Decisão nega aposentadoria rural quando cônjuge possui atividade empresarial
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, o qual foi indeferido pelo fato da renda principal da família ser proveniente de atividade empresária exercida pelo cônjuge, de modo a descaracterizar o regime de economia familiar. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA RURAL. COMPANHEIRO DA PARTE AUTORA. ATIVIDADE EMPRESÁRIA OU EMPREGADORA. REGISTRO NO CNPJ. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO.
1. A concessão do benefício de aposentadoria por idade exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal e idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios).
2. O requisito de carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642).
3. Deve-se ter por descaracterizado o registro da profissão de lavrador do cônjuge, em vista da demonstração de que passou ele a exercer atividade urbana posteriormente.
4. É indevida a aposentadoria rural por idade, ainda que sejam apresentados documentos em nome próprio, quando a renda principal da família é proveniente de atividade empresária exercida pelo cônjuge, de modo a descaracterizar o regime de economia familiar (Precedente: STJ Ag REsp 88.596 SP).
5. Coisa julgada secundum eventum litis, permitindo o ajuizamento de nova demanda pelo segurado na hipótese de alteração das circunstâncias verificadas na causa. Precedentes.
6. Apelação do INSS provida para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido inicial e condenar a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 11% (onze por cento), ficando suspensa a cobrança de ambas as parcelas na forma do art. 98, § 3º, do CPC/2015.
AC 1005502-44.2019.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA MAURA MARTINS MORAES TAYER, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 22/09/2021.
ACÓRDÃO
Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e, nos termos do voto da relatora.
Desembargador(a) Federal MARIA MAURA MARTINS MORAES TAYER
Relator(a)
RELATÓRIO
O INSS interpõe recurso de apelação de sentença que o condenou a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, com o devido pagamento das parcelas correlatas e antecipação de tutela.
Correção monetária sobre as verbas em atraso, a que se acrescem juros de mora, além de honorários advocatícios, a cargo da autarquia sucumbente.
Postula o INSS a reforma meritória da sentença, impugnando, ainda, a forma de aplicação dos consectários da condenação.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
No Juízo da origem, foi deferido o pedido de aposentadoria rural por idade.
Para apreciação da matéria, devem ser examinadas diversas questões.
Aposentadoria por idade rural. A concessão do benefício exige a demonstração do trabalho rural, cumprindo-se o prazo de carência previsto no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, mediante início razoável de prova material, corroborada com prova testemunhal, ou prova documental plena. Como requisito etário, exige-se a idade superior a 60 anos para homem e 55 anos para mulher (artigo 48, § 1º da Lei de Benefícios).
Período de carência. O requisito de carência deve ser cumprido em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, consoante decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo (Tema 642), cuja tese ficou assim redigida: “O segurado especial tem que estar laborando no campo quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade” (REsp 1.354.908 SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Regime de economia familiar. Considera-se trabalho rural em regime de economia familiar, conforme dispõe o art. 11 da Lei do RGPS, a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
Início de prova material. Para reconhecimento de tempo rural, conquanto não se admita a prova exclusivamente testemunhal (STJ, Súmula 149; TRF-1ª. Região, Súmula 27), não é necessário que a prova documental cubra todo o período de carência, de forma que pode ser estendida para tempo anterior ou posterior ao que especificamente se refira, desde que contemporânea à época dos fatos a provar (TNU, Súmula 34).
É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo, (STJ AgRG no REsp 1073730/CE), sendo admissíveis, portanto, outros documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, nos quais esteja especificada a profissão da parte autora ou de seu cônjuge ou companheiro como trabalhador rural.
Caso concreto
A parte autora nasceu em 07/10/1954, tendo ingressado em juízo em 11/04/2016 pleiteando o benefício de aposentadoria como segurada especial em regime de economia familiar. Após a anulação da sentença, por ausência de requerimento administrativo, e apresentado o pleito, o pedido foi indeferido pelo INSS.
A parte autora apresentou os seguintes documentos para a comprovação da atividade rural: a) certidão de casamento, realizado em 1976, em que seu cônjuge é qualificado como comerciário; b) escritura de imóvel consistente em sítio rural, em nome do cônjuge, lavrada em 10/1986; b) declaração de atividade rural do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Naviraí-MS; c) contrato de comodato rural em nome da parte autora, com firma registrada em 07/1994, e prazo de 15 (quinze) anos de duração; d) contrato de locação de imóvel urbano, em nome da autora, datado de 2009, para exploração de hortaliça, com prazo de um ano de duração.
Por outro lado, o INSS apresenta extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, com registro de contribuição como autônomo no período de 01/09/1999 a 30/09/1999 e vínculos mantidos pela autora no período de 01/10/1999 a 30/11/1999 e 01/01/2000 a 31/05/2000, 01/10/2000 a 31/01/2001 e 01/05/2001 a 31/08/2001.
Foi contatado, ainda, registro de vínculos empregatícios em nome de seu cônjuge em períodos intercalados de 1978 a 1986 e 01/09/1989 a 01/07/1990 e como empresário/empregador no período de 01/06/1986 a 31/12/1986 e de 01/01/1992 a 31/01/1992.
Consta registro da empresa em nome do cônjuge a partir de 21/12/1990, com registro no CNPJ ainda ativo nos registros a Receita Federal até pelo menos o ano de 2008.
O enquadramento como segurado especial, em regime de economia familiar, pressupõe que o trabalho rural seja indispensável à manutenção da própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, o que não ocorre no caso dos autos.
De fato, é indevida a aposentadoria rural por idade, ainda que sejam apresentados documentos em nome próprio, quando a renda principal da família é proveniente de atividade empresarial exercida pelo cônjuge, de modo a descaracterizar o regime de economia familiar (Precedente: STJ Ag REsp 88.596 SP).
Nos termos do art. 11, inc. I, § 9ºda Lei 8.213, “não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social”.
Não fosse isso, o único documento apresentado com data posterior ao exercício da atividade urbana é o contrato de aluguel de imóvel urbano firmado em 2009, que não tem assinaturas reconhecidas em cartório, não podendo ser considerado início de prova material.
Finalmente, no depoimento pessoal, a parte autora não conseguiu prestar as informações relativas à atividade desempenhada, sendo bastante evasiva em relação às datas e locais em que alega que as desenvolveu no período anterior à assinatura do contrato de aluguel. Da mesma forma, as testemunhas prestaram informações bastante genéricas a respeito da atividade desenvolvida, o que não se mostra suficiente para a comprovação da condição de segurada especial.
Em sendo assim, não havendo início de prova material suficiente para embasar o pedido, não é possível a concessão do benefício, uma vez que fundado em prova exclusivamente testemunhal, que também não se mostra robusta.
Em caso semelhante, assim decidiu esta corte em ocasiões anteriores, como se vê pelo seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL EM NOME PRÓPRIO. ATIVIDADE URBANA DO AUTOR E SEU CÔNJUGE. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra a sentença que, julgando procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade (segurado especial), condenou a Autarquia à implantação do benefício. 2. No caso concreto, o Autor completou 60 anos em 2017, exigindo-se, portanto, o período de carência correspondente a 180 meses, a começar de 2002. Foram colacionados aos autos, com o fim de comprovar a sua qualidade de segurado/carência, apenas um documento em nome da sua esposa, consubstanciado na escritura pública de inventário e partilha de área rural deixada pelo genitor para a meeira e demais herdeiros. 3. O Demandante, além de não possuir prova em nome próprio, possui vínculos urbanos no CNIS em construtora e em supermercado. Consta, ainda, na sua certidão de casamento, informação de que a sua profissão é de açougueiro. Ademais, as anotações do CNIS do seu cônjuge demonstram histórico longo de atividade urbana, como empregada, inicialmente, passando a empresária/empregadora por 3 anos e, após, como servidora do Município de Paranaiguara, desde 01/03/81, com última remuneração em 12/2017, no valor de R$ 3.913,07 (três mil, novecentos e treze reais e sete centavos). Ademais, a prova testemunhal não foi convincente quanto ao exercício de atividade rural em regime de economia familiar pelo Autor. 4. Não havendo início de prova material de atividade rural em nome próprio e ficando a documentação inicial do seu cônjuge superada pela demonstração de trabalho urbano, inclusive pela próprio Suplicante, impõe-se a reforma da sentença, eis que não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, na qualidade de segurado especial. 5. Havendo inversão do ônus de sucumbência, os honorários advocatícios ficam arbitrados em 10% sobre o valor da causa, ficando a execução condicionada à prova da superação da miserabilidade ensejadora da gratuidade de justiça, e ao limite temporal previsto no art. 98, §3º, do Código de Processo Civil. 6. Apelação provida, para julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.(AC 1028316-16.2020.4.01.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, PJe 02/07/2021 PAG.)
A coisa julgada, na espécie, deve produzir efeitos secundum eventum litis, de forma que, demonstrando a parte autora, em momento posterior, o atendimento dos requisitos, pode postular novamente a aposentadoria.
Ante o exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, condenando a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 11% (onze por cento), com suspensão da cobrança de ambas as parcelas na forma do art. 98, § 3º, do CPC/2015.
É o voto.
Seja o primeiro a comentar ;)
Postar um comentário