sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Decisão trata sobre o pedido de auxílio-doença se deve ser considerado como tempo especial

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 165 com a seguinte redação "O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento". Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.


EMENTA
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 165. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO. DESPROVIMENTO.
Fixada a tese, em representativo de controvérsia, de que "o período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento".
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 5012755-25.2015.4.04.7201/SC, juiz relator do acórdão Erivaldo Ribeiro dos Santos, 20/09/2019


ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por voto de desempate, por maioria, negar provimento ao pedido de uniformização, nos termos voto da Juíza Relatora. Vencidos o Juiz Federal Fábio Cesar Oliveira, que dava provimento ao pedido, e os Juízes Federais Guilherme Bollorini, Bianor Arruda Bezerra, Fernando Moreira Gonçalves e Carmen Resende, que davam parcial provimento ao pedido de uniformização. Julgado como representativo da controvérsia (Tema 165).

Brasília, 18 de setembro de 2019.


RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização interposto pelo INSS contra acórdão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, que deu provimento a recurso interposto pela parte adversa contra a sentença.

A Turma Recursal de origem reconheceu a especialidade de períodos em que o recorrido esteve em gozo de benefício de auxílio-doença previdenciário, verificados na duração do vínculo cuja especialidade também foi reconhecida.

Alega o recorrente que o acórdão recorrido diverge do entendimento adotado pela 1ª Turma Recursal do Espírito Santo, no julgamento do processo 0002710-60.2012.4.02.5050, no qual foi assentado que somente o auxílio-doença (ou aposentadoria por invalidez) acidentário enseja o reconhecimento da especialidade, nos termo do art. 65 do Decreto 3.048/99.

O incidente foi admitido pelo Presidente da Turma Recursal de origem e teve sua distribuição, bem como afetação como representativo da controvérsia (Tema 165), determinada pelo eminente Presidente desta Turma.

Publicado o edital inerente à admissão como representativo (evento 59), foram apresentados memorias pelo próprio recorrente (evento 61) e pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP (evento 70).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência do incidente de uniformização (evento 67).

É o breve relatório.


VOTO, Luisa Hickel Gamba, Juíza Relatora
O incidente é tempestivo e merece conhecimento, uma vez que presentes a similitude fático-jurídica entre o acórdão recorrido e o paradigma indicado, ambos decidindo a respeito da extensão da especialidade de período em gozo de benefício de auxílio-doença previdenciário decorrido durante a duração de vinculo computado como tempo especial, e a divergência entre os julgados, visto que o acórdão recorrido decidiu pela possibilidade do reconhecimento da especialidade e o paradigma indicado decidiu em sentido oposto.

O objeto do presente recurso é a uniformização sobre a possibilidade de cômputo como tempo especial de período em gozo de benefício de auxílio-doença previdenciário verificado quando o segurado exercia atividade em condiões espciais.

A matéria submetida ao rito de representativo da controvérsia (Tema 165), por sua vez, foi assim delimitada:
Saber se o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo do benefício por incapacidade, faz jus ou não ao cômputo de tal intervalo como especial.

Cabe anotar, inicialmente, que o reconhecimento de atividade especial, em qualquer caso, pressupõe o prévio reconhecimento do período como atividade comum. Se o período não foi sequer reconhecido como tempo comum, não há se falar em reconhecimento da especialidade.

No âmbito desta Turma Nacional, os critérios para reconhecimento, como tempo comum, de período em gozo de benefício por incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) estão consolidados no enunciado da súmula 73:
O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social.

Em segundo plano, cabe assinalar que a Lei 8.213/91 não tem dispositivo que expressamente determine o cômputo ou o afastamento da especialidade de período de gozo de benefício por incapacidade.

A Lei 8.213/91 apenas trata da aposentadoria especial e da caracterização do tempo especial, da seguinte forma:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98) (Vide Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)

Nos decretos regulamentadores, por sua vez, a matéria foi expressamente abordada, sedo certo que, atualmente, dispõe o art. 65 do Decreto 3.048/99:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)

Em redações anteriores, a referência era ao auxílio-doença decorrente do exercício da atividade especial. A alteração veio pela primeira vez, com o Decreto 4,882, de 2003, sem que, entretanto tenha havido qualquer alteração da lei regulamentada.

A restrição feita no Regulamento, porém, tanto na redação originária, como na redação atual, não encontra respaldo na lei, extravasando seus limites.

Com efeito, não há razão para que, podendo ser computado como tempo de serviço, o período de gozo de auxílio doença não observe a mesma qualificação, comum ou especial, do tempo de serviço exercido quando do afastamento.

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a matéria foi objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 8, já julgado e contra o qual foram interpostos recurso especial e recurso extraordinário, cujo juízo preliminar de admissibilidade está pendente.

Na oportunidade, foi firmada a seguinte tese:
O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.

Extrai-se da fundamentação daquele Egrégio Tribunal:

A possibilidade de se computar como especial o tempo de serviço em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária encontrava abrigo na redação original do artigo 65 do Decreto nº 3.048, de 06/05/ 1999 (Regulamento da Previdência Social), que assim estabelecia:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio doença decorrente do exercício dessas atividades.
Todavia, com a alteração promovida pelo Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, a nova redação dada ao parágrafo único do artigo 65 do Decreto nº 3.048/99, expressamente, restringiu a possibilidade de cômputo, como tempo especial, de período em gozo de auxílio-doença às hipóteses de benefícios por incapacidade acidentários e desde que na data do afastamento o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial, in verbis:
Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial. (destacado)
Tal orientação foi sufragada no âmbito desta 3ª Seção, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 5002381-29.2010.404.7102/RS, em 21/08/2014, por maioria, com voto de desempate, em acórdão que restou assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ATIVIDADE DE PEDREIRO. EXPOSIÇÃO A ÁLCALIS CÁUSTICOS. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. 1. A Lei nº 9.711/98 e o Regulamento Geral da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048/99 resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, mesmo que posteriores a 28-05-1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. 2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. Havendo nos autos prova pericial atestatória de que o segurado exerceu a atividade de pedreiro, de forma habitual e permanente, ficando exposto ao agente insalubre álcalis cáusticos, impõe-se o reconhecimento da especialidade do labor. Precedentes desta Corte. 4. Após a alteração do art. 65 do Decreto nº 3.048/99 pelo Decreto nº 4.882/03, somente é possível a consideração de período em gozo de auxílio-doença como tempo especial caso o benefício tenha sido decorrente de acidente do trabalho. (TRF4, EINF 5002381-29.2010.404.7102, Terceira Seção, Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 02/09/2014)
Há que se fazer a ressalva, no entanto, às situações em que a moléstia que originou o auxílio-doença previdenciário esteja relacionada à atividade laboral exercida pelo segurado, de natureza nociva, quando o período em gozo de benefício poderá ser computado como tempo diferenciado para fins de aposentadoria especial, desde que tal circunstância, a toda evidência, esteja cabalmente demonstrada nos autos. A este respeito, necessário conferir excerto do voto do Desembargador Federal Celso Kipper proferido no julgado acima referido, in verbis:
Discute-se acerca do reconhecimento, como especial, do período em que o segurado esteve em gozo de benefício de auxílio-doença.
A Constituição Federal de 1988, no art. 201, § 1º, assim dispõe:
É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
Pois bem, a regra geral, constitucional, é de que é proibida a adoção de critérios diferenciados para a obtenção de aposentadoria aos segurados do RGPS. Mas, por questão de justiça, a Constituição ressalva, ou seja, estipula, em algumas situações, a possibilidade de obter a inativação com esses critérios diferenciados. E uma dessas situações é quando o segurado está sujeito a agentes nocivos à sua saúde. Ou seja, não é justo que um segurado, se estiver sujeito e enquanto estiver sujeito a condições nocivas à sua saúde, tenha seu tempo de serviço computado da mesma forma que outro segurado que não está sujeito a essas condições agressivas à saúde.
Dentro desse contexto, vislumbro que há duas situações: na primeira delas, o segurado entra em gozo de auxílio-doença em decorrência da atividade profissional que realiza. A título de exemplo, temos a situação de um auxílio-doença decorrente de um acidente do trabalho, situação esta, inclusive, retratada no art. 65 do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Dec. 4.882/2003. Nessa hipótese, em que o segurado exercia atividade especial e sofreu um acidente do trabalho, deve ele ser beneficiado com o reconhecimento, como especial, do período em que permanecer em gozo de benefício, como uma consequência lógica da atividade especial. Esta não é, contudo, a única hipótese. Por exemplo, um segurado que está sujeito a hidrocarbonetos aromáticos em seu ambiente de trabalho e acaba contraindo doença respiratória e, por conta disso, obtém auxílio-doença: ainda que não seja configurado como benefício acidentário, a lógica é a mesma, ele tem direito à contagem diferenciada do período em que estiver percebendo auxílio-doença. Trago, ainda, outro exemplo: um digitador ou caixa de banco que acaba desenvolvendo LER. Ainda que não venha a ser considerado benefício acidentário, há uma relação muito estreita entre a sua atividade e a doença contraída. Nesses casos, tenho reconhecido a contagem diferenciada de tempo de serviço.
A segunda situação que se estabelece é aquela em que a incapacidade temporária decorre de motivos alheios à atividade laboral. Exemplifico com um caso em que o segurado se machuca ao jogar futebol ou praticar qualquer outra atividade esportiva, e, por conta disso, permanece dois anos afastado do trabalho, em gozo de benefício. Entendo inviável, neste caso, a contagem, como especial, do tempo de serviço em gozo de auxílio-doença, não só porque obviamente o segurado não está sujeito a agentes nocivos, mas porque o benefício não decorreu do exercício da atividade profissional. Parece-me que, neste caso, estaríamos desrespeitando a Constituição, haja vista que a regra geral é que a contagem diferenciada é possível se o segurado estiver sujeito a agentes nocivos, e, na hipótese acima referida, o auxílio-doença não teve relação alguma com o trabalho. A contagem diferenciada do tempo de serviço, nesse caso, constituiria ofensa não só ao artigo 65 do Decreto n. 3.048/99, mas principalmente ao § 1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988.
Em suma, penso que, para a contagem do tempo como especial, é imprescindível que haja vinculação entre a doença e a atividade profissional, ou que aquela decorra de acidente do trabalho.
No caso concreto, não há qualquer vinculação entre a doença e a atividade profissional do autor, razão pela qual acompanho o Relator, com acréscimo de fundamentação.
Dito isso, é incontroversa a possibilidade de computar como tempo de serviço especial o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença desde que (a) decorrente de acidente do trabalho e que na data do afastamento o segurado esteja exercendo atividade considerada especial; ou (b) a moléstia que o tenha originado tenha vinculação direta com a sua atividade profissional, a qual deve ser considerada nociva, e que tal circunstância esteja devidamente provada nos autos, consoante precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. CÔMPUTO DE TEMPO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA COMO ESPECIAL. ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS FIXADAS PELO TRIBUNAL A QUO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A questão a ser revisitada está em saber se o período pleiteado de 11-10-2006 a 30-8-2007 e de 20-7-2008 a 1º/2/2010, em que o segurado esteve em gozo do auxílio-doença deve ser computado como tempo especial.
2. No caso em apreço, o Tribunal a quo considerou os intervalos de 13-8-1997 a 1º/9/1997 e de 16/6/2000 a 1º/8/2000 especiais, convertendo-os para tempo comum, asseverando, para tanto, que nesses períodos, em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença decorrente de acidente do trabalho, a incapacidade estava relacionada com atividade especial no trabalho.
3. No períodos de 11-10-2006 a 30-8-2007 e de 20-7-2008 a 1º/2/2010, objeto do recurso especial, o Tribunal a quo consignou que o segurado recebeu auxílio-doença previdenciário em virtude de neoplasia maligna da medula espinhal dos nervos cranianos e de outras partes do sistema nervoso central, bem como em decorrência de neoplasia benigna da glândula hipófise, concluindo, todavia, que não restou comprovado que a enfermidade incapacitante estivesse vinculada ao exercício da atividade laboral especial. Por isso, não computou esses intervalos.
4. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, aplicando-se aos períodos de afastamento decorrentes de gozo de auxílio-doença, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco, vale dizer, aos agentes nocivos, o que no presente caso, não restou evidenciado pelo Tribunal a quo. Inafastável a Súmula 7/STJ.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1467593/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 05/11/2014)
Entrementes, não se pode olvidar que tal solução, adotada no âmbito das turmas previdenciárias deste Regional, impõe (a) restrição ao reconhecimento da atividade especial mediante regulamentação permeada por uma visão limitada da proteção à saúde do trabalhador preconizada pelo artigo 57 da LBPS/91, enseja (b) enriquecimento ilícito da Autarquia Previdenciária, a medida em que não se reconhece o período de atividade especial do segurado em gozo do auxílio-doença não acidentário ou sem relação com o agente nocivo a que está submetido em seu ambiente laboral e em que subsiste o recolhimento diferenciado das contribuições previdenciárias das empresas, previsto no artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91 e (c) desconsidera o fato de que as condições clínicas dos trabalhadores submetidos aos diversos agentes nocivos não é a mesma dos demais obreiros.
Com efeito, o direito à aposentadoria especial está regulado nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 nestes termos:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.
§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.
§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.
Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento. (Grifei).
A Lei remete ao Ministério da Previdência e Assistência Social a fixação de critérios para o reconhecimento da atividade especial, o que é feito no Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), que, em sua redação original, previa o seguinte:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades.
Tal vinculação do auxílio-doença com o exercício da atividade especial subsiste nas alterações posteriores do Regulamento da Previdência Social:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante toda a jornada de trabalho, em cada vínculo, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, inclusive férias, licença médica e auxílio-doença decorrente do exercício dessas atividades.(Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999)
Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial. (Incluído pelo Decreto nº 4.882, de 2003)
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68.
(Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
O Ministério da Previdência Social adotou, conforme visto, o critério de que somente as moléstias relacionadas à atividade profissional especial deveriam ser reconhecidas como tempo de serviço especial para fins de concessão do benefício previsto no artigo 57 da LBPS/91, excedendo o poder regulamentar, que deve ser exercido nos contornos definidos pela lei.
Apenas destaco, porque absolutamente relevante, que não se está a tratar da inconstitucionalidade do regulamento, mas de sua ilegalidade frente ao texto do art. 57 da LB, já citado, que, no meu modo de ver as coisas, restringiu indevidamente (o regulamento) a especial proteção devida pela Previdência Social ao trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Lembro, então, a desnecessidade de observância da Súmula Vinculante 10 - reserva de plenário -, já que, nos termos do que decidido no Agravo Regimental na Reclamação 10.865 SP, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 27 de fevereiro de 2014, 'o Verbete Vinculante nº 10 da Súmula do Supremo não alcança situações jurídicas em que o órgão julgador tenha dirimido conflito de interesses a partir de interpretação de norma legal'.
Logo, não é possível limitar a contagem do tempo especial, a priori, àquelas hipóteses de gozo de auxílio-doença decorrente de enfermidades explicitamente vinculadas ao trabalho para o reconhecimento do tempo especial, haja vista que as condições clínicas e imunológicas do ser humano não se restringem àquelas apresentadas no momento em que estiver acometido de determinada moléstia, mas compreende todo o histórico de saúde, o grau de comprometimento funcional dos órgãos e do próprio sistema imunológico após anos de submissão aos agentes nocivos. Nesse sentido, e para usar um exemplo banal, é evidente que um trabalhador de mina de carvão acometido de gripe no inverno não terá a mesma capacidade de recuperação de um auxiliar de escritório que venha padecer dessa mesma doença.
Nesse sentido, manifesta-se a literatura médica:
'[...] The most common occupational immune hypersensitivity disorders include allergic asthma or rhinoconjunctivitis, hypersensivity pneumonitis, and allergic contatct dermatitis. The reactions depend on the host the duration, the degree and type of sensitization, and the antigen.
Allergic asthma and allergic rhinitis occur when sensitized workerers inhale specific antigen. Occupational asthma is probably one of the most prevalent of the immunologically mediated occupational disorders, although knowledge of its incidence is limited by the absence of a uniform definitivon of the disease, selection bias, underreporting, and differences in prevalence rates in different industries. In the United States and Japan, and estimated 2-15% of newly diagnosed adult asthma is a result of occupacional exposure. Variable airflow limitation, bronchial hyperresponsiveness, or both as a result of conditions in a particular work environment mark occupacional asthma.
[...]Surveys among workers in high-risk occupations suggest that the etiologic agent or exposure is the most important risk factor for the development of occupational asthma. The incidence of allergic rhinitis or allergic asthma in workers with exposure to animal proteins is estimated to be between 20% and 30%. The prevalence of occupational asthma in workers exposed to anhydrides is estimated to be 20%, as compared wih the National Health Interview Survey estimation of 5% in the general adult population in 1994. [...]' La Dou, Joseph. Current Occupational & Environmental Medicine. Fourth Edition. Mc Graw Hill Medical. São Francisco: 2006, p. 198-199).
Em tradução livre, o autor refere que os distúrbios de hipersensibilidade imunológica ocupacional mais comuns incluem asma alérgica ou rinoconjuntivite, pneumonite por hipersensibilidade e dermatite contatada alérgica. As reações dependem do hospedeiro da duração, do grau e do tipo de sensibilização e do antígeno. Asma alérgica e rinite alérgica ocorrem quando trabalhadores sensibilizados inalam antigénio específico. A asma ocupacional é provavelmente uma das doenças mais prevalentes dos transtornos ocupacionais imunologicamente mediados, embora o conhecimento de sua incidência seja limitado pela ausência de uma definitiva uniforme da doença, viés de seleção, subnotificação e diferenças nas taxas de prevalência em diferentes indústrias. Nos Estados Unidos e no Japão, e estimado que 2-15% da asma adulta recém-diagnosticada é resultado da exposição ocupacional. Limitação de fluxo de ar variável, hiperresponsividade brônquica, ou ambos como resultado de condições em um ambiente de trabalho particular marca asma ocupacional. [...] Pesquisas entre trabalhadores em ocupações de alto risco sugerem que o agente ou exposição etiológica é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento de asma ocupacional. A incidência de rinite alérgica ou asma alérgica em trabalhadores com exposição a proteínas animais é estimada entre 20% e 30%. A prevalência de asma ocupacional em trabalhadores expostos a anidridos é estimada em 20%, em comparação com a estimativa do National Health Interview Survey de 5% na população adulta em geral em 1994.
Pois bem. Diante dessa premissa das Ciências Médicas, o Ministério da Saúde do Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil, publicaram manual de procedimentos para os serviços de saúde quanto às doenças relacionadas ao trabalho, onde é possível observar a seguinte classificação das moléstias:
GRUPO I: doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças profissionais, stricto sensu , e pelas intoxicações agudas de origem ocupacional.
GRUPO II: doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário, exemplificadas pelas doenças comuns, mais freqüentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e para as quais o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. A hipertensão arterial e as neoplasias malignas (cânceres), em determinados grupos ocupacionais ou profissões, constituem exemplo típico.
GRUPO III: doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou preexistente, ou seja, concausa, tipificadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios mentais, em determinados grupos ocupacionais ou profissões. [...] (Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde /Ministério da Saúde do Brasil, Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil; organizado por Elizabeth Costa Dias ; colaboradores Idelberto Muniz Almeida et al. - Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2001, p. 28, disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf, acesso em 14 ago 2017).
Contudo, segundo o Ministério da Saúde (op. cit., p. 29), no âmbito dos serviços de saúde, o principal instrumento para a investigação das relações saúde-trabalho-doença e, portanto, para o diagnóstico correto do dano para a saúde e da relação etiológica com o trabalho, é representado pela anamnese ocupacional. Entrementes, o Ministério da Saúde reconhece que tal diagnóstico do nexo causal é um processo social:
A decisão quanto à existência de relação causal entre uma doença diagnosticada ou suspeita e uma situação de trabalho ou ambiental é considerada por Dembe (1996) como processo social. Segundo Desoille, Scherrer & Truhaut (1975), a comprovação deve basear-se em 'argumentos que permitam a sua presunção, sem a existência de prova absoluta'. A noção de presunção na legislação de diferentes países visou a beneficiar o trabalhador e a evitar discussões intermináveis sobre essas relações.
[...]
A monitorização biológica de trabalhadores expostos a substâncias químicas potencialmente lesivas para a saúde, por meio da realização de exames toxicológicos, é importante para os procedimentos de vigilância. A legislação trabalhista, por meio da Norma Regulamentadora (NR) n.º 7, da Portaria/MTb n.º 3.214/1978, e seus complementos, estabelece as situações, as condições e os parâmetros, ou Indicadores Biológicos, para sua realização e interpretação.
Entre esses parâmetros estão o Índice Biológico Máximo Permitido (IBMP) e o Valor de Referência da Normalidade (VRN).
Para a comprovação diagnóstica e estabelecimento da relação da doença com o trabalho, podem ser necessárias informações complementares sobre os fatores de risco, identificados a partir da entrevista com o paciente.
No caso de trabalhadores empregados, essas informações poderão ser solicitadas ao empregador, como os registros de estudos e levantamentos ambientais, qualitativos ou quantitativos, contidos no Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), feito por exigência da NR 9, da Portaria/MTb n.º 3.214/1978. Também podem ser úteis os resultados de avaliações clínicas e laboratoriais realizadas para o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), em cumprimento da NR 7, da mesma portaria referida anteriormente, e registros de fiscalizações realizadas pelo poder público.
Entretanto, na grande maioria dos casos, o médico ou o profissional de saúde que atende ao trabalhador tem muita dificuldade para conseguir as informações necessárias para completar o diagnóstico, porque o empregador não cumpre a legislação ou as informações não existem, perderam-se ou não são confiáveis. Nesses casos, a estimativa da exposição aos fatores de risco pode ser feita por meio da identificação das tarefas mais freqüentes, das exigências em termos de esforço físico, posturas, gestos e movimentos, descrição de produtos usados, com respectivas quantidades e tempo de uso, presença ou não de cheiros e/ou interferências em atividades (por exemplo, ruído e comunicação), número de peças produzidas, intensidade e formas de controle de ritmos de trabalho, interações existentes com outras tarefas, imprevistos e incidentes que podem aumentar as exposições, dados do ambiente físico, como tipo de instalação, layout, contaminação por contigüidade, ruído, emanações, produtos intermediários, ventilação, medidas de proteção coletivas e individuais. (op. cit., p. 30-34).
As autoridades de saúde brasileira, no entanto, advertem para as imensas dificuldades para o estabelecimento desse nexo causal:
Entre as principais dificuldades para o estabelecimento do nexo ou da relação trabalho-doença estão:
- ausência ou imprecisão na identificação de fatores de risco e/ou situações a que o trabalhador está ou esteve exposto, potencialmente lesivas para sua saúde;
- ausência ou imprecisão na caracterização do potencial de risco da exposição;
- conhecimento insuficiente quanto aos efeitos para a saúde associados com a exposição em questão;
- desconhecimento ou não-valorização de aspectos da história de exposição e da clínica, já descritos como associados ou sugestivos de doença ocupacional ou relacionada ao trabalho;
- necessidade de métodos propedêuticos e abordagens por equipes multiprofissionais, nem sempre disponíveis nos serviços de saúde. (Op. Cit., p. 33).
Assim, sendo deveras difícil precisar com segurança a influência dos agentes nocivos nas doenças comuns que acometem os segurados da Previdência Social e tendo em vista as inúmeras dificuldades probatórias impostas aos segurados para demonstrar, por ocasião do requerimento de aposentadoria especial, que os períodos pretéritos e, quiçá remotos, de incapacidade contidos no seu histórico tinham correlação direta ou indireta com a atividade profissional, entendo que os períodos de gozo de auxílio-doença previdenciário também devem ser reconhecidos como tempo de serviço especial, a exemplo dos períodos de férias, descansos previstos na legislação trabalhista, gozo de salário-maternidade, igualmente previstos no artigo 65 do Regulamento da Previdência Social, na esteira do entendimento esposado pelo eminente Des. Federal Rogério Favreto por ocasião do julgamento do EI nº 5002381-29.2010.404.7102/RS:
Em resumo, entendia que somente faria jus ao cômputo como tempo de serviço especial do período em gozo de auxílio-doença quando a incapacidade fosse decorrente do desempenho da atividade especial. Isso tanto na versão original como na redação atual do art. 65 do Decreto nº 3.048/99, sem distinção.
Contudo, refletindo novamente sobre a questão, resolvo propor solução voltada à proteção daquele segurado que, por longos anos de atividade especial, pois exposto aos mais variados agentes nocivos, pode sofrer sensíveis prejuízos por conta de indesejável incapacidade, ainda que durante esse período tenha sido beneficiado com a percepção de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Na hipótese, é inegável o desgaste provocado pelo desempenho de atividade especial, seja pela exposição aos mais diversos agentes físicos, químicos e biológicos, seja pelo maior esforço empregado na execução das atividades. Isso tudo se confirma com a previsão de pagamento de adicional, durante o exercício dessas atividades, como também na previsão de contagem diferenciada para fins de concessão de aposentadoria. Nesse caso, aliás, o regramento previdenciário possibilita computar como tempo especial o período em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários.
De qualquer forma, não pode ser desprezado o fato de que a doença incapacitante muitas vezes pode ter relação, mesmo que indireta, com o desempenho da atividade especial. Apesar disso, tal vinculação com a incapacidade muitas vezes não é possível de ser demonstrada no curso da ação. Isso, a rigor, deveria ser investigado na esfera administrativa quando do requerimento do benefício por incapacidade, porém a realidade é outra.
Na hipótese acima, nota-se sensível prejuízo enfrentado pelo segurado que, por circunstâncias alheias a sua vontade, obteve auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (não acidentários), mas por não ter sido possível constatar eventual relação/contribuição entre o exercício da atividade especial e sua incapacidade laboral, resta impossibilitado de computar como tempo especial o período de percepção de tais benefícios.
Não posso deixar de registrar, de outra parte, que o rigor aplicado ao benefício por incapacidade, estampado no art. 65 do Decreto nº 3.048/99, não se estende à hipótese de período de percepção de salário-maternidade. Nesse caso, evidente que o afastamento não é causado pelo desempenho da atividade, mas nem por isso deixa de ser considerado como tempo especial, apesar do afastamento temporário das atividades. Basta, para tanto, demonstrar o exercício de atividade considerada especial na data do afastamento.
[...]
Em acréscimo a isso, valho-me das palavras dos Des. Federal Luiz Carlos de Castro de que se deve 'levar em conta o espírito protetor da norma, no sentido de considerar que é da natureza da atividade especial a sujeição do segurado a agentes nocivos e a condições especiais que prejudiquem sua saúde ou integridade física'.
Dessa forma, resolvo aderir à tese do voto vencido na 6ª Turma, pois, em revisão de entendimento, tenho que possível computar o período em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo de serviço especial, desde que exercida atividade dessa espécie no período imediatamente anterior ao afastamento.
Com efeito, reconhecida a possibilidade de considerar como tempo de serviço especial aquele período em que esteve em gozo de auxílio-doença, a parte autora conta com mais de 25 anos de tempo de serviço, fazendo jus à aposentadoria especial.'
Agrego, então e nos termos referidos pelo Desembargador Federal Rogério Favreto e acima indicados, o seguinte: além da violação direta ao art. 57 da LB, vislumbro uma afronta indireta (ou mediata ou reflexa) ao princípio (ou regra, caso se queira) da igualdade, na acepção de proibição de arbitrariedade.
Pois bem.
Entre as várias dimensões que a igualdade assume no Estado Democrático de Direito, talvez a mais tradicional seja aquela que identifica o seu conteúdo (da igualdade) com a proibição de arbitrariedade, que, em linhas gerais e embora se trate de um conceito nitidamente insuficiente, pode ser definida como 'uma liberdade completa de conformação, quanto ao processo, ritmo e forma de aperfeiçoamento da igualdade, estando apenas negativamente limitado pela proibição de normas jurídicas arbitrárias' (CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2001, p. 405).
Na mesma linha, Canotilho e Moreira afirmam: 'a proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo'. (CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. v. 1. 4. ed. revista. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 339).
Em outras palavras: exige-se um teste (mínimo) de racionalidade, em que apenas evidentes injustiças ou diferenciações que, sob nenhum aspecto, possam ser justificadas racionalmente, autorizam o controle do Poder Judiciário (conferir, sobre o ponto e entre outros, PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 208; GARCIA, Maria da Glória F. P. D. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005, p. 56 et seq; GHERA, Federico. Il principio di eguaglianza nella Costituzione Italiana e nel diritto comunitario. Padova: CEDAM, 2003, p. 47 et seq.).
No caso presente, o regulamento, ao prever expressamente situação que não possui qualquer relação com a atividade especial desenvolvida (cito como exemplo a licença maternidade) sem que existam motivos para a distinção e, ao mesmo tempo, deixar de contemplar outras situações similares (refiro, aqui e justamente, o auxílio doença não acidentário, que pode decorrer, inclusive e conforme referi antes, do quadro mais fragilizado da saúde do trabalhador exposto), malferiu, ainda que indiretamente, a igualdade na acepção de proibição de arbitrariedade.
Qual seria a diferença entre auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário para efeitos de tempo permanente de trabalho especial? Ambos decorrem de um evento indesejado, caso contrário, estar-se-ía diante de uma fraude. No que concerne à fonte de custeio, nada os diferencia. Não houvesse para um, não haveria para o outro também. Mas já se disse que as empresas recolhem contribuição social com alíquota diferenciada justamente para atender este tipo de despesa. Há, ademais, uma tendência dogmática e jurisprudencial de equiparação entre as duas espécies, o que fica mais evidente no nível da relação dos auxílios doença com a aposentadoria especial. Qual seria o elemento de discríminen, o que autorizaria um tratamento diferenciado entre auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário? A lei não exige correspondência entre o auxílio-doença acidentário e os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho. Em ambos os casos, os segurados fica(ra)m afastados dos agentes nocivos. Assim, das duas uma, ou nenhum afastamento decorrente de gozo de beneficio por incapacidade deve ser considerado como tempo de trabalho especial, ou os dois, auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário, devem ser considerados, sob pena de se consubstanciar rematada violação ao princípio isonômico na medida em que se dedica tratamento diferenciado a realidades idênticas.
Ademais, conforme lecionam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro. Forense: 2016, p. 738), essa limitação em relação ao auxílio-doença prejudica o trabalhador e contraria a lógica do sistema de proteção previdenciária de que o recebimento temporário de benefício substitutivo do rendimento do trabalho deve ocorrer sem prejuízo da contagem do tempo de atividade especial, mesmo quando a incapacidade seja de origem comum (não acidentária), consoante inúmeros precedentes da Turma Regional de Uniformização dos JEFs da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL PARA COMUM. PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PARCIAL PROVIMENO.
1. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.
2. Incidente de Uniformização parcialmente provido. (TRU4, IU 5002451-60.2012.404.7107/RS, Relatora para Acórdão ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA, julg. 06/07/2012).
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PREVIDENCIÁRIO. COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. ATIVIDADE ESPECIAL. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO.
1. Conforme entendimento firmado por esta Turma no julgamento do incidente 5002451-60.2012.404.7107, o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.
2. Incidente conhecido e provido. (5010404-89.2014.404.7112, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator p/ Acórdão LEONARDO CASTANHO MENDES, juntado aos autos em 29/04/2015).
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. CÔMPUTO DE PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE.
1. 'O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial' (IUJEF n.º 5002451-60.2012.404.7107, TRU -4ª Região).
2. Recurso provido. (5006010-37.2012.404.7006,TERCEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relatora p/acórdão BIANCA GEORGIA ARENHART MUNHOZ DA CUNHA, julgado em 22/04/2015).
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL PARA COMUM. PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NÃO CONHECIDO. QUESTÃO DE ORDEM N. 13 DA TNU. 1. Nos termos da jurisprudência uniformizada por esta Turma, 'o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.'(5002451-60.2012.404.7107, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva, D.E. 09/07/2012) 2. Incidente não conhecido, nos termos da questão de ordem nº 13 da TNU. ( 5001671-20.2012.404.7205, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ªREGIÃO, Relator MARCELO MALUCELLI, juntado aos autos em 29/05/2013)
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIALPARA COMUM. PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.
1. 'O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial' (IUJEF n.º 5002451-60.2012.404.7107, TRU - 4ª Região).
2. Incidente de Uniformização provido. ( 5009062-92.2013.404.7107, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator p/ Acórdão OSÓRIO ÁVILA NETO, juntado aos autos em 10/04/2014).
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE NA ÉPOCA DA APOSENTADORIA. QUESTÃO DE ORDEM Nº 13 DA TNU. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO COMO TEMPO ESPECIAL. 1. A lei que rege o direito a converter tempo de serviço comum em especial é a lei vigente na época da concessão da aposentadoria, quando preenchidos todos os requisitos necessários à aposentação. 2. Não é possível a conversão de tempo de serviço comum em especial, para fins de obtenção de aposentadoria especial, mesmo que prestado anteriormente à Lei nº 9.032/95, quando, como no caso, os requisitos necessários à concessão do benefício foram preenchidos somente após o referido diploma legal. 3. De acordo com o sistema previdenciário vigente após o advento da Lei nº 9.032/1995, somente cabe a concessão de aposentadoria especial para quem exerceu todo o tempo de serviço previsto no art. 57 da Lei nº 8.213/1991 (15, 20 ou 25 anos, conforme o caso) em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. 4. Aplicação analógica da Questão de Ordem nº 13 da TNU. 5. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial, independentemente de qualquer tipo de nexo ou vinculação com a atividade especial desenvolvida pelo segurado, conforme já uniformizado por esta Turma Regional. 6. Pedido conhecido em parte, e, na parte conhecida, provido, com retorno à Turma Recursal de origem para adequação. (5000819-29.2013.404.7118, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora JACQUELINE MICHELS BILHALVA, juntado aos autos em 17/04/2017).
Considerando que o próprio artigo 57, § 6º, da LBPS/91 assegura a fonte de custeio da aposentadoria especial prevista no artigo 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91, a qual não prevê qualquer modificação no recolhimento das contribuições previdenciárias durante o período de gozo de auxílio-doença previdenciário (não acidentário ou sem relação com a atividade laboral especial), resta estabelecido o paradoxo de existir uma fonte de custeio inalterada e uma omissão na proteção previdenciária devida ao segurado sistematicamente exposto a agentes nocivos.
Negar ao segurado a possibilidade de cômputo de tempo de serviço de forma diferenciada, tão somente em razão da natureza do afastamento de suas atividades laborais, configura afronta ao princípio da contrapartida, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, in verbis:
O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, § 5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE. - Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF. (ADI-MC nº 2.010, Tribunal Pleno, Relator Ministro Celso de Mello, DJU 12/04/2002, julgado em 30/09/1999).

Como se vê, a matéria foi detidamente analisada pelo TRF4R, sendo caso de adotar os bem lançados fundamentos, para, em sede de representativo da controvérsia (Tema 165), fixar tese com semelhante teor, qual seja:
O período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial nos casos em que o trabalhador exercia atividade especial quando do afastamento.

No caso concreto, o acórdão recorrido está em consonância com a tese ora fixada, impondo-se o desprovimento do incidente de uniformização interposto pelo INSS.

Pelo exposto, voto por CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização.


VOTO, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Trata-se, na origem, de demanda ajuizada por Adolar Wegener em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio da qual o segurado postula a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do caráter especial das atividades desenvolvidas entre 16/01/1995 e 28/01/2002.

Sobreveio sentença que acolheu parcialmente o pedido do segurado, apenas deixando de reconhecer a especialidade do período compreendido entre 15/01/2001 e 28/02/2001, no qual esteve em gozo de benefício por incapacidade, por se tratar “de benefício de auxílio doença previdenciário, razão pela qual o autor não faz jus ao reconhecimento do caráter especial de sua atividade neste período” (evento n. 23).

Inconformada, recorreu a parte autora, sustentando que o período em gozo de benefício por incapacidade de origem previdenciária também deveria ter a contagem diferenciada assegurada, tendo sua pretensão acolhida pela 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, sobre o fundamento de que não haveria “óbice ao enquadramento de período de gozo de auxílio-doença previdenciário, especialmente se intercalado com períodos de tempo de trabalho em condições insalubres já reconhecidos para efeito de concessão de benefício de aposentadoria, como ocorreu no caso concreto” (evento n. 33).

Em face dessa decisão, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS veiculou o presente pedido de uniformização dirigido a esta Turma Nacional, no qual, em apertada síntese, apontou paradigma e pontuou que “a 1ª Turma Recursal do Espírito Santo ao decidir a mesma controvérsia jurídica, possibilidade de se computar como tempo especial o período em gozo de benefício por incapacidade, ao contrário da Turma de Santa Catarina, entendeu que não é devido o cômputo como especial do período em gozo do auxílio-doença previdenciário ou comum”, requerendo a uniformização do entendimento no sentido de que “o auxílio-doença previdenciário não pode ser computado como tempo especial” (evento n. 43).

Com contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Turma Nacional de Uniformização, oportunidade na qual foi determinada a sua distribuição e afetação do tema controvertido como representativo de controvérsia, restando submetida a julgamento a seguinte questão: “saber se o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo do benefício por incapacidade, faz jus ou não ao cômputo de tal intervalo como especial” (Tema n. 165).

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP solicitou sua admissão como amicus curiae, cujo deferimento formal foi considerado dispensável pela Relatora, restando assegurada sua intervenção nos termos estabelecidos pelo Regimento Interno (eventos n.s 69, 74 e 77).

O Ministério Público Federal se manifestou pelo acolhimento do pedido de uniformização, asseverando que, “possuindo o auxílio-doença recebido pelo requerido natureza previdenciária e não acidentária, não há como estabelecer relação com o trabalho por ele desempenhado, o que por conseguinte implica a contagem desse período como tempo comum para aposentadoria e não como labor especial” (evento n. 67).

Iniciada a apreciação do pedido de uniformização na Sessão de Julgamentos de 21/06/2018, a Relatora, Juíza Federal Luísa Hickel Gamba, encaminhou seu voto por conhecer e negar provimento ao incidente veiculado pelo INSS, propondo a fixação da tese no sentido de que “o período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial nos casos em que o trabalhador exercia atividade especial quando do afastamento”, tendo pedido vista, antecipadamente, o Juiz Federal Fábio Cesar Oliveira.

O julgamento foi retomado na Sessão de 17/08/2018 com a apresentação do voto-vista pelo Juiz Federal Fábio Cesar Oliveira, no sentido de conhecer e dar provimento ao pedido de uniformização, para se fixar a seguinte tese: “após a alteração do art. 65 do Decreto n. 3.048/99, pelo Decreto n. 4.882 publicado em 19/11/2003, o cômputo de período de fruição de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, como tempo especial, somente é possível se a causa de concessão do benefício tiver origem em acidente de trabalho do segurado que exercia atividade especial antes do afastamento”.

Outrossim, o Juiz Federal Guilherme Bollorini Pereira apresentou voto divergente para conhecer e dar parcial provimento ao incidente, propondo a uniformização da tese no sentido de que “seja computado como tempo especial - na forma do §3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 - não somente o(s) período(s) em que o segurado, trabalhando sob condições especiais, passe a receber o benefício por incapacidade de tipo acidentário, como também o(s) de recebimento de benefício por incapacidade previdenciário, desde que a causa de sua concessão seja decorrente, mesmo que de forma indireta, da atividade especial exercida”.

Diante do empate verificado, pedi vista, determinando posteriormente o sobrestamento do feito, de modo que se aguardasse o julgamento da Controvérsia n. 61 (Resp 1759098/RS) pelo Superior Tribunal de Justiça.

Concluído aquele julgamento, passo a proferir meu voto, nos termos do art. 8º, VII, do RITNU.

Acerca da questão aqui controvertida, “saber se o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo do benefício por incapacidade, faz jus ou não ao cômputo de tal intervalo como especial”, o c. Superior Tribunal de Justiça afetou a Controvérsia n. 61, posteriormente vinculada ao Tema n. 998 dos recursos repetitivos, submetendo a julgamento a seguinte questão: “possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária”.

Naquele tema, restou firmada a seguinte tese: “o Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial”.

Neste contexto, deve prevalecer o voto da Juíza Relatora, eis que em sintonia com tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, voto por acompanhar a relatora.


VOTO DIVERGENTE, Guilherme Bollorini Pereira, Juiz Federal
Não obstante as bem lançadas razões constantes do voto da Relatora, peço vênia para divergir, embora concorde que também o benefício previdenciário, e não apenas o acidentário, pode ser objeto de contagem de tempo especial.

No entanto, entendo que deve haver uma vinculação entre o benefício de auxílio-doença previdenciário (e não apenas acidentário) concedido ao segurado que exerce atividade especial, e os motivos da concessão do mesmo para o efeito de contagem, como tempo especial, do período inativo de recebimento daquele benefício por incapacidade.

Quando o caso é de concessão do benefício acidentário, cuja causa é diretamente vinculada ao exercício da atividade considerada especial, nada a acrescentar, pois logicamente haverá uma conexão imediata entre a atividade exercida pelo segurado e o motivo da concessão do benefício.

Quanto ao benefício previdenciário (não acidentário!), a moléstia que deu motivo à concessão deve estar relacionada à atividade do segurado, mesmo que não seja decorrente de acidente do trabalho.

Nesse sentido, adoto os seguintes fundamentos constantes do voto da Relatora Juíza Federal Luisa Hickel, relativos à primeira parte do voto proferido no Iincidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Discute-se acerca do reconhecimento, como especial, do período em que o segurado esteve em gozo de benefício de auxílio-doença.
A Constituição Federal de 1988, no art. 201, § 1º, assim dispõe:
É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
Pois bem, a regra geral, constitucional, é de que é proibida a adoção de critérios diferenciados para a obtenção de aposentadoria aos segurados do RGPS. Mas, por questão de justiça, a Constituição ressalva, ou seja, estipula, em algumas situações, a possibilidade de obter a inativação com esses critérios diferenciados. E uma dessas situações é quando o segurado está sujeito a agentes nocivos à sua saúde. Ou seja, não é justo que um segurado, se estiver sujeito e enquanto estiver sujeito a condições nocivas à sua saúde, tenha seu tempo de serviço computado da mesma forma que outro segurado que não está sujeito a essas condições agressivas à saúde.
Dentro desse contexto, vislumbro que há duas situações: na primeira delas, o segurado entra em gozo de auxílio-doença em decorrência da atividade profissional que realiza. A título de exemplo, temos a situação de um auxílio-doença decorrente de um acidente do trabalho, situação esta, inclusive, retratada no art. 65 do Decreto n. 3.048/99, com a redação dada pelo Dec. 4.882/2003. Nessa hipótese, em que o segurado exercia atividade especial e sofreu um acidente do trabalho, deve ele ser beneficiado com o reconhecimento, como especial, do período em que permanecer em gozo de benefício, como uma consequência lógica da atividade especial. Esta não é, contudo, a única hipótese. Por exemplo, um segurado que está sujeito a hidrocarbonetos aromáticos em seu ambiente de trabalho e acaba contraindo doença respiratória e, por conta disso, obtém auxílio-doença: ainda que não seja configurado como benefício acidentário, a lógica é a mesma, ele tem direito à contagem diferenciada do período em que estiver percebendo auxílio-doença. Trago, ainda, outro exemplo: um digitador ou caixa de banco que acaba desenvolvendo LER. Ainda que não venha a ser considerado benefício acidentário, há uma relação muito estreita entre a sua atividade e a doença contraída. Nesses casos, tenho reconhecido a contagem diferenciada de tempo de serviço.
A segunda situação que se estabelece é aquela em que a incapacidade temporária decorre de motivos alheios à atividade laboral. Exemplifico com um caso em que o segurado se machuca ao jogar futebol ou praticar qualquer outra atividade esportiva, e, por conta disso, permanece dois anos afastado do trabalho, em gozo de benefício. Entendo inviável, neste caso, a contagem, como especial, do tempo de serviço em gozo de auxílio-doença, não só porque obviamente o segurado não está sujeito a agentes nocivos, mas porque o benefício não decorreu do exercício da atividade profissional. Parece-me que, neste caso, estaríamos desrespeitando a Constituição, haja vista que a regra geral é que a contagem diferenciada é possível se o segurado estiver sujeito a agentes nocivos, e, na hipótese acima referida, o auxílio-doença não teve relação alguma com o trabalho. A contagem diferenciada do tempo de serviço, nesse caso, constituiria ofensa não só ao artigo 65 do Decreto n. 3.048/99, mas principalmente ao § 1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988.
Em suma, penso que, para a contagem do tempo como especial, é imprescindível que haja vinculação entre a doença e a atividade profissional, ou que aquela decorra de acidente do trabalho.

Embora divergindo da conclusão do referido julgado, adotado pela Relatora como base do seu voto, penso que deve prevalecer o entendimento pelo qual não apenas o auxílio-acidentário, mas também o período de recebimento de auxílio-doença previdenciário, pode ser considerado tempo especial desde que haja uma vinculação entre a doença cuja constatação motivou a concessão do benefício e a atividade exercida pelo segurado.

Não vejo como essa conclusão possa ser uma "visão limitada" da protenção previdenciária. Contagem ficta de tempo de contribuição - diga-se contagem majorada - é sempre decorrente de uma regra de exceção, que não deve ser interpretada de modo que sejam albergadas hipóteses que não se associem ao caráter restritivo da norma.

Além disso, há expressa imposição constitucional de respeito ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário (caput do art. 201 da Carta Magna), pelo que admitir, ainda, que um período em que não haverá pagamento de contribuição previdenciária seja majorado, em regra, 1,4 vezes para todas as hipóteses de recebimento de benefício por incapacidade de segurado que exerce atividade especial (cujo perído de contribuição será também mais curto), é, a meu ver, desconsiderar aquele mandamento.

Ademais, penso que não é tão complicado assim o estabelecimento de uma conexão entre a atividade exercida pelo segurado (sobre a qual já existe laudo técnico e PPP respectivo) e o motivo da concessão do benefício temporário por incapacidade. Dizer que o profissional médico terá muita dificuldade para conseguir as informações necessárias para completar o diagnóstico, porque o empregador não cumpre a legislação ou as informações não existem é especular sem qualquer fase científica que comprove que, na grande maioria dos casos, mesmo havendo laudo técnico de exposição nociva, não se poderia vincular uma situação de incapacidade temporária, não decorrente de acidente de trabalho, à atividade exercida pelo segurado. A existência de laudo técnico de condições ambientais, que justifica a contribuição diferenciada do empregador, é, a meu ver, um meio seguro de se aferir a ligação entre a moléstia incapacitante e a exposição a essas condições adversas no ambiente de trabalho.

A dificuldade, por outro lado, é da natureza da prova que se pretende produzir quando a concessão do benefício não decorre de acidente de trabalho. Se o auxílio-doença foi concedido e seu beneficiário quer se valer da contagem ficta majorada de tempo de contribuição durante o período de seu recebimento, é evidente que haverá uma dificuldade maior do que a comprovação da ocorrência de acidente de trabalho. Mas isso é da natureza da contagem ficta, justamente por ser uma regra de exceção.

Também não vejo enriquecimento ilícito do INSS ao cobrar a contribuição patronal por alíquotas diferenciadas no período em que o segurado recebe o benefício, face ao princípio da universalidade do custeio (art. 195, caput, da CF). A contribuição é devida em função do risco que representa para o segurado a atividade empresarial tal como exercida; e ela continua a ser assim durante o período em que um de seus empregados está em gozo de auxílio-doença ou afastado por outro motivo.

A questão, portanto, a meu sentir, resolve-se pela prova produzida no processo, mas sempre considerando que a incapacidade deve originar-se de moléstia relacionada às condições nocivas de exposição do segurado. Evidente que tal interpretação pode, em um caso ou outro, conduzir a situações de difícil resolução, mas, volto a repetir, não se deve descurar do caráter excepcional da regra de contagem ficta do tempo de contribuição.

Pelo exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao incidente interposto pelo INSS, para que seja computado como tempo especial - na forma do §3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 - não somente o(s) período(s) em que o segurado, trabalhando sob condições especiais, passe a receber o benefício por incapacidade de tipo acidentário, como também o(s) de recebimento de benefício por incapacidade previdenciário, desde que a causa de sua concessão seja decorrente, mesmo que de forma indireta, da atividade especial exercida.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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