sexta-feira, 7 de abril de 2017

Vítima de violência doméstica tem direito à remoção


Nesta sextta-feira será visto uma decisão que trata sobre a possibilidade de remoção da servidora que sofre violência doméstica. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
Processo N° 0006686-12.2015.4.01.3300 - 12ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00154.2016.00123300.1.00142/00128
PROCESSO Nº: 6686-12.2015.4.01.3300
CLASSE: 2100, MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL
IMPETRANTE: ISABELLE MATOS PINHEIRO COSTA
IMPETRADOS: COORDENADOR DE MOVIMENTAÇÃO PESSOAL DO IFBA
SENTENÇA TIPO “A”
SENTENÇA
Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL impetrado por ISABELLE MATOS PINHEIRO COSTA em face de conduta imputada ao COORDENADOR DE MOVIMENTAÇÃO PESSOAL DO IFBA, objetivando a sua imediata remoção para o Campus de Salvador/BA dado ao perigo iminente de sua integridade física e psicológica, bem como de sua filha, ou que seja determinada a remoção para logo após a conclusão do estágio probatório.

Em sede de petição inicial, a impetrante alega, em síntese, que exerce a função de professora efetiva na área de enfermagem do Instituto Federal da Bahia - IFBA, Campus Barreiras/BA, nomeada pela Portaria 174/2012.

Relata que em meados de março de 2014, separou-se de fato, dando entrada ao processo de divórcio, inicialmente consensual, o qual foi extinto sem julgamento do mérito por pedido de desistência, tendo em vista que com o processo em andamento o seu ex-marido mudou completamente de postura acerca da dissolução matrimonial. 

Informa que preocupada com a situação, por ser sozinha na cidade de Barreiras/BA, residindo apenas com sua filha menor, protocolou junto à impetrada o primeiro pedido de remoção, processo nº793/2014, o qual foi indeferido. Ingressou também com o processo de divórcio litigioso nº0501628-95.2014.805.0022 em andamento na 3ª Vara Cível da Comarca de Barreiras/BA.

Ressalta que com o passar do tempo a situação com o seu ex-cônjuge foi ficando cada vez mais dificultosa e conflitante originando assim o primeiro Boletim de Ocorrência nº2992014000296 registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher – DEAM/Barreiras/BA. Angustiada com a violência doméstica sofrida a protocolou outro pedido de remoção, o qual também foi indeferido pela impetrada, por estar a impetrante em estágio probatório.

Procuração e documentos juntados às fls. 08/45.
Despacho à fl. 47 determinando a manifestação da impetrada acerca do pedido liminar.

Informações/Manifestação prestadas pelo IFBA às fls. 54/77.

Liminar indeferida às fls. 106/108.

Parecer do MPF às fls. 115/118 opinando pela concessão da segurança.

É o relatório. Decido.

O mandado de segurança é garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, para proteger direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Não havendo questões preliminares e/ou prejudiciais a solver, passa-se ao exame do mérito da causa. 

Requer o impetrante, servidora pública, vítima de violência doméstica, a sua remoção do Campus do IFBA de Barreiras/BA para o Campus de Salvador/BA.
A Lei nº 8.112/90 que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, prevê em seu art. 36, parágrafo único, as modalidades de remoção, in verbis:

Art.36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
I - de ofício, no interesse da Administração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de
10.12.97) 
II - a pedido, a critério da Administração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de
10.12.97)
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

No caso dos autos, o pedido de remoção da impetrante foi enquadrado na modalidade “a pedido, a critério da administração”, consoante documento à fl.39, razão pela qual o seu deferimento, ou não, é uma faculdade da Administração, devendo prevalecer o interesse público.
Sublinhe-se que o pedido de remoção da impetrante foi indeferido sob o argumento de que a servidora encontrava-se em estágio probatório, não preenchendo, portanto, as condições estabelecidas para remoção (fl. 39).
No entanto, a Lei nº 11.340/06, em seu art. 9º, §2º, I, assegurou a servidora pública, em situação de violência doméstica, o acesso prioritário à remoção, conforme trecho abaixo transcrito:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I – acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; (grifo nosso) Diante disso, pode-se considerar que o art. 9º, §2º, I, da referida lei, traz, na prática, outra hipótese de remoção do servidor público a pedido, independente do interesse da Administração ou, no mínimo, uma situação análoga aquela prevista no art.36, III, “b” da Lei nº 8.112/90.

Ademais, o direito da impetrante encontra-se amparado também na Constituição Federal/88 que prevê em seu art. 226, §8º, que a família terá especial proteção do Estado, in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.


Esse entendimento também pode ser confirmado pela jurisprudência do STF:
Decisão: Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado: “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. LEI 8.112190 1. A remessa oficial é tida por interposta, por inexistir demonstração do valor econômico perseguido na lide, não ocorrendo, na espécie, a aplicação do artigo 475, § 2º, do CPC. 2. Nas hipóteses de remoção de servidor público federal para acompanhamento de cônjuge, quando esta esbarra nas situações de impossibilidade de conciliação entre o interesse da Administração e a do servidor, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal aponta no sentido da prevalência do princípio constitucional de proteção da família (art. 226 da CF/88) nas situações de impossibilidade de conciliação entre o interesse da Administração e o particular. 3. Considerando que a remoção ocorreu independentemente da existência de vaga, não havendo prejuízo alcançando a terceiro, é temeroso a desconstituição de situação de fato consolidada há mais de 7 (sete) anos, por força de decisão judicial, contida na liminar concedida à servidora autora. 4. Apelação e remessa oficial, esta tida por interposta, não providas”. (eDCO 2, p. 51) No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, sustenta-se, em preliminar, a repercussão geral da matéria deduzida no recurso. No mérito, aponta-se violação ao art. 226, do texto constitucional. A recorrente alega, em síntese, o princípio constitucional de proteção a família não garante, por si só, o direito do servidor público exercer suas funções no local de domicílio da sua família. Decido. O recurso não merece prosperar. Isso porque o acórdão recorrido esta em sintonia com a jusrisprudência desta Corte que se firmou no sentido de que diante da impossibilidade de serem conciliados os interesses da Administração Pública quanto à observância da lotação do servidor com os da manutenção da unidade da família deve prevalecer a proteção da família, independentemente da existência de vagas. Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente do plenário desta Corte, assim ementado: “MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS. ART. 36 DA LEI 8.112/90. DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI 8112/90. ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 1. Em mandado de segurança, a União, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda, recorrer (parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/97). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo. 2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF. 3. A alínea a do inciso IIIdo parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta. 4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante especial proteção do Estado. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem. 5. Segurança concedida”. (MS 23.058, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe 14.11.2008) (grifo nosso) Ante o exposto, conheço do presente agravo para negar-lhe provimento (art. 544, § 4º, II, “a”, do CPC). Publique-se. Brasília, 9 de novembro de 2015. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

(STF - ARE: 927214 DF - DISTRITO FEDERAL 0022354-97.2004.4.01.3400, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09/11/2015, Data de Publicação: DJe-225 12/11/2015)
Nesta senda, restou demonstrado nos autos, em especial nos documentos acostados às fls. 87/105, indícios de violência doméstica sofrida pela impetrante, razão pela qual entendo que, com base no princípio constitucional de proteção à família e no quanto previsto no art. 9º, §2º, I, da Lei nº 11.340/06, o pedido de remoção da servidora é hipótese análoga àquela prevista no art. 36, III, “b” da Lei nº 8.112/90.
Diante do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para determinar que a IFBA proceda com a imediata remoção da impetrante para o Campus de Salvador/BA.

Sentença sujeita ao reexame obrigatório, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09. 
Sem custas para a impetrada em decorrência da isenção prevista art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96.
Sem honorários, em face do art. 25 da Lei nº 12.016/09 e da súmula 512 do STF.
Decorrido o prazo para a interposição de eventuais recursos, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Com o trânsito em julgado e nada mais havendo, arquivem-se os autos, com as providências de estilo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Salvador/BA, 14 de abril de 2016.
ÁVIO MOZAR JOSÉ FERRAZ DE NOVAES
JUIZ FEDERAL DA 12ª VARA/SJBA

Seja o primeiro a comentar ;)

Perfil

Minha foto
Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

  ©Comberlato Educação Previdenciária - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo