Menor sob guarda pode receber pensão por morte
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre o benefício de pensão por morte e a sua concessão ao menor sob guarda sob argumentação do princípio da da proteção integral e preferência da criança e do adolescente. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. ART. 16 DA LEI N. 8.213/90. MODIFICAÇÃO PELA MP N.1.523/96, CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/97. CONFRONTO COM O ART. 33, § 3º, DO ECA. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONFORME.PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PREFERENCIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
1. Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90.
2. O art. 33, § 3º da Lei n. 8.069/90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente.
3. Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 1141788/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/12/2016, DJe 16/12/2016)
ACÓRDÃO
A Corte Especial, por unanimidade, acolheu os embargos de divergência nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília, 07 de dezembro de 2016(Data do Julgamento).
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de divergência interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra acórdão da Sexta Turma ementado nos seguintes termos:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523⁄96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528⁄97. Precedentes.
2. Não compete ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais, mesmo com a finalidade de prequestionamento, a teor do art. 102, III, da Constituição Federal.
3. Agravo regimental não provido."
A parte embargante sustenta que deve ser aplicado o art. 33, § 3º, do ECA para garantir a concessão de benefício previdenciário de pensão por morte a menor sob guarda. Apesar das alterações na legislação previdenciária, o ECA ainda se conserva em harmonia com os ditames constitucionais e com o histórico legislativo brasileiro.
Aponta como paradigma o AgRg no REsp n. 1.476.567⁄MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 8⁄10⁄2014.
Admiti os embargos.
A parte embargada apresentou impugnação, argumentando que a Lei n. 9.528⁄97 excluiu do rol de beneficiários dependentes o menor sob guarda judicial, visando coibir um sem-número de fraudes decorrentes da simulação de posse de fato a fim de se obter a guarda judicial com objetivo único de recebimento de benefícios previdenciários. Aduz que a lei posterior revoga a anterior e a lei especial derroga a geral.
É o relatório.
VOTO
A controvérsia a ser dirimida nos presentes embargos de divergência cinge-se a definir se, ocorrido o óbito do instituidor da pensão por morte após 11 de outubro de 1996, data em que foi editada a MP n 1.523⁄96, convertida na Lei n. 9.528⁄97, que alterou o art. 16 da Lei n. 8.213⁄90 e suprimiu o menor sob guarda do rol de referido benefício previdenciário, ainda assim, deve prevalecer referido direito com fundamento no art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069⁄90.
Assim, dispõem referidos preceitos:
Lei n. 8.069⁄90
"Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009)
[...]
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários."
Lei n. 8.213⁄90 - antes da alteração promovida pela Lei n. 9.528⁄97
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
[...]
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado, o menor, que por determinação judicial, esteja sob a guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação;"
Lei n. 8.213⁄90 - após a alteração promovida pela Lei n. 9.528⁄97
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
[...]
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)"
A Terceira Seção do STJ, quando detinha a competência para processar e julgar matéria previdenciária, havia pacificado a jurisprudência sobre o tema no sentido de que, como a lei previdenciária tem caráter especial em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de ordem geral, prevaleceria sobre esta e, portanto, o menor sob guarda não mais teria direito ao benefício da pensão por morte após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528⁄97 na Lei n. 8.213⁄90.
Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.523⁄96 (LEI N.º 9.528⁄97). EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DO ROL DOS DEPENDENTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA.
1. Com a edição da Lei n.º 9.528⁄97, o menor sob guarda deixou de ter direito ao benefício de pensão por morte do segurado, não lhe socorrendo, tampouco, a incidência do disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, ante a natureza específica da norma previdenciária. Precedentes da e. Terceiro Seção.
2. In casu, tendo ocorrido o óbito da segurada⁄guardiã em 8 de março de 2001, já na vigência, portanto, da Lei n.º 9.528⁄97, a embargada não tem direito à pensão por morte de sua avó.
3. Embargos de divergência providos." (EREsp n. 859.277⁄PE, relatora Ministra Alderita Ramos de Oliveira, Desembargadora convocada do TJPE, Terceira Seção, DJe de 27⁄2⁄2013.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ECA. ROL DE DEPENDENTES. EXCLUSÃO. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA.
1. Em consonância com julgados prolatados pela Terceira Seção deste Tribunal, a alteração trazida pela Lei 9.528⁄97, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e Adolescente.
2. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 869.635⁄RN, relatora Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do TJMG, Terceira Seção, DJe de 6⁄4⁄2009.)
"Pensão por morte. Regime Geral de Previdência Social. Menor sob guarda. Incidência da lei previdenciária vigente ao tempo do óbito do instituidor do benefício. Inaplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes da Terceira Seção. Embargos de divergência conhecidos e recebidos." (EREsp n. 801.214⁄BA, relator Ministro Nilson Naves, Terceira Seção, DJe de 28⁄8⁄2008.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA.LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO.
1. A redação original do § 2º do artigo 16 da Lei de Benefícios equiparava a filho o menor que, por determinação judicial, estivesse sob a guarda do segurado. Ocorre que, por força da Medida Provisória nº 1.523, de 14⁄10⁄1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10⁄12⁄1997, foi o menor sob guarda excluído da relação de dependentes.
2. De outra parte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.060⁄1990), reza, no art. 33, § 3º, que 'a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários'.
3. Diante desse conflito aparente de normas, o critério que melhor soluciona a controvérsia em exame é o da especialidade, ou seja, o diploma de regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial, deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.
4. Assim, uma vez que o óbito do segurado instituidor, fato gerador do benefício, ocorreu em 4⁄5⁄1999 (fl.. 90), vale dizer, após a modificação legislativa que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes de segurado da Previdência Social, incabível a concessão da pensão.
5. Entendimento firmado por este Colegiado, na sessão de 26⁄3⁄2008, no julgamento do EREsp nº 844.598⁄PI, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido.
6. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 696.299⁄PE, relator Ministro Paulo Gallotti, Terceira Seção, DJe de 4⁄8⁄2009.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. INCABIMENTO.
1. 'Esta Corte já decidiu que, tratando-se de ação para fins de inclusão de menor sob guarda como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, não prevalece o disposto no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente em face da alteração introduzida pela Lei nº 9.528⁄97.' (REsp nº 503.019⁄RS, Relator Ministro Paulo Gallotti, in DJ 30⁄10⁄2006).
2. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 642.915⁄RS, relator Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe de 30⁄6⁄2008.)
A Emenda Regimental n. 14⁄2011 promoveu a alteração de competência no âmbito do STJ, passando para a Primeira Seção o processamento e julgamento das causas relativas a benefícios previdenciários, a qual, ao julgar o RMS n. 36.034⁄MT, decidiu em sentido oposto àquele antes adotado pelo colegiado, nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR.
1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069⁄90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069⁄90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).
6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor.
7. Recurso ordinário provido." (RMS n. 36.034⁄MT, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 15⁄4⁄2014.)
Todavia, há precedentes da Segunda Turma posteriores a esse julgado que ora decidem no mesmo sentido, ora aplicam o entendimento anterior:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.523⁄96 (LEI N. 9.528⁄97). EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DO ROL DOS DEPENDENTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O art. 557 do CPC autoriza ao relator decidir o recurso, com fundamento na jurisprudência dominante, de forma monocrática, não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade.
2. O tema controvertido diz respeito à possibilidade de concessão, ao menor sob guarda, de pensão por morte. O entendimento desta Corte encontra-se uniformizado no sentido de que a Lei 9.528⁄97, norma previdenciária específica, prevalece em relação ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo aplicável às hipóteses em que o óbito ocorreu a partir de sua vigência.
3. Precedentes: AgRg no REsp 1.141.788⁄RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06⁄11⁄2014, DJe 24⁄11⁄2014; EREsp 859.277⁄PE, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄PE, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 27⁄02⁄2013; REsp 1.328.300⁄RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 25⁄04⁄2013.
Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp n. 1.482.391⁄PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 20⁄4⁄2015.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. MENOR SOB GUARDA DA AVÓ. INCLUSÃO COMO DEPENDENTE. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO DESTA CORTE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA CONTRA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 182 DA SÚMULA DO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Entendimento nesta corte no sentido de que ao menor sob guarda deve ser assegurado o benefício de pensão por morte em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA sobre norma previdenciária de natureza específica. Precedente: RMS 36.034⁄MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 15⁄04⁄2014.
2. Nas razões do agravo regimental, a parte agravante combateu apenas o mérito do acórdão anterior, furtando-se de rebater especificamente os fundamentos da decisão agravada. Nesse sentido, é entendimento pacífico deste Superior Tribunal sobre a incidência da Súmula n. 182 do STJ.
3. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma.
4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp n. 1.476.567⁄MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 8⁄10⁄2014.)
Merece destaque o fato de que, em 6⁄1⁄2014, o Conselho Federal da OAB ajuizou, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.083, referente ao art. 2º da Lei n. 9.528⁄97, que alterou o art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213⁄91, que está em trâmite.
Por sua vez, no REsp n. 1.411.258⁄RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, que versa sobre controvérsia idêntica à tratada nos presentes autos, cujo julgamento já se iniciou, o relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, negou provimento ao apelo do INSS para reconhecer que a nova redação dada pela Lei n. 9.528⁄97 ao § 2º do art. 16 da Lei n. 8.213⁄91 não teve o condão de derrogar o art. 33 da Lei n. 8.069⁄90. O feito encontra-se concluso com pedido de vista formulado pela Ministra Assussete Magalhães.
Ainda convém registrar que a Corte Especial, ao julgar o MS n. 20.589⁄DF, da relatoria do Ministro Raul Araújo, apesar de apreciar feito relativo a servidor público, emitiu posicionamento no sentido da prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente, tal como consignado no voto condutor do aresto:
"Feitas essas explanações, tem-se que a melhor exegese é aquela que dá prevalência ao princípio constitucional da proteção integral e preferencial à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana, de modo que tais postulados são bases do Estado Democrático de Direito e, por isso, devem orientar a interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Em consonância com a Carta Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90) garantiu, em seu art. 33, § 3º, ao menor sob guarda judicial a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários, de modo que em nenhuma dessas normas há distinção entre o tutelado e o menor sob guarda.
Destarte, ao menos para fins previdenciários, o menor sob guarda judicial deve ser equiparado a filho. Interpreta-se o art. 5º da Lei 9.717⁄98 em conformidade com os princípios e normas supramencionados, de acordo com a parte final de seu enunciado supratranscrito.
Nessa conformidade, o menor que esteja sob a guarda judicial de servidor público no momento de seu falecimento e dele dependa economicamente tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112⁄90.
Na hipótese em exame, a ex-servidora falecida obteve, por decisão judicial transitada em julgado, a guarda do impetrante, ante a ausência de condições financeiras da mãe biológica, de quem a servidora era madrinha, ficando, assim, responsável por seu sustento material. Portanto, deve ser reconhecida a relação de dependência econômica entre ambos e, por conseguinte, o direito de o impetrante perceber pensão civil estatutária temporária.
Diante do exposto, concede-se a segurança pleiteada, para, reconhecendo-se o direito do menor sob guarda à percepção de pensão civil estatutária, determinar o pagamento em favor do impetrante do referido benefício desde a data do óbito da segurada."
Eis a ementa do julgado:
"CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL DA FALECIDA. SERVIDORA PÚBLICA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES (CF, ART. 227). PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. O menor sob guarda judicial de servidor público do qual dependa economicamente no momento do falecimento do responsável tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112⁄90.
2. O art. 5º da Lei 9.717⁄98 deve ser interpretado em conformidade com o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana e base do Estado Democrático de Direito, bem assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90, art. 33, § 3º).
3. Segurança concedida."
Entendo que a melhor solução a ser dada à controvérsia é aquela adotada pelo acórdão paradigma, no sentido de que o art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069⁄90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente.
Consectariamente, ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528⁄97 na Lei n. 8.213⁄90.
Ante o exposto, acolho os embargos de divergência para que prevaleça a tese fixada no aresto paradigma, da Segunda Turma.
É como voto.
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. ART. 16 DA LEI N. 8.213/90. MODIFICAÇÃO PELA MP N.1.523/96, CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/97. CONFRONTO COM O ART. 33, § 3º, DO ECA. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONFORME.PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PREFERENCIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
1. Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90.
2. O art. 33, § 3º da Lei n. 8.069/90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente.
3. Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 1141788/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/12/2016, DJe 16/12/2016)
ACÓRDÃO
A Corte Especial, por unanimidade, acolheu os embargos de divergência nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília, 07 de dezembro de 2016(Data do Julgamento).
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de divergência interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra acórdão da Sexta Turma ementado nos seguintes termos:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523⁄96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528⁄97. Precedentes.
2. Não compete ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais, mesmo com a finalidade de prequestionamento, a teor do art. 102, III, da Constituição Federal.
3. Agravo regimental não provido."
A parte embargante sustenta que deve ser aplicado o art. 33, § 3º, do ECA para garantir a concessão de benefício previdenciário de pensão por morte a menor sob guarda. Apesar das alterações na legislação previdenciária, o ECA ainda se conserva em harmonia com os ditames constitucionais e com o histórico legislativo brasileiro.
Aponta como paradigma o AgRg no REsp n. 1.476.567⁄MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 8⁄10⁄2014.
Admiti os embargos.
A parte embargada apresentou impugnação, argumentando que a Lei n. 9.528⁄97 excluiu do rol de beneficiários dependentes o menor sob guarda judicial, visando coibir um sem-número de fraudes decorrentes da simulação de posse de fato a fim de se obter a guarda judicial com objetivo único de recebimento de benefícios previdenciários. Aduz que a lei posterior revoga a anterior e a lei especial derroga a geral.
É o relatório.
VOTO
A controvérsia a ser dirimida nos presentes embargos de divergência cinge-se a definir se, ocorrido o óbito do instituidor da pensão por morte após 11 de outubro de 1996, data em que foi editada a MP n 1.523⁄96, convertida na Lei n. 9.528⁄97, que alterou o art. 16 da Lei n. 8.213⁄90 e suprimiu o menor sob guarda do rol de referido benefício previdenciário, ainda assim, deve prevalecer referido direito com fundamento no art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069⁄90.
Assim, dispõem referidos preceitos:
Lei n. 8.069⁄90
"Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009)
[...]
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários."
Lei n. 8.213⁄90 - antes da alteração promovida pela Lei n. 9.528⁄97
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
[...]
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado, o menor, que por determinação judicial, esteja sob a guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação;"
Lei n. 8.213⁄90 - após a alteração promovida pela Lei n. 9.528⁄97
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
[...]
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)"
A Terceira Seção do STJ, quando detinha a competência para processar e julgar matéria previdenciária, havia pacificado a jurisprudência sobre o tema no sentido de que, como a lei previdenciária tem caráter especial em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de ordem geral, prevaleceria sobre esta e, portanto, o menor sob guarda não mais teria direito ao benefício da pensão por morte após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528⁄97 na Lei n. 8.213⁄90.
Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.523⁄96 (LEI N.º 9.528⁄97). EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DO ROL DOS DEPENDENTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA.
1. Com a edição da Lei n.º 9.528⁄97, o menor sob guarda deixou de ter direito ao benefício de pensão por morte do segurado, não lhe socorrendo, tampouco, a incidência do disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, ante a natureza específica da norma previdenciária. Precedentes da e. Terceiro Seção.
2. In casu, tendo ocorrido o óbito da segurada⁄guardiã em 8 de março de 2001, já na vigência, portanto, da Lei n.º 9.528⁄97, a embargada não tem direito à pensão por morte de sua avó.
3. Embargos de divergência providos." (EREsp n. 859.277⁄PE, relatora Ministra Alderita Ramos de Oliveira, Desembargadora convocada do TJPE, Terceira Seção, DJe de 27⁄2⁄2013.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ECA. ROL DE DEPENDENTES. EXCLUSÃO. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA.
1. Em consonância com julgados prolatados pela Terceira Seção deste Tribunal, a alteração trazida pela Lei 9.528⁄97, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e Adolescente.
2. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 869.635⁄RN, relatora Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do TJMG, Terceira Seção, DJe de 6⁄4⁄2009.)
"Pensão por morte. Regime Geral de Previdência Social. Menor sob guarda. Incidência da lei previdenciária vigente ao tempo do óbito do instituidor do benefício. Inaplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes da Terceira Seção. Embargos de divergência conhecidos e recebidos." (EREsp n. 801.214⁄BA, relator Ministro Nilson Naves, Terceira Seção, DJe de 28⁄8⁄2008.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA.LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.CONFLITO APARENTE DE NORMAS. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO.
1. A redação original do § 2º do artigo 16 da Lei de Benefícios equiparava a filho o menor que, por determinação judicial, estivesse sob a guarda do segurado. Ocorre que, por força da Medida Provisória nº 1.523, de 14⁄10⁄1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10⁄12⁄1997, foi o menor sob guarda excluído da relação de dependentes.
2. De outra parte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.060⁄1990), reza, no art. 33, § 3º, que 'a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários'.
3. Diante desse conflito aparente de normas, o critério que melhor soluciona a controvérsia em exame é o da especialidade, ou seja, o diploma de regência do sistema de benefícios previdenciários, de caráter especial, deve prevalecer sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, este de caráter geral no confronto com aquele sobre o tema controvertido.
4. Assim, uma vez que o óbito do segurado instituidor, fato gerador do benefício, ocorreu em 4⁄5⁄1999 (fl.. 90), vale dizer, após a modificação legislativa que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes de segurado da Previdência Social, incabível a concessão da pensão.
5. Entendimento firmado por este Colegiado, na sessão de 26⁄3⁄2008, no julgamento do EREsp nº 844.598⁄PI, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido.
6. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 696.299⁄PE, relator Ministro Paulo Gallotti, Terceira Seção, DJe de 4⁄8⁄2009.)
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. INCABIMENTO.
1. 'Esta Corte já decidiu que, tratando-se de ação para fins de inclusão de menor sob guarda como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, não prevalece o disposto no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente em face da alteração introduzida pela Lei nº 9.528⁄97.' (REsp nº 503.019⁄RS, Relator Ministro Paulo Gallotti, in DJ 30⁄10⁄2006).
2. Embargos de divergência acolhidos." (EREsp n. 642.915⁄RS, relator Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe de 30⁄6⁄2008.)
A Emenda Regimental n. 14⁄2011 promoveu a alteração de competência no âmbito do STJ, passando para a Primeira Seção o processamento e julgamento das causas relativas a benefícios previdenciários, a qual, ao julgar o RMS n. 36.034⁄MT, decidiu em sentido oposto àquele antes adotado pelo colegiado, nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR.
1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial, em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. A Lei 8.069⁄90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069⁄90), norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).
6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor.
7. Recurso ordinário provido." (RMS n. 36.034⁄MT, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 15⁄4⁄2014.)
Todavia, há precedentes da Segunda Turma posteriores a esse julgado que ora decidem no mesmo sentido, ora aplicam o entendimento anterior:
"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.523⁄96 (LEI N. 9.528⁄97). EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DO ROL DOS DEPENDENTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O art. 557 do CPC autoriza ao relator decidir o recurso, com fundamento na jurisprudência dominante, de forma monocrática, não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade.
2. O tema controvertido diz respeito à possibilidade de concessão, ao menor sob guarda, de pensão por morte. O entendimento desta Corte encontra-se uniformizado no sentido de que a Lei 9.528⁄97, norma previdenciária específica, prevalece em relação ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo aplicável às hipóteses em que o óbito ocorreu a partir de sua vigência.
3. Precedentes: AgRg no REsp 1.141.788⁄RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06⁄11⁄2014, DJe 24⁄11⁄2014; EREsp 859.277⁄PE, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄PE, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 27⁄02⁄2013; REsp 1.328.300⁄RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 25⁄04⁄2013.
Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp n. 1.482.391⁄PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 20⁄4⁄2015.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. MENOR SOB GUARDA DA AVÓ. INCLUSÃO COMO DEPENDENTE. APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO DESTA CORTE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA CONTRA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 182 DA SÚMULA DO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Entendimento nesta corte no sentido de que ao menor sob guarda deve ser assegurado o benefício de pensão por morte em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA sobre norma previdenciária de natureza específica. Precedente: RMS 36.034⁄MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 15⁄04⁄2014.
2. Nas razões do agravo regimental, a parte agravante combateu apenas o mérito do acórdão anterior, furtando-se de rebater especificamente os fundamentos da decisão agravada. Nesse sentido, é entendimento pacífico deste Superior Tribunal sobre a incidência da Súmula n. 182 do STJ.
3. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma.
4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp n. 1.476.567⁄MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 8⁄10⁄2014.)
Merece destaque o fato de que, em 6⁄1⁄2014, o Conselho Federal da OAB ajuizou, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.083, referente ao art. 2º da Lei n. 9.528⁄97, que alterou o art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213⁄91, que está em trâmite.
Por sua vez, no REsp n. 1.411.258⁄RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, que versa sobre controvérsia idêntica à tratada nos presentes autos, cujo julgamento já se iniciou, o relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, negou provimento ao apelo do INSS para reconhecer que a nova redação dada pela Lei n. 9.528⁄97 ao § 2º do art. 16 da Lei n. 8.213⁄91 não teve o condão de derrogar o art. 33 da Lei n. 8.069⁄90. O feito encontra-se concluso com pedido de vista formulado pela Ministra Assussete Magalhães.
Ainda convém registrar que a Corte Especial, ao julgar o MS n. 20.589⁄DF, da relatoria do Ministro Raul Araújo, apesar de apreciar feito relativo a servidor público, emitiu posicionamento no sentido da prevalência do Estatuto da Criança e do Adolescente, tal como consignado no voto condutor do aresto:
"Feitas essas explanações, tem-se que a melhor exegese é aquela que dá prevalência ao princípio constitucional da proteção integral e preferencial à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana, de modo que tais postulados são bases do Estado Democrático de Direito e, por isso, devem orientar a interpretação e aplicação das normas jurídicas.
Em consonância com a Carta Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90) garantiu, em seu art. 33, § 3º, ao menor sob guarda judicial a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários, de modo que em nenhuma dessas normas há distinção entre o tutelado e o menor sob guarda.
Destarte, ao menos para fins previdenciários, o menor sob guarda judicial deve ser equiparado a filho. Interpreta-se o art. 5º da Lei 9.717⁄98 em conformidade com os princípios e normas supramencionados, de acordo com a parte final de seu enunciado supratranscrito.
Nessa conformidade, o menor que esteja sob a guarda judicial de servidor público no momento de seu falecimento e dele dependa economicamente tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112⁄90.
Na hipótese em exame, a ex-servidora falecida obteve, por decisão judicial transitada em julgado, a guarda do impetrante, ante a ausência de condições financeiras da mãe biológica, de quem a servidora era madrinha, ficando, assim, responsável por seu sustento material. Portanto, deve ser reconhecida a relação de dependência econômica entre ambos e, por conseguinte, o direito de o impetrante perceber pensão civil estatutária temporária.
Diante do exposto, concede-se a segurança pleiteada, para, reconhecendo-se o direito do menor sob guarda à percepção de pensão civil estatutária, determinar o pagamento em favor do impetrante do referido benefício desde a data do óbito da segurada."
Eis a ementa do julgado:
"CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL DA FALECIDA. SERVIDORA PÚBLICA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES (CF, ART. 227). PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. O menor sob guarda judicial de servidor público do qual dependa economicamente no momento do falecimento do responsável tem direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei 8.112⁄90.
2. O art. 5º da Lei 9.717⁄98 deve ser interpretado em conformidade com o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), como consectário do princípio fundamental da dignidade humana e base do Estado Democrático de Direito, bem assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90, art. 33, § 3º).
3. Segurança concedida."
Entendo que a melhor solução a ser dada à controvérsia é aquela adotada pelo acórdão paradigma, no sentido de que o art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069⁄90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente.
Consectariamente, ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528⁄97 na Lei n. 8.213⁄90.
Ante o exposto, acolho os embargos de divergência para que prevaleça a tese fixada no aresto paradigma, da Segunda Turma.
É como voto.
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