Justiça decide caso de bisneto e o benefício previdenciário
Nesta sexta-feira será visto uma decisão que trata sobre o benefício de pensão por morte e os requisitos necessários para a sua concessão, sendo que no caso analisado trata-se de solicitação de um bisneto. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. BISNETO. AUXÍILIO FINANCEIRO. INEXISTÊNCIA DE GUARDA JUDICIAL.TEMA 732/STJ. ADI 4878 E ADI 5083. INAPLICABILIDADE. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE NÃO DEMONSTRADA. BENEFÍCIO NÃO DEVIDO. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte são: a qualidade de segurado do falecido por ocasião do óbito, a ocorrência do evento morte e, por fim, a condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Na hipótese em apreço, o apelante busca a pensão por morte na condição de menor sob “guarda fática ou presumida” de sua bisavó.
3. A partir das alterações introduzidas pela Lei 9.528/1997 ao §2º do art. 16, que entrou em vigor 11/12/1997, o menor que, por determinação judicial, esteja sob a guarda do segurado foi excluído do rol de dependentes. Ocorre que o art. 33, §3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não foi alterado, persistindo, no ordenamento jurídico, sua disposição, que trata da condição de dependente da criança e do adolescente para todos os efeitos, inclusive previdenciários.
4.Apreciando o tema, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a seguinte tese no julgado do REsp 1.411.258/RS, afetado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 732): “O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, §3º, do Estado da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da medida provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária”.
5. Por fim, o Supremo Tribunal Federal, em 08/06/2021, ao julgar a ADI 4878 e a ADI 5083, conferiu interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, decisão esta que transitou em julgado em 05/03/2022. Segundo o julgado, “a interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao ‘menor sob guarda’ o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB”. Naquela oportunidade, também restou assentado que “o deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários".
6. In casu, embora comprovado que a bisavó corroborava despesas do autor, mediante auxílio financeiro, não restou demonstrado que detinha a guarda judicial da criança, razão pela qual não se aplica ao presente caso o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.411.258/RS (Tema 732) nem a decisão proferida pelo STF nos autos da ADI 4878 e da ADI 5083, devendo ser mantida a sentença recorrida.
7. Apelação não provida.
TRF 1ª, ApCiv. 1005900-15.2024.4.01.9999, Nona Turma, Desembargador Federal Urbano Leal Berquó Neto, 11.02.2025.
ACÓRDÃO
Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do voto do relator.
Desembargador Federal URBANO LEAL BERQUÓ NETO
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos do autor, negando-lhe o benefício da pensão por morte.
Em suas razões, em síntese, o apelante alega que restou demonstrada, por início de prova material corroborado por prova testemunhal, a dependência econômica em relação à sua falecida bisavó, uma vez que viveu sob a guarda fática ou presumida da de cujus desde que nasceu, sendo por ela custeado diuturnamente, principalmente em razão da ausência dos pais.
Assevera que, embora Lei 8.213/1991 não tenha expressamente garantido a condição de dependente ao menor sob guarda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 33, estabelece que a guarda assegura a condição de dependente ao menor, inclusive para fins previdenciários.
Regularmente intimada, a autarquia previdenciária não apresentou contrarrazões.
O Ministério Público Federal pugnou pelo não provimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos recursais, conheço do recurso.
Passo à análise do apelo do recorrente, que alega a comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício previdenciário de pensão por morte de sua bisavó.
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte são: a) a qualidade de segurado do falecido por ocasião do óbito; b) a ocorrência do evento morte; c) a condição de dependente de quem objetiva a pensão. Salienta-se que o benefício independe de carência e é regido pela legislação à época do óbito.
Não assiste razão ao apelante.
A sentença de primeiro grau se encontra bem fundamentada, razão pela qual deverá ser mantida, pois além de razoável, proporcional e ampla é suficientemente harmônica frente ao contexto fático-jurídico, cuja fundamentação é aqui invocada per relationem, em prestígio, aliás, à atividade judicante do 1º grau de jurisdição. Vejamos:
Em relação ao primeiro requisito, morte do instituidor, observa-se que ao ID n° 49706830 consta a certidão de óbito de Maria Ribeiro Soares, que se deu no dia 13.08.2020.
Ademais, no que pertine à qualidade de dependente, esta não se encontra comprovada, na medida em que, embora o requerente afirme que vivia sob a guarda de fato da falecida, de quem dependia exclusivamente, em decorrência da ausência efetiva dos pais, das provas produzidas no caderno processual é possível verificar que o genitor da criança, o sr. Antônio Gustavo, residia junto com o menor e a extinta.
Além disso, verifica-se que a genitora da criança participa da criação deste, conforme se constata da presença da genitora em consultas médicas e reuniões escolares do menor.
Nesse contexto, conforme bem enfatizado pelo Parquet, o fato de a de cujus auxiliar na criação do menor não a torna guardiã de fato dele, posto a presença dos pais, que exerciam o poder familiar sem restrições, visto que não houve ação judicial de declaração de guarda em favor da bisavó.
Anote-se que não foi demonstrada a dependência econômica, mediante prova objetiva, inexistindo comprovação de que a criança vivia sob a total e direta dependência da falecida, que não se confunde com eventual contribuição ou auxílio financeiro para manutenção das despesas com o menor.
Nessa conjectura, não há nenhum indício de prova de que a bisneta vivia sob a dependência da bisavó ou que tivesse sido abandonada pelos pais, responsáveis diretos, ou pelos avós, com dever de auxílio antes da bisavó.
Ao que consta, os pais tinham a guarda do menor, sem nenhum motivo aparente que obrigasse a bisavó a lhe prestar alimentos.
Diante disso, não há como se reconhecer a dependência econômica do requerente para com o de cujus, nem mesmo a existência de guarda de fato informal, conforme pretendido.
Portanto, estando bem evidenciado que não havia dependência econômica da parte autora com a falecida bisavó, de rigor a improcedência do pleito. Nesse sentido, ainda, é o parecer do Ministério Público lançado nos autos.
Com efeito, a pensão por morte é benefício previdenciário concedido aos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, nos termos do artigo 74 da Lei nº 9.213/91.
O art. 16 da Lei 8.213/1991, em sua atual redação, vigente já à época do óbito da de cujus, ocorrido em 13/8/2020 (fl. 32), assim estabelece acerca do rol de dependentes do segurado:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) (Vide ADIN 4878) (Vide ADIN 5083)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada
§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)
Vê-se, pois, que, a partir das alterações introduzidas pela Lei 9.528/1997 ao §2º do art.16, que entrou em vigor 11/12/1997, o menor que por determinação judicial estiver sob guarda do segurado foi excluído do rol de dependentes do segurado.
Ocorre que o art. 33, §3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente não foi alterado, persistindo, no ordenamento jurídico, sua disposição, que trata da condição de dependente da criança e do adolescente para todos os efeitos, inclusive previdenciários.
Apreciando o tema, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a seguinte tese no julgado do REsp 1.411.258/RS, afetado sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 732): “O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, §3º, do Estado da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da medida provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária”.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, em 08/06/2021, ao julgar conjuntamente a ADI 4878 e a ADI 5083, conferiu interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, decisão esta que transitou em julgado em 05/03/2022. Eis a ementa do referido acórdão, verbis:
EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 16, § 2º, DA LEI N.º 8.213/1991. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 9.528/1997. MENOR SOB GUARDA. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA. ART. 227, CRFB. INTERPRETAÇÃO CONFORME, PARA RECONHECER O MENOR SOB GUARDA DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DESDE QUE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1. Julgamento conjunto da ADI nº 4.878 e da ADI nº 5.083, que impugnam o artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, na redação conferida pela Lei n° 9.528/1997, que retirou o “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins de concessão de benefício previdenciário. 2. A Constituição de 1988, no art. 227, estabeleceu novos paradigmas para a disciplina dos direitos de crianças e de adolescentes, no que foi em tudo complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. º 8.069/1990). Adotou-se a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, que ressignificam o status protetivo, reconhecendo-se a especial condição de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento. 3. Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei n° 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários. 4. O deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários. 5. A interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB. 6. ADI 4878 julgada procedente e ADI 5083 julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei n.º 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da República, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999). (ADI 4878, Relator(a): GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08-06-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 05-08-2021 PUBLIC 06-08-2021) (destaquei)
Assim, na hipótese vertente, embora comprovado que a bisavó corroborava despesas do autor, mediante auxílio financeiro, não restou demonstrado que detinha a guarda judicial da criança, razão pela qual não se aplica ao presente caso o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.411.258/RS (Tema 732) nem a decisão proferida pelo STF nos autos da ADI 4878 e da ADI 5083.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação interposta.
Em razão da sucumbência recursal, majoro o valor fixado a título de honorários em primeira instância em um ponto percentual, consignando que a exigibilidade fica suspensa já que a apelante é beneficiária da assistência judiciária gratuita.
É como voto.
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