe assiste razão.
 
Incontroverso nos autos que o recorrido sofreu acidente quando operava a máquina denominada “maquita” nas instalações da ré, culminando com a amputação traumática de três dedos (mínimo, anular e médio) da sua mão esquerda. Com efeito, a testemunha ouvida a fl. 71 é taxativamente ao informar que não autorizou o autor a manusear a máquina denominada “maquita”, em que pese eventualmente chamá-lo para fazer algum serviço, tendo o recorrido apanhado a máquina alegando que sabia executar o serviço (fl. 71).

Desse modo, ainda que a prova oral produzida nos autos se revele dividida ou se o autor teve ou não autorização para pegar a máquina, não há que se atribuir culpa exclusiva à vítima, mas culpa concorrente das partes, na medida em que se verifica que a reclamada não forneceu treinamento adequado ao obreiro para manusear a máquina e tampouco o EPI, uma vez que na época do sinistro o reclamante exercia a função de Ajudante Geral e constata-se da instrução processual que ao manusear a “maquita”, esta deu um “tranco para trás”, tendo que se defender com a mão, para evitar que a máquina atingisse o seu abdômen.
 

Desse contexto podemos extrair que o autor agiu com imperícia e imprudência, sem prejuízo do fato de que a reclamada foi negligente no acompanhamento do serviço, ao não usar de seu poder diretivo para coibir eventual excesso do empregado, vez que apesar de não ter sido autorizado a pegar a máquina, informou o próprio recorrido que aquela presencial o chamou para ajudá-lo e mesmo sendo o único responsável pela utilização da ferramenta, nada fez para impedir o seu manuseio pelo outro empregado.

Contudo, ainda que reste configurada a culpa concorrente ou a concorrência das causas, prevista no art. 945 do Código Civil, tal não tem o condão de excluir a responsabilidade civil do empregador, que obriga seja a indenização decorrente do ilícito fixada na proporção da culpa das partes no evento ocorrido.


A festejada doutrina de Sebastião Geraldo de Oliveira estabelece o
seguinte:
(...) a culpa concorrente no acidente do trabalho deve ser avaliada com alguns ajustes e adequações em relação às demais hipóteses da responsabilidade civil, pelas condições singulares do vínculo de natureza empregatícia. Na relação de emprego, o trabalhador atua de forma subordinada, com limitado espaço para se insurgir contra os comandos patronais, mormente pela inexistência de garantia de emprego num período de acentuada precarização do contrato de trabalho. É de exclusiva escolha do empregador o local de trabalho, os métodos de produção, a estrutura organizacional.
 

(...) Está sedimentado o entendimento de que os acidentes do trabalho ocorrem em razão de uma rede de fatores causais, cujas variáveis são controladas, em sua maior parte, exclusivamente pelo
empregador. Com isso, muitas vezes a culpa patronal absorve ou neutraliza a culpa da vítima, em razão das diversas obrigações preventivas que a lei atribui às empresas.
 

(...) de adotar posicionamento definitivo sobre as hipóteses de força maior ou caso fortuito, é preciso avaliar se o empregador, pelo que ordinariamente acontece, dentro da razoabilidade e do estágio atual da tecnologia, poderia adotar medidas preventivas que teriam evitado o acidente ocorrido. Aliás, a falta de previdência do empregador caracteriza mesmo a sua culpa no acidente, ficando também reconhecido o nexo de causalidade do evento com a sua conduta omissa”. (in“Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional”, 4ª edição, São Paulo, LTr, 2008, páginas 149 e 184)

Assim, a culpa não pode ser atribuída exclusivamente à reclamada, pois restou demonstrada também a culpa do autor para o acidente, restando configurada, assim, a culpa concorrente, que mitiga, sem excluir, a do empregado. Ademais, é óbvio que a reclamada, através de outro empregado (sua longa manus), jamais poderia permitir que o autor fosse desviado de sua função, sem ter conhecimento pleno sobre o trabalho a ser realizado e que, a toda evidência, prescindia de acompanhamento, orientação, fiscalização e fornecimento de EPI pela demandada que, não o fazendo, agiu de forma negligente.


Diante desses fatos, não há como se descaracterizar o dano, o nexo de causalidade ou a culpa concorrente do autor e da ré pelo acidente, na forma do inciso VIII do art. 7º da CRFB. Finalmente, ainda que não restasse caracterizada culpa concorrente, temos que o valor arbitrado pelo juízo a quo a título de indenização por dano moral e estético (R$35.000,00), em face do qual a ré não se insurge, se apresenta razoável e proporcional aos fatos verificados.
Nego provimento.


RECURSO DO RECLAMANTE
DA CUMULAÇÃO DE DANOS MORAIS E ESTÉTICOS – DA MAJORAÇÃO DO VALOR
Sustenta o autor ser impossível a cumulação de indenização de dano
estético com dano moral, o mesmo ocorrendo com o dano moral e dano patrimonial, pretendendo a majoração dos valores respectivos. Não lhe assiste razão.


Como corolário do exposto no recurso da reclamada, em que pese restar caracterizado o dano estético, à vista da culpa concorrente do autor, restou fixado que o valor arbitrado na r. sentença recorrida se revela suficiente para efeito de indenização, sendo perfeitamente possível a cumulação de ambas as indenizações, como
corretamente decidido pelo Juízo a quo.


Nesse sentido e taxativamente autoriza a Súmula nº 387 do E. STJ:
“387 – É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral."

A seu turno, a jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho também perfilha do mesmo entendimento, verbis :
EMPREGADOR. (...) CUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO E DANO MORAL POSSIBILIDADE JURÍDICA. 

I O dano moral constitui lesão a direito "DANOS ESTÉTICO E MORAL PROVENIENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA" da personalidade e sua configuração se efetiva com o abalo sentimental da pessoa em sua consideração pessoal ou social, enquanto o dano estético pressupõe seqüela física, tratando-se de
lesão que compromete ou altera a harmonia física da vítima. 

II Apesar de não haver distinção ontológica entre o dano moral e o dano estético, esse se constitui numa subespécie daquele, visto que inconfundíveis os bens cuja reparação se procura obter, circunstância que dilucida a possibilidade jurídica da cumulação das respectivas indenizações, sem que se materialize o coibido bis in idem. Recurso conhecido e desprovido." (TST RR 780030072.2005.5.09.0092 , Relator Ministro : ANTÔNIO JOSÉ DE BARROS LEVENHAGEN, Data de Julgamento: 23/04/2008, 4ª Turma, Data de Publicação: 30/05/2008).
Nego provimento.


DA PENSÃO E PLANO DE SAÚDE VITALÍCIOS
A reparação por danos materiais, com fundamento no artigo 950 do Código Civil, que trata do pensionamento, deve ser fixada proporcionalmente à incapacidade do empregado, na razão direta do comprometimento patrimonial físico e/ou da incapacidade laborativa e depende da ocorrência de limitação definitiva para o trabalho.


Todavia, no caso sub examen, muito embora o autor, tendo em vista a amputação sofrida, restando apenas o indicador e o polegar da mão esquerda e que atualmente perceba o auxílio doença acidentário (Código 91), não ensejo o pensionamento vitalício, pois o autor não produziu prova pericial nos autos, para estabelecer o grau de incapacidade, se parcial ou total para o trabalho, na razão direta
da sua limitação física sofrida.

Assim, não há como se prover o recurso, quanto aos pedidos de pensão e plano de saúde, tendo andado bem a r. sentença recorrida, neste aspecto.
Nego provimento.


DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04, a ampliação da competência desta Justiça Especializada atraiu demandas que não envolvem relação de emprego, sendo devidos honorários advocatícios nos termos do artigo 5º, da Instrução Normativa Nº. 27/2005 do Tribunal Superior do Trabalho.

Já nas demandas que tem por objeto pedido de dano moral decorrente da relação de emprego, essa verba somente é devida nas hipóteses previstas na Lei 5.584/70, conforme jurisprudência cristalizada nas Súmulas 219 e 329 do C. TST e na Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1. Assim, são incabíveis os honorários, impondo-se manter a r. sentença neste aspecto.
Nego provimento.


PREQUESTIONAMENTO
Tendo este Relator adotado tese explícita sobre os diversos thema decidendum e sabendo-se que o juiz não está obrigado a refutar todos os argumentos das partes, desde que fundamente o julgado, nos termos do que dispõem os artigos 131 e 458 do CPC, 832 CLT e 93, inciso IX, da Constituição Federal, tem-se por prequestionados os dispositivos legais invocados pelo recorrente, como preconizado no inciso I da Súmula nº 297 do TST.


Isto posto, conheço dos recursos ordinários interpostos pelas partes e, no mérito, nego-lhes provimento.



ACORDAM os Exmos. Desembargadores da 9ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, nos termos da fundamentação do voto do Exmo. Sr. Relator, conhecer dos recursos ordinários interpostos pelas partes e, no mérito, negar-lhes provimento.
Rio de Janeiro, 18 de Julho de 2011.

Desembargador Federal do Trabalho José da Fonseca Martins Junior
Relator

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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