É possível a análise de benefício por incapacidade somente com documentos
Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 288 com a seguinte redação "Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. DISPENSA DE PRODUÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA. PANDEMIA PROVOCADA PELO CORONAVÍRUS (SARS-COV-2). PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO APLICADO À HIPÓTESE DE DESASTRES NATURAIS E CATÁSTROFES. RESPOSTA EMERGENCIAL E PREVENTIVA PARA EVITAR RISCO DE TRANSMISSÃO E CONTÁGIO. OBJETO DE AFETAÇÃO EM REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 288 : "SABER SE DURANTE A PANDEMIA PROVOCADA PELO CORONAVÍRUS (SARS-COV-2), EXCEPCIONALMENTE É POSSÍVEL DISPENSAR-SE A PRODUÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA". TESE FIRMADA: "EM RESPOSTA EMERGENCIAL E PREVENTIVA, PARA EVITAR O RISCO DE TRANSMISSÃO E CONTÁGIO POR CORONAVÍRUS (SARS-COV-2) DURANTE A CRISE PANDÊMICA, É POSSÍVEL A DISPENSA DE PERÍCIA MÉDICA PARA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL, QUANDO APRESENTADOS PARECERES TÉCNICOS OU DOCUMENTOS MÉDICOS ELUCIDATIVOS, SUFICIENTES À FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO JUDICIAL, DESDE QUE OBSERVADO O CONTRADITÓRIO, A AMPLA DEFESA E O PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA".
TNU, PEDILEF 0507847-64.2019.4.05.8500/SE, relatora juíza federal Susana Sbrogio Galia, 16/02/2022.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por voto de desempate, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto da Juíza Relatora, julgando-o como representativo de controvérsia, fixando a seguinte tese do tema 288: "Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa". Vencidos os Juízes Federais FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, JOAO CESAR OTONI DE MATOS, CAROLINE MEDEIROS E SILVA, IVANIR CESAR IRENO JUNIOR E GUSTAVO MELO BARBOSA.
Brasília, 10 de fevereiro de 2022.
RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fulcro no artigo 14, § 2º da Lei 10.259/2001, em face de acórdão prolatado pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal de Sergipe/5ª Região, no qual se discute a concessão de benefício por incapacidade laboral mediante valoração de outros elementos de prova, dispensando-se a produção de prova pericial médica.
A Turma Recursal de origem negou provimento ao recurso inominado interposto pelo INSS, mantendo sentença que julgou procedente o pedido para conceder benefício por incapacidade laboral, sem a realização de prova pericial médica.
Nas razões recursais, a parte recorrente suscita divergência entre o acórdão impugnado e precedente desta Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência –TNU, em que considerada a imprescindibilidade de perícia judicial para análise da condição laborativa do requerente e concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data de início da incapacidade (PEDILEF 2006.71.95.007523-7). Insurge-se contra a inversão do ônus da prova e a ausência de produção de prova pericial acerca da incapacidade laboral do segurado.
Intimada, a parte adversa apresentou contrarrazões.
O pedido de uniformização foi inadmitido na origem. Interposto agravo, a decisão foi mantida com sugestão de afetação como representativo de controvérsia.
Remetidos os autos a este órgão jurisdicional, o incidente foi admitido pela Presidência da TNU.
Em sessão ordinária realizada em 25 de março de 2021, o pedido de uniformização foi admitido por este colegiado, como tema representativo de controvérsia registrado sob o número 288, cuja questão controvertida envolve: "Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica".
Diante da afetação como representativo de controvérsia, foi seguida a tramitação regimental estabelecida, com publicação de Edital destinado aos terceiros interessados e intimação do Ministério Público Federal.
Em sequência, foi deferida a admissão do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP, do INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS – IEPREV e da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO – DPU, na figura de amicus curiae, nos termos do art. 138 do CPC (eventos 34).
O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO - IBDP sustenta a possibilidade de utilização dos instrumentos inseridos no Código de Processo Civil e a inexistência de qualquer regra proibitiva de realização de perícia técnica simplificada ou ainda de perícia indireta. Enfatiza que a impossibilidade de realização de perícia presencial não justifica a paralisação dos processos judiciais e a não concessão do benefício por incapacidade no momento apropriado.
Por sua vez, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU apresentou memoriais, opinando pela uniformização de entendimento que privilegie tanto a proteção social do segurado quanto a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional. Chancela posição que possibilite suprimir a necessidade de perícia médica, em casos excepcionais, enquanto durar o estado calamitoso referente à pandemia do Coronavírus.
Atendidas as diligências determinadas, os autos retornaram conclusos.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, observo que as questões relativas ao conhecimento do incidente restaram superadas em face da decisão colegiada vinculada aos eventos 19-21.
Quanto à questão controvertida, esta foi assim definida: "Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica".
Na essência, busca-se saber se é possível a valoração de outros elementos de prova para concessão de benefício por incapacidade laboral, dispensando-se excepcionalmente a produção de perícia médica, com a delimitação da tese às peculiaridades havidas no período da pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2).
I. Relevância da crise pandêmica: contaminação por COVID-19 e medidas preventivas.
Demonstra-se importante repisar ponderações anteriores de que o estado de contaminação por Covid-19 ("COrona VIrus Disease"), doença causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2 : "Severe Acute Respiratory Syndrome coronavirus 2" ou "Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2"), foi elevado à condição de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020.
Segundo a atualização do resumo científico publicado pela OMS em 29 de março de 2020, denominado “Modes of transmission of virus causing COVID-19: implications for infection prevention and control (IPC) precaution recommendations”, com a inclusão de novas evidências científicas sobre a transmissão do vírus1, a infecção por SARS-CoV-2 causa principalmente doenças respiratórias que variam de doença leve a doença grave e morte, e algumas pessoas infectadas com o vírus nunca desenvolvem sintomas.
A doença pode ser transmitida por contato, via aérea, secreções, fluidos corporais em geral e objetos contaminados. Destaca-se a transmissão via aérea que ocorre pela disseminação de gotículas (aerossóis), que permanecem infecciosos em suspensão no ar e podem ser gerados em procedimentos médicos que ocasionem a emissão destas partículas. Ainda que medidas preventivas como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e distanciamento físico tenham se mostrado eficazes para evitar o risco de contágio, à época em que restringidos atos presenciais no âmbito judicial, e mesmo atualmente, pesquisas científicas permanecem aprofundando o estudo acerca das formas de transmissão e contágio pela doença.
Convergindo para com estudos científicos na área médica, dados estatísticos têm evidenciado que políticas públicas, incluindo (1) restrições de viagem, (2) distanciamento físico, (3) quarentenas e bloqueios, bem como (4) políticas adicionais, como declarações de emergência e ampliações de licenças por doença pagas, têm influenciado na redução da propagação do vírus, retardando significativa e substancialmente a transmissão da doença. A despeito de tais medidas representarem custos elevados e sensíveis à sociedade, seus benefícios não podem ser observados diretamente, mas permitem ser compreendidos por meio de processos baseados em simulações 2 .
Do ponto de vista do real alcance e da relevância quanto à adoção de medidas preventivas para mitigar situações potenciais de contágio, é preciso que se diga que boa parte da doutrina pátria já tem relacionado os efeitos jurídicos da crise pandêmica provocada pelo Coronavírus à escala de desastre natural, de ordem biológica, para fins de aplicação do denominado Direito dos Desastres3.
Inserido no contexto das catástrofes ou eventos de força maior ("acts of God"), a relevância da aplicação do Direito dos Desastres reside principalmente na abordagem preventiva (risk mitigation) e na pronta resposta a situações de crise (emergency response).
Segundo Cass Sunstein4, o princípio da precaução, aplicado a danos de catástrofes, pondera a amplitude do risco social provocado por acontecimentos desastrosos de grandes proporções e diferentes origens, para, diante de condições adversas, reduzir encargos extremos àqueles que já não tem mais condições de suportá-los. No ponto, considera que o potencial lesivo de uma catástrofe é bem maior do que aparenta ou do que se possa quantificar, porque os respectivos danos são amplificados pelo risco social.
Para tanto, a racionalidade pragmática do custo-benefício quanto ao teor da tomada de decisão vinculativa é pensada sob perspectiva que mitiga proporcionalmente a valoração da incerteza dos eventos (catastróficos) com a relevância do risco social que deles pode advir, o que significa priorizar juízos qualitativos em detrimento daqueles meramente quantitativos. Consequentemente, mesmo quando as informações disponíveis não permitam prever a exata dimensão dos danos, a incerteza gerada não possibilita descartar de plano a hipótese do pior cenário possível, justificando-se atribuir especial valor aos riscos sociais. Deste modo, faria sentido tentar pensar o pior cenário possível e tentar eliminá-lo, notadamente por se mostrar razoável a supressão de situação excepcionalmente grave sem perdas significativas para todos. Isto é: em situação de incerteza, cumpre eliminar o pior cenário.
Isso importa em adotar medidas para reduzir riscos sociais e maximizar benefícios, por meio da avaliação dos riscos, atribuindo-lhes maior peso do que a incerteza do evento danoso, de modo a deixar uma margem de segurança para o caso de ocorrência do evento futuro e incerto, mensurando-a de acordo com as informações disponíveis a ensejar a ponderação de custos e benefícios.
Em resumo e na hipótese sob exame, medidas que visam a prevenir o contágio e os riscos advindos da contaminação devem adquirir maior peso no processo de tomada de decisão, pois apesar de incerto o resultado danoso, qualquer dano advindo será mais grave do que qualquer medida restritiva adotada. Com efeito, se há formas de evitar que a saúde, a integridade física e mesmo a vida sejam colocadas em risco, estas medidas devem ser implantadas a despeito da incerteza do evento danoso, porque danos desta ordem não são mensuráveis.
Portanto, havendo maneiras de assegurar a prestação jurisdicional mediante convencimento motivado do julgador, por elementos de prova que não comprometam a saúde, a integridade física e a vida dos jurisdicionados, estas vias deverão ser priorizadas em detrimento de outras que acarretem maior exposição e risco de contaminação, notadamente, como se verá, em sistema de prestação jurisdicional que não contempla tarifação de provas.
II. Prestação jurisdicional mediante convencimento motivado
O atual Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) chancela modelo cooperativo de formação da convicção judicial, que, embora não vinculado a meios de provas específicos, procura garantir o devido processo legal e a segurança jurídica por meio do dever de motivação das decisões judiciais (CPC, Art. 371: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” – grifo nosso).
Neste contexto, o direito material não elege em abstrato ou vincula previamente o julgador ao exame de determinadas provas, mas dele exige efetiva motivação quando à valoração do acervo probatório coligido, pois lhe cabe elucidar acerca dos parâmetros adotados para formação da sua convicção judicial e composição da tutela de direito material, ou seja, para fornecer a “resposta adequada” ao caso concreto.
E a necessidade de motivação das decisões judiciais não reconduz à necessidade de tarifação da prova - que é o que sucede quando se impõe a indispensabilidade de adoção de uma ou outra forma de prova. Conforme já manifestado em outros julgamentos, reportar-se à tarifação da prova mitiga a proposta democrática, participativa e intersubjetiva de solução do litígio de acordo com o atual modelo jurídico.
A conclusão acima se coaduna com o que já decidira o Eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos Recursos Repetitivos, quando firmou entendimento a respeito da limitação legal de 1/4 do salário mínimo para concessão de benefício assistencial (art. 20, §3º, da LOAS), relativamente à admissibilidade de outras formas de prova da condição de vulnerabilidade social. Leia-se excerto destacado:
"Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar." (Resp nº 1.112.557/MG, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, D.J.20/11/2009).
Portanto, nem o julgador poderá ter cerceada a sua autonomia de apreciação da integralidade das provas dos autos (inclusive a perícia, se relevante e imprescindível para solução do caso concreto), tampouco poderá se ater somente às conclusões da perícia médica desconsiderando outros elementos de provas dos autos, exigindo-se sim que apresente motivação consistente. Em resumo, o que cumpre ser aferido é a existência de motivação alicerçada no acervo probatório dos autos, segundo demandar a hipótese concreta.
Recentemente este colegiado pronunciou-se de forma majoritária pela inexistência de tarifação no atual modelo jurisdicional, restando a questão assim ementada:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARACTERIZAÇÃO DE INCAPACIDADE PERMANENTE. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE TARIFAÇÃO OU HIERARQUIA ENTRE ESPÉCIES PROBATÓRIAS. NECESSIDADE DE VALORAÇÃO DE TODOS OS ELEMENTOS DE PROVA. INCIDENTE PARCIALMENTE PROVIDO PARA NOVO JULGAMENTO PELA TURMA RECURSAL DE ORIGEM. (TNU, PUIL Nº 0535032-83.2019.4.05.8013/AL, Relator MARCELLO ENES FIGUEIRA, juntado aos autos em 29/04/2021).
Leia-se trecho do voto condutor daquele julgado:
Quanto ao mérito do incidente, saliento, inicialmente, que o princípio do livre convencimento motivado, como sistema de valoração das provas oposto à tarifação de provas segundo valores pré-estabelecidos, vem sendo reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, apesar da redação dada ao art. 317 do Código de Processo Civil vigente, distinta daquela do art. 131 do código revogado. Nesse sentido, veja-se:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZATÓRIA. DANOS MORAL E MATERIAL. PROVAS PERICIAL E TESTEMUNHAL. INDEFERIMENTO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO . SÚMULA Nº 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O sistema processual civil é orientado pelo princípio do livre convencimento motivado, cabendo ao julgador determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, bem como indeferir aquelas que considerar inúteis ou protelatórias.
3. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca da necessidade ou não da produção de prova pericial e testemunhal, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.
4. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, do dispositivo apontado como violado no recurso especial, incide, por analogia, o disposto na Súmula nº 282/STF.
5. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1707979 / DF, 3ª.T, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147), DJe 19/03/2021)
Especificamente em matéria previdenciária, quanto ao livre convencimento motivado do julgador, assim se posicionam as Turmas que compõem a 1ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TODOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO. SÚMULA 182/STJ. AUXÍLIO-ACIDENTE. ART. 86 DA LEI 8.213/1991. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DA AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO NÃO PREENCHIDOS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Pela leitura das razões recursais, constata-se que quando da interposição do Agravo em Recurso Especial a parte agravante não rebateu, como lhe competia, todos os fundamentos da decisão agravada, deixando de impugnar a incidência da Súmula 518/STJ.
2. A parte agravante deve infirmar os fundamentos da decisão impugnada, autônomos ou não, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles - Súmula 182 do Superior Tribunal
de Justiça.
3. Ainda que assim não fosse, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz, e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, se o magistrado entendeu não haver necessidade de produção de prova testemunhal para o julgamento da lide e desnecessidade de nova perícia, não há que se falar em cerceamento de defesa na impugnação do pedido.
4. O auxílio-acidente é concedido, nos termos do art. 86 da Lei 8.213/1991, ao Segurado, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
5. Por sua vez, o art. 20, I da Lei 8.213/1991, considera como acidente de trabalho a doença profissional proveniente do exercício do trabalho peculiar à determinada atividade, enquadrando-se, nesse caso, as lesões decorrentes de esforços repetitivos.
6. Na hipótese dos autos, as instâncias ordinárias, com base no acervo fático-probatórios dos autos, julgaram improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente com base na conclusão de que as moléstias que acometem a Segurada não afetam a sua capacidade laboral, o que torna despicienda a análise de possível nexo causal.
7. Assim, ausentes os requisitos legais para a concessão do benefício, impossível acolher a pretensão autoral, uma vez que o auxílio-acidente visa a indenizar e a compensar o Segurado que não possui plena capacidade de trabalho em razão do acidente sofrido, não bastando, portanto, apenas a comprovação de um dano à saúde do Segurado, quando o comprometimento da sua capacidade laborativa não se mostre configurado ou quando não houver qualquer relação com sua atividade laboral.
8. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1407898 / SP, 1ª. Turma, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 22/08/2019)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO-ACIDENTE. NEXO CAUSAL E DE INCAPACIDADE LABORAL RECONHECIDOS. LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC/1973, o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte.
2. Hipótese em que a Corte de origem, com base no contexto fático-probatório, entendeu devida a concessão do auxílio pretendido. Desse modo, rever a conclusão a que chegou o acórdão impugnado é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial."
3. O STJ possui jurisprudência firme e consolidada de que, com base no livre convencimento motivado, pode o juiz ir contra o laudo pericial, se houver nos autos outras provas em sentido contrário que deem sustentação à sua decisão.
4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1658344 / PE, 2ª.Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 18/04/2017)
Como se observa, é justamente por força do princípio do livre convencimento motivado que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autoriza, por exemplo, que o juiz afaste a necessidade de produção de certa espécie de prova, diante de outras suficientes já produzidas; como, ainda, que o juiz decida contrariamente à conclusão de prova pericial produzida, a partir de outros elementos de prova igualmente válidos (conforme norma do art. 479 do Código de Processo Civil).
Tais conclusões, entre outras possíveis, decorrem da inexistência de hierarquia entre as espécies probatórias. É o sistema da persuasão racional, do livre convencimento fundado nas provas produzidas e devidamente motivado, adotado pelo nosso direito, em detrimento do sistema da prova tarifada. Da adoção do sistema do livre convencimento motivado, reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, decorre ainda, a meu ver, a necessidade de valoração de todos os elementos de prova, sem que seja possível ao juiz estabelecer uma espécie probatória de que dependa, a priori, a demonstração de determinado fato.
III. Aferição da integralidade dos elementos de prova para garantir o acesso à justiça no período emergencial, com o objetivo de prevenir o contágio pelo Coronavírus – Covid-19
A partir da Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da OMS, de 30 de janeiro de 2020, editou-se a Lei 13.979, em 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da situação de emergência em saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (Sars-Cov-2), bem como sobre a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, veiculada pela Portaria no 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a seu turno, emitiu a resolução 313, de 19/03/2020, estabelecendo o regime de Plantão Extraordinário, no âmbito do Poder Judiciário Nacional, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários e garantir o acesso à justiça neste período emergencial, com o objetivo de prevenir o contágio pelo Coronavírus – Covid-19. A aludida resolução suspendeu o trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades do Poder Judiciário Nacional, assegurada a manutenção apenas dos serviços essenciais e tutelas de urgência em cada Tribunal.
Tal acarretou a medida preventiva de suspensão dos exames periciais presenciais nas diversas unidades da Justiça Federal. No que concerne à realização de exames periciais, a Resolução 317 do Conselho Nacional de Justiça, de 30/04/2020, dispôs, no seu art. 1º, sobre a realização de perícias por meio eletrônico nos processos que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, dispensando-se o contato físico entre o perito e o periciado, enquanto se mantiverem os efeitos da pandemia.
A despeito disso, o Conselho Federal de Medicina aprovou o Parecer 3/2020, considerando afronta ao Código de Ética Médica e demais normativos emanados do Conselho Federal de Medicina, a realização de exame pericial pelo médico perito judicial mediante utilização de recurso tecnológico, sem efetuar o exame direto no periciando. Igualmente, foi apresentado o Parecer 10/2020, no sentido da vedação de realização da perícia sem exame direto do periciando ou sua substituição por prova técnica simplificada, em ações judiciais.
Por fim, a Resolução do CNJ nº 322, de 1º de junho de 2020, autorizou a retomada gradual das atividades presenciais. Contudo, persistiram dúvidas quanto ao interregno transcorrido entre a suspensão dos atos presenciais e o retorno gradual com a devida observância das medidas preventivas, período em que alternativas foram buscadas para evitar situações que ocasionassem risco de contágio, quais sejam, telemedicina, perícias indiretas, simplificadas e o aproveitamento do teor de prova documental elucidativa, consistente nos documentos médicos juntados aos autos.
Sobre a aferição da incapacidade laboral, embora inicialmente dependa de avaliação médico-pericial no âmbito administrativo, e, em regra, ampare-se em perícia judicial, não há vedação expressa na legislação previdenciária quanto à utilização de outras vias para demonstrar o preenchimento da condição incapacitante do segurado. Nesse sentido, consta expressamente da legislação processual (Lei 13.105/2015 - CPC), a possibilidade de dispensa de realização de prova pericial. Confira-se:
Art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.
E o Juiz poderá fundamentadamente desconsiderar as conclusões do laudo pericial:
Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371 , indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.
Alicerçado na excepcionalidade da situação gerada pela crise pandêmica, que impõe a necessidade de distanciamento social como medida preventiva para evitar a disseminação do vírus, o INSS, com propriedade, orientou-se por legislação previdenciária específica que dispensava a realização de avaliação médico-pericial durante o período crítico de adoção de medidas emergenciais de prevenção ao contágio e à transmissão do referido vírus, suspendendo a realização das perícias efetuadas no âmbito do INSS e antecipando o auxílio-doença mediante qualificação da documentação médica.
Com o intuito de não inviabilizar o acesso à proteção previdenciária, adveio a Lei nº 13.982/2020, autorizando a antecipação de valores àqueles que solicitarem benefício por incapacidade, condicionada, entretanto, à apresentação de atestado médico conforme parâmetros indicados, além da presença de carência e qualidade de segurado, nestes termos:
Art. 4º Fica o INSS autorizado a antecipar 1 (um) salário-mínimo mensal para os requerentes do benefício de auxílio-doença de que trata o art. 59 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, ou até a realização de perícia pela Perícia Médica Federal, o que ocorrer primeiro.
Parágrafo único. A antecipação de que trata o caput estará condicionada:
I - ao cumprimento da carência exigida para a concessão do benefício de auxílio-doença;
II - à apresentação de atestado médico, cujos requisitos e forma de análise serão estabelecidos em ato conjunto da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS. (grifo nosso)
O período inicialmente projetado para três meses foi prorrogado pelo Decreto 10.413/2020, diante da permissão contida no artigo 6º da Lei 13.982/2020, na ordem que segue:
Art. 6º O período de 3 (três) meses de que trata o caput dos arts. 2º, 3º, 4º e 5º poderá ser prorrogado por ato do Poder Executivo durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional da Covid-19, definida pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Art. 1º Fica o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS autorizado a conceder as antecipações de que tratam os art. 3º e art. 4º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, até 31 de outubro de 2020.
Na mencionada impossibilidade de averiguação da existência de incapacidade em face da suspensão das perícias médicas presenciais pelo INSS, o artigo 2º da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020 fixou critérios a serem satisfeitos pelo atestado médico destinado a instruir o requerimento administrativo, destacando-se, quanto ao ponto, que o requisito previsto no item IV infra, pode ser suprido pela aplicação analógica e integrativa do disposto no art. 60, §9o., da Lei 8.213/91. Eis o teor dos dispositivos mencionados:
Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020:
Art. 2º Enquanto perdurar o regime de plantão reduzido de atendimento nas Agências da Previdência Social, nos termos da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 8.024, de 19 de março de 2020, os requerimentos de auxílio-doença poderão ser instruídos com atestado médico.
§ 1º O atestado médico deve ser anexado ao requerimento por meio do site ou aplicativo "Meu INSS", mediante declaração de responsabilidade pelo documento apresentado, e deve observar, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - estar legível e sem rasuras;
II - conter a assinatura do profissional emitente e carimbo de identificação, com registro do Conselho de Classe;
III - conter as informações sobre a doença ou CID; e
IV - conter o prazo estimado de repouso necessário.
§ 2º Os atestados serão submetidos a análise preliminar, na forma definida em atos da Subsecretaria de Perícia Médica Federal da Secretaria de Previdência e do Instituto Nacional do Seguro Social.
§ 3º A emissão ou a apresentação de atestado falso ou que contenha informação falsa configura crime de falsidade documental e sujeitará os responsáveis às sanções penais e ao ressarcimento dos valores indevidamente recebidos.(grifo nosso)
Lei 8.213/91:
Art. 60. (...)
§ 9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
Como visto, a pandemia se insere na condição de catástrofe natural e desastre biológico, justificando a adoção de respostas emergenciais e temporárias, assim como preventivas (mitigação de possíveis danos), destinadas a evitar a transmissão e o contágio por Coronavírus. Nas palavras de Robert. A. Dahl, não obstante a dificuldade em se traçar uma noção de bem comum, "evitar danos é fazer o bem"5.
E, na peculiar conjuntura instaurada pela pandemia, a legislação e a doutrina fornecem bases para a adoção de medidas emergenciais e preventivas.
Conforme Marinoni e Aranhart6, a possibilidade de dispensa de prova pericial assenta-se não somente no conteúdo elucidativo dos documentos, senão que deve considerar distinções específicas entre esta prova e a prova documental, para assegurar o equilíbrio da relação jurídica de direito material e a paridade de tratamento das partes. Ocorre ser inerente ao contexto da prova pericial a participação equânime das partes na sua produção, o que deve ser compensado quando for dispensada em detrimento da prova documental.
Isso significa que, para que a prova documental dispense a prova pericial, em situações excepcionais, deverá ser garantido o contraditório, a ampla defesa e a não-surpresa, de modo que a parte adversa não seja surpreendida por elementos levados à formação da convicção judicial, sem a oportunidade de apresentar defesa e retorquir o conteúdo e a forma de documentos produzidos unilateralmente.
Levando em conta que a documentação médica deve observar a lisura prevista no Código Ético aplicado à Medicina (Resolução CFM nº 2217 de 27/09/2018, arts. 80 e 81) - inclusive respondendo os respectivos profissionais pela autenticidade das informações que prestarem -, se elucidativa, é apta à formação da convicção judicial para fins de concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio processual da não surpresa, como resposta emergencial e preventiva para evitar a transmissão e contaminação pelo Coronavírus (SARS-CoV-2).
Por esse motivo e pelas razões precedentes, nego provimento ao pedido de uniformização de jurisprudência interposto pelo INSS, firmando a seguinte tese para o tema 288 dos incidentes representativos de controvérsia deste colegiado:
Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao pedido de uniformização, nos termos da fundamentação e da tese acima firmada.
VOTO, Presidente da Turma Nacional de Uniformização MINISTRO MARCO AURELIO GASTALDI BUZZI
Trata-se, na origem, de demanda ajuizada por Rosemary Albuquerque Santos em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por meio da qual a segurada postula a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença.
Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido para conceder benefício por incapacidade laboral, sem a realização de prova pericial médica. (evento n. 1).
Inconformada, recorreu a autarquia previdenciária, sustentando a inexistência de prova capaz de infirmar a perícia administrativa, que concluiu pela ausência de incapacidade para o trabalho. Alegou, também, que a jurisprudência tem se manifestado pela "impossibilidade de concessão de benefícios por incapacidade sem a devida perícia judicial capaz de se contrapor ao ato administrativo pericial" (evento n. 1).
A Turma Recursal de Sergipe decidiu manter a sentença, concluindo pela possibilidade de concessão do benefício por incapacidade, sem a realização de perícia judicial, levando-se em consideração a distribuição dinâmica do ônus da prova, entendimento este adotado ante a limitação imposta pela pandemia ou pelas questões orçamentárias, inviabilizando a produção da referida prova técnica. (evento n. 1).
Em face dessa decisão, o INSS veiculou o presente pedido de uniformização dirigido a esta Turma Nacional, no qual, em apertada síntese, apontou paradigma e pontuou que a situação de pandemia não convalida a concessão de benefícios por incapacidade sem a produção de prova pericial médica oficial, pois quadro pandêmico não anulou a necessidade de observância do devido processo legal. A título de paradigma, citou precedente desta Turma Nacional, no qual se decidiu que: "A realização de perícia judicial é imprescindível para a análise da condição laborativa do requerente a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade."(evento n. 1).
Após juízo negativo de admissibilidade e interposição de agravo, os autos foram remetidos a esta Turma Nacional de Uniformização, oportunidade na qual o então Presidente, Ministro Antônio Carlos Ferreira, admitiu o incidente e determinou a sua distribuição a um dos magistrados integrantes do Colegiado (evento n. 3).
Iniciado o julgamento do pedido de uniformização na Sessão do dia 25/03/2021, o Plenário da TNU decidiu, por maioria, conhecer do pedido de uniformização, indicando o tema para ser julgado sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, com a seguinte questão controvertida: “Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica.” (Tema n. 288).
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, o Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV e a Defensoria Pública da União - DPU pleitearam sua participação no feito, na condição de amicus curiae, pedidos deferidos formalmente pela Relatora, restando assegurada sua intervenção nos termos estabelecidos pelo Regimento Interno (evento 34).
Na Sessão de 21/10/2021, a Relatora, Juíza Federal Susana Sbrogio Galia, encaminhou seu voto por negar provimento ao incidente interposto pelo INSS, propondo a fixação da seguinte tese: "Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa.", tendo pedido vista, antecipadamente, o Juiz Federal Francisco Glauber Pessoa Alves.
O julgamento foi retomado na Sessão de 12/11/2021 com a apresentação do voto-vista pelo Juiz Francisco Glauber Pessoa Alves, no sentido de anular o acórdão da TRSE para que outro seja proferido em conformidade com a seguinte tese proposta:
"Enquanto durar o período de pandemia, é possível a dispensa de perícia médica judicial para concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos que atendam aos requisitos da Lei n. 13.982/2020 (art. 4º, parágrafo único, II, e art. 6º c.c. art. 1º do Decreto n. 10.413/2020 c.c. art. 2º da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020), suficientes à formação da convicção judicial, observados o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa, mediante decisão devidamente fundamentada."
Após a apresentação do mencionado voto, os juízes Paulo Cezar Neves Junior, Luciane Kravetz, Fabio Souza e Jairo da Silva Pinto decidiram acompanhar o voto apresentado pela Relatora. Os demais julgadores, Joao Cesar Otoni de Matos, Caroline Medeiros e Silva, Ivanir Cesar Ireno Junior e Gustavo Melo Barbosa, decidiram aderir à divergência inaugurada pelo Juiz Francisco Glauber Pessoa Alves.
Diante do empate verificado, pedi vista para proferir meu voto, nos termos do art. 7º, VII, do RITNU.
Desde o momento em que foi instituído o procedimento para o julgamento dos representativos de controvérsia, esta Turma de Uniformização fortaleceu a sua atuação, desempenhando a missão de definir a interpretação que deve prevalecer no âmbito dos Juizados Especiais Federais quando não há orientação específica oriunda do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Em tal cenário, para que possa bem orientar as Turmas Recursais de todo o País, é fundamental que o seu posicionamento seja bem compreendido. Por conseguinte, para uma adequada aplicação de tese por parte das instâncias ordinárias, é fundamental que a sua ratio decidendi também fique clara.
Consoante referido no relatório, no Tema 288 dos Representativos da TNU, a questão afetada foi a seguinte: "Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica.".
Ou seja, no presente julgamento qualificado, o ponto central da controvérsia reside em definir se, para a concessão de benefício por incapacidade, é ou não possível dispensar, excepcionalmente, a produção de perícia médica, deferindo ou negando o benefício com base em outros elementos probatórios juntados aos autos.
E, com a vênia da divergência e demais julgadores que a acompanharam, compartilho da solução proposta pela i. Relatora, no sentido de negar provimento ao incidente interposto pelo INSS e fixar a seguinte tese:
"Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa."
Embora compartilhe de algumas das preocupações destacadas no voto-divergente, a situação gerada pela crise pandêmica exige uma postura excepcional por parte do Poder Judiciário, que deve buscar uma solução equilibrada dentre aquelas permitidas pelo sistema.
Em regra, a concessão de benefícios por incapacidade está sujeita à comprovação da incapacidade laboral mediante exame médico pericial oficial.
Entretanto, conforme apontado pela Relatora, a peculiar situação vivenciada, gerada pela pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), permite a adoção de medidas excepcionais, como a dispensa da produção de perícia médica, desde que o julgador firme as suas conclusões em elementos probatórios elucidativos e suficientes. Do voto, destaca-se:
"O atual Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) chancela modelo cooperativo de formação da convicção judicial, que, embora não vinculado a meios de provas específicos, procura garantir o devido processo legal e a segurança jurídica por meio do dever de motivação das decisões judiciais (CPC, Art. 371: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” – grifo nosso).
Neste contexto, o direito material não elege em abstrato ou vincula previamente o julgador ao exame de determinadas provas, mas dele exige efetiva motivação quando à valoração do acervo probatório coligido, pois lhe cabe elucidar acerca dos parâmetros adotados para formação da sua convicção judicial e composição da tutela de direito material, ou seja, para fornecer a “resposta adequada” ao caso concreto.
E a necessidade de motivação das decisões judiciais não reconduz à necessidade de tarifação da prova - que é o que sucede quando se impõe a indispensabilidade de adoção de uma ou outra forma de prova. Conforme já manifestado em outros julgamentos, reportar-se à tarifação da prova mitiga a proposta democrática, participativa e intersubjetiva de solução do litígio de acordo com o atual modelo jurídico.
A conclusão acima se coaduna com o que já decidira o Eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos Recursos Repetitivos, quando firmou entendimento a respeito da limitação legal de 1/4 do salário mínimo para concessão de benefício assistencial (art. 20, §3º, da LOAS), relativamente à admissibilidade de outras formas de prova da condição de vulnerabilidade social. Leia-se excerto destacado:
"Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar." (Resp nº 1.112.557/MG, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, D.J.20/11/2009).
(...)
E, na peculiar conjuntura instaurada pela pandemia, a legislação e a doutrina fornecem bases para a adoção de medidas emergenciais e preventivas.
Conforme Marinoni e Aranhart, a possibilidade de dispensa de prova pericial assenta-se não somente no conteúdo elucidativo dos documentos, senão que deve considerar distinções específicas entre esta prova e a prova documental, para assegurar o equilíbrio da relação jurídica de direito material e a paridade de tratamento das partes. Ocorre ser inerente ao contexto da prova pericial a participação equânime das partes na sua produção, o que deve ser compensado quando for dispensada em detrimento da prova documental.
Isso significa que, para que a prova documental dispense a prova pericial, em situações excepcionais, deverá ser garantido o contraditório, a ampla defesa e a não-surpresa, de modo que a parte adversa não seja surpreendida por elementos levados à formação da convicção judicial, sem a oportunidade de apresentar defesa e retorquir o conteúdo e a forma de documentos produzidos unilateralmente.
Levando em conta que a documentação médica deve observar a lisura prevista no Código Ético aplicado à Medicina (Resolução CFM nº 2217 de 27/09/2018, arts. 80 e 81) - inclusive respondendo os respectivos profissionais pela autenticidade das informações que prestarem -, se elucidativa, é apta à formação da convicção judicial para fins de concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio processual da não surpresa, como resposta emergencial e preventiva para evitar a transmissão e contaminação pelo Coronavírus (SARS-CoV-2).
Também manifesta, o voto divergente, preocupação pontual com circunstâncias nas quais : " o julgador ignore completamente a conclusão pericial quanto a uma circunstância (clínica) que é condição sine qua non para o julgamento da causa previdenciária que discuta incapacidade ou impedimento (se se trate de benefício assistencial)."
Penso que tais questões dizem respeito a erro na apreciação da prova, situação para a qual não é possível a estipulação de critérios demasiado rígidos, plasmados na redação de uma proposta de tese. Aliás, o art. 371 do CPC já estabelece a necessidade de que a apreciação da prova seja devidamente acompanhada das razões da formação do seu convencimento.
Como reforço ao dever de fundamentação das decisões judiciais (inciso IX do art. 93 da CF), o §1º do art. 489 do CPC contempla critérios que podem ser utilizados pela turma recursal para reformar uma decisão judicial cuja fundamentação esteja dissociada do caso em concreto:
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
Importante ressaltar, ademais, que o Colegiado desta TNU, em casos análogos, já decidiu pela inexistência de tarifação entre as espécies probatórias. A título ilustrativo, confira-se:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARACTERIZAÇÃO DE INCAPACIDADE PERMANENTE. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE TARIFAÇÃO OU HIERARQUIA ENTRE ESPÉCIES PROBATÓRIAS. NECESSIDADE DE VALORAÇÃO DE TODOS OS ELEMENTOS DE PROVA. INCIDENTE PARCIALMENTE PROVIDO PARA NOVO JULGAMENTO PELA TURMA RECURSAL DE ORIGEM. (TNU, PUIL Nº 0535032-83.2019.4.05.8013/AL, Relator MARCELLO ENES FIGUEIRA, juntado aos autos em 29/04/2021).
Além do que, não há como desconsiderar ou ignorar o atual estado excepcional no âmbito também da prestação de serviços e obtenção de determinados recursos ante as consequências, limitações e restrições ensejadas pela pandemia do coronavírus, o qual, muito embora exija das instituições um tratamento diferenciado no que tange às suas rotinas operacionais, entretanto, como é cediço, instaura procedimentos diferenciados na prestação de serviços, os quais, segura e sabidamente, são de caráter transitório e emergencial.
Ante o exposto, voto por acompanhar a Relatora.
VOTO-VISTA, Juiz Federal FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES
Voto-vista.
Eminentes relatora e demais julgadores, pedi vista dos autos a fim de melhor me inteirar sobre as questões trazidas a julgamento. Apresento a solução que me parece adequada.
Relatório.
Adoto o relatório da ilustre relatora.
Fundamentos.
Primeiramente, justiça é frisar a excelência do voto da eminente relatora. Destaco a profunda pesquisa constante no tópico I. Relevância da crise pandêmica: contaminação por COVID-19 e medidas preventivas, onde sua excelência traça o retrato e as consequências desse triste momento atravessado pelo mundo.
Minhas dúvidas são outras, que buscarei compartilhar adiante.
Este Tema n. 288 está sob julgamento sob a seguinte questão controvertida:
"Saber se durante a pandemia provocada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2), excepcionalmente é possível dispensar-se a produção de perícia médica".
Primeira premissa de julgamento.
Os benefícios do art. 42 e do art. 59 da Lei n. 8.213/91 têm por pressuposto clínico a incapacidade. O requisito da incapacidade é aferido a partir do critério eminentemente médico, portanto, científico. Isso não é algo apenas intuitivo, sendo a perícia uma exigência da própria norma. Verbis:
Art. 43. A aposentadoria por invalidez será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, ressalvado o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo.
§ 1º Concluindo a perícia médica inicial pela existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho, a aposentadoria por invalidez será devida:
(...)
Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
(...)
§ 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.
Ou seja, a norma previdenciária, diferente não poderia ser (condição física é intrinsecamente ligada à análise do requisito clínico), elege a perícia médica como pressuposto para o reconhecimento da incapacidade. Há, assim, normativo que demanda um específico meio de prova. Ela é pressuposto para a concessão administrativa, o que é além de dúvidas. A questão mais difícil é se também é pressuposto para a concessão judicial.
Vale destacar que o fenômeno é conhecido por prova legal ou tarifada e tem reconhecida existência e legitimidade por parte dos processualistas. A propósito, destacam Fernando da Fonseca Gajardoni et al, ao comentar o art. 371 do CPC:
“3. Prova legal. O fato de o sistema estar centrado na persuasão racional, não impede que o legislador estabeleça preferências apriorísticas por determinado meio de prova, bem como fixe específico meio de prova como a forma, por excelência, para demonstração do fato (prova legal – vide comentários ao art. 369). As razões que tal se faça atualmente são diversas daquelas presentes na origem histórica das provas legais, sendo normalmente ligadas à facilitação da prova, debilidade de determinado meio de prova, segurança de alguns negócios jurídicos etc. A prova legal é o resultado de um processo intelectual de valoração histórica realizado pelo legislador, juízo normativo de certeza histórica pautado em determinado tipo de prova. Por conta disso, o ordenamento predispõe maior peso para específicos meios de provas” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença. Comentários ao CPC de 2015. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, p. 254, destacado).
Na mesma linha, sobre a possibilidade da chamada prova legal, Teresa Arruda Alvim Wambier et al:
“A prova legal é constitucionalmente válida desde que haja motivos relacionados com a segurança jurídica que a justifiquem e não leve a uma probatio diabolica, isto é, impossível ou excessivamente onerosa” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1000, negritado).
Igualmente Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery:
“4. Prova legal. É o limite do livre convencimento motivado. Quando a lei estabelece que somente por determinado meio se prova um fato, é vedado ao juiz considerá-lo provado por outro meio, por mais especial que seja. O estado da pessoa, por exemplo, somente se prova mediante certidão do cartório do registro civil. Não pode o juiz considerar provado casamento, quando a demonstração desse fato tiver sido feita por testemunhas ou documentos que não a certidão do registro civil” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 992, destacado).
Alguns autores, como José Miguel Garcia Medina, dão uma abordagem um tanto diferenciada, esclarecendo:
“Documento ad probationem e ad solemnitatem.
Na hipótese prevista no art. 406 do CPC/2015, não estabelece a lei hierarquia entre a prova documental indicada (instrumento público) e outros documentos, ou outros meios de prova. No caso, o instrumento público integra o suporte fático do ato jurídico (“da substância do ato”), no plano de validade, à luz do direito material.
Trata-se, pois, de forma ad solemnitatem, que, se não observada, leva à nulidade do ato jurídico” (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 4ª ed., São Paulo: RT, 2018, p. 666).
Verificada a admissibilidade, em tese, da prova legal, resta avançarmos para analisar sua perfeita aplicação no processo previdenciário. A competência médica é tão importante que se encontra normatizada na Lei n. 12.842/2013, que regula a atividade dos médicos:
Art. 4º São atividades privativas do médico:
I - (VETADO);
II - indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;
III - indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;
IV - intubação traqueal;
V - coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como das mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal;
VI - execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral;
VII - emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos;
VIII - (VETADO);
IX - (VETADO);
X - determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
XI - indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;
XII - realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;
XIII - atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;
XIV - atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.
(...)
§ 1º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:
I - agente etiológico reconhecido;
II - grupo identificável de sinais ou sintomas;
III - alterações anatômicas ou psicopatológicas.
§ 2º (VETADO).
§ 3º As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
§ 4º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:
I - (VETADO);
II - (VETADO);
III - invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.
§ 5º Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:
I - (VETADO);
II - (VETADO);
III - aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;
IV - (VETADO);
V - realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;
VI - atendimento à pessoa sob risco de morte iminente;
VII - realização de exames citopatológicos e seus respectivos laudos;
VIII - coleta de material biológico para realização de análises clínico-laboratoriais;
IX - procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual.
§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
§ 7º O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia.
Art. 5º São privativos de médico:
I - (VETADO);
II - perícia e auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;
III - ensino de disciplinas especificamente médicas;
IV - coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.
Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico.
Assim, a aferição da incapacidade passa pela perspectiva de que cabem exclusivamente ao médico:
(i) a realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;
(ii) a atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas.
Claro que isso não nos leva à conclusão de que há sempre vinculação do juiz à prova exclusivamente médica para fins de configuração do requisito incapacidade previdenciária, que não é apenas técnico, mas, principalmente no que ora importa, jurídico.
Reforça isso (a noção de incapacidade, embora predominantemente técnica, é também jurídica) o reconhecimento de direito ao benefício por incapacidade mesmo que ela não seja total:
“Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez” (Súmula n. 47 da TNU).
“O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual” (Súmula n. 77 da TNU).
“Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença” (Súmula n. 78 da TNU).
De fato, outros elementos probatórios podem conduzir a esse enquadramento, com base no livre convencimento motivado e isso está bem assentado em jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A TODOS FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO. SÚMULA 182/STJ. AUXÍLIO-ACIDENTE. ART. 86 DA LEI 8.213/1991. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DA AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO NÃO PREENCHIDOS. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Pela leitura das razões recursais, constata-se que quando da interposição do Agravo em Recurso Especial a parte agravante não rebateu, como lhe competia, todos os fundamentos da decisão agravada, deixando de impugnar a incidência da Súmula 518/STJ.
2. A parte agravante deve infirmar os fundamentos da decisão impugnada, autônomos ou não, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles - Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ainda que assim não fosse, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz, e não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, se o magistrado entendeu não haver necessidade de produção de prova testemunhal para o julgamento da lide e desnecessidade de nova perícia, não há que se falar em cerceamento de defesa na impugnação do pedido.
4. O auxílio-acidente é concedido, nos termos do art. 86 da Lei 8.213/1991, ao Segurado, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
5. Por sua vez, o art. 20, I da Lei 8.213/1991, considera como acidente de trabalho a doença profissional proveniente do exercício do trabalho peculiar à determinada atividade, enquadrando-se, nesse caso, as lesões decorrentes de esforços repetitivos.
6. Na hipótese dos autos, as instâncias ordinárias, com base no acervo fático-probatórios dos autos, julgaram improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente com base na conclusão de que as moléstias que acometem a Segurada não afetam a sua capacidade laboral, o que torna despicienda a análise de possível nexo causal.
7. Assim, ausentes os requisitos legais para a concessão do benefício, impossível acolher a pretensão autoral, uma vez que o auxílio-acidente visa a indenizar e a compensar o Segurado que não possui plena capacidade de trabalho em razão do acidente sofrido, não bastando, portanto, apenas a comprovação de um dano à saúde do Segurado, quando o comprometimento da sua capacidade laborativa não se mostre configurado ou quando não houver qualquer relação com sua atividade laboral.
8. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1407898 / SP, 1ª. Turma, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 22/08/2019)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. AUXÍLIO-ACIDENTE. NEXO CAUSAL E DE INCAPACIDADE LABORAL RECONHECIDOS. LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC/1973, o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte.
2. Hipótese em que a Corte de origem, com base no contexto fático-probatório, entendeu devida a concessão do auxílio pretendido. Desse modo, rever a conclusão a que chegou o acórdão impugnado é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial."
3. O STJ possui jurisprudência firme e consolidada de que, com base no livre convencimento motivado, pode o juiz ir contra o laudo pericial, se houver nos autos outras provas em sentido contrário que deem sustentação à sua decisão.
4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1658344 / PE, 2ª.Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 18/04/2017)
Minha preocupação específica é a circunstância concreta onde o julgador ignore completamente a conclusão pericial quanto a uma circunstância (clínica) que é condição sine qua non para o julgamento da causa previdenciária que discuta incapacidade ou impedimento (se se trate de benefício assistencial). Não porque o diz a lei (e daí ser de menor importância discutir-se tarifação de prova), mas, sim, porque é atribuição do médico dar a definição técnico-científica sobre incapacidade, ainda que, juridicamente, incapacidade possa ter contornos mais peculiares.
Daí porque esse Colegiado tem observado, linhas gerais, o seguinte precedente:
"EMENTA PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. REALIZAÇÃO INDEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PREJUDICADO.
1. A realização de perícia judicial é imprescindível para a análise da condição laborativa do requerente a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, assim como para a verificação da data do início da incapacidade.
2. Há cerceamento de defesa quando a decisão recorrida conclui, sem a produção de perícia médica judicial, que a incapacidade é posterior à perda da qualidade de segurado.
3. Acórdão recorrido e sentença anulados de ofício, com retorno dos autos à origem o para a produção de prova pericial, considerando-se prejudicado o Pedido de Uniformização. (PEDILEF 2006.71.95.007523-7, relator para o acórdão: José Antonio Savaris, data de julgamento 11.10.2010).
Isso tem se repetido em tema bastante similar a este em julgamento, destacando que o afastamento da prova pericial somente pode se dar motivadamente:
"PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO MÉDICO PERICIAL QUE RECONHECE A CAPACIDADE PARA O TRABALHO E QUE NÃO É AFASTADO PELA TURMA DE ORIGEM. BENEFÍCIO DEFERIDO COM FUNDAMENTO NA PANDEMIA DE COVID-19. IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA PELO PODER JUDICIÁRIO. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
1. O Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar seu convencimento com outros elementos ou fatos provados nos autos. Portanto, com base no livre convencimento motivado, o Magistrado pode reconhecer a incapacidade para o trabalho e conceder o benefício previdenciário de auxílio-doença, afastando-se da conclusão do laudo médico judicial.
2. Sem se afastar da conclusão pericial e criando verdadeira política pública, o julgado recorrido equiparou as limitações sociais decorrentes do momento de pandemia, como a dificuldade de acesso aos serviços públicos e a necessidade de isolamento social, à incapacidade “para o seu trabalho ou para sua atividade habitual por mais de 15(quinze) dias consecutivos”, conforme previsão do art. 59 da Lei n.º 8.213/1991.
3. No que tange às políticas públicas destinadas à assistência no período de pandemia, especialmente no curso do ano de 2020, Poder Executivo e Legislativo fizeram sua opção de como assistir a população mais desfavorecida, criando o auxílio-emergencial previsto na Lei n.º 13.982/2020, entre outras providências.
4. Assim, deve a decisão recorrida ser reformada, pois não cabe ao Poder Judiciário, subvertendo a lógica do auxílio-doença, transformá-lo em política pública de assistência social para enfrentamento da pandemia de COVID-19.
5. Incidente conhecido e provido" (PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 0502141-97.2019.4.05.8501/SE, Relator: Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa).
É importante, no entanto, consignar que o princípio do livre convencimento motivado não é mais força matriz expressa do CPC. De fato, embora estivesse expressamente previsto no CPC anterior (Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento), ele não se reproduziu no atual:
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
O CPC atual, portanto, não mais conforma a irrestrita liberdade de convencimento. Isso é bem destacado em doutrina:
“No disposto no art. 371 exclui-se o vocábulo ´livre´ e determina a consideração judicial das provas constantes dos autos e a indicação das razões da formação de seu convencimento que impõe um cuidado redobrado do julgar para apresentar efetivamente os elementos dos autos que levara a um determinado posicionamento. Não há liberdade no ato de julgamento, há um dever de fundamentar a posição tomada, que deve ter como pauta de conduta a preocupação em buscar convencer as partes acerca da correção do posicionamento judicial (persuasão racional das partes), isto é uma mutação revolucionário na normatização do ato de julgar, porque a decisão não é propriamente imposta, mas disposta para convencer. A construção deve ter este espírito, o convencimento das partes deve ser uma meta do pronunciamento, ainda que não seja necessário alcançar este resultado” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1001, grifei).
“Aqui, vale notar que não se repetiu, no CPC/2015, a expressão ´livremente´, constante do art. 131 do CPC/1973 (´O juiz apreciará livremente a prova, (...)´). Evidente que, à luz do CPC/1973, não tinha o juiz discricionariedade em relação à prova, no sentido de poder examinar as provas de modo irracional. Mas o fato de se ter extirpado tal expressão da lei processual é carregado de simbologia: à luz do Código de Processo Civil de 2015, fica claro que não se admite qualquer carga de irracionalidade, na motivação da decisão judicial, em relação às provas” (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 4ª ed., São Paulo: RT, 2018, p. 640, negritei).
Quer-se a conclusão decisória a partir do prévio encadeamento causal probatório, não havendo, assim, liberdade para julgar fora do acervo probatório, salvo exceções expressamente autorizadas, como o caso do art. 375 (Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial) do CPC, aindda assim mediante a devida fundamentação (art. 489 do CPC).
E aqui chego à primeira premissa do meu voto: a incapacidade jurídica não é aferida exclusivamente a partir da informação técnica contida na perícia médica, podendo o julgador levar em conta outros argumentos, desde que o faça fundamentadamente, indicando os elementos de prova que autorizam desconsiderar uma prova técnica que, grosso modo, só pode ser ignorada ou relativizada à luz de argumentos racionais bastantes.
Segunda premissa de julgamento.
Tenho estudado processo civil e o CPC desde os tempos dos bancos universitários e aí já se vão 25 anos. Ao lado disso e mesmo antes, surgiram os Juizados: a) de pequenas causas (Lei n. 7.244/84); b) especiais cíveis e criminais (Lei n. 9.099/95); c) especiais federais (Lei n. 10.259/2001); d) especiais da Fazenda Pública (12.153/2009).
Calcados em ideal constitucional de causas de menor complexidade e infrações de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumaríssimo (art. 98 da CF), mostraram-se e são um sucesso. É o mais próximo de justiça rápida e expedita que temos no país. Basta ver que o CNJ em Números de 2021 («https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/relatorio-justica-em-numeros2021-081021.pdf». Acesso em 21.10.2021) destaca que:
a) o tempo de sentença nos Juizados Especiais Federais é de 8 meses, ao passo que nas varas comuns federais é de 1 ano e 5 meses (p. 63);
b) o tempo de sentença (o relatório unificou a nomenclatura para os fins estatístico) nas Turmas Recursais Federais é de 1 ano e 9 meses, ao passo que nos TRFs é de 2 anos e 3 meses (p. 63).
Por sua vez, é do mesmo relatório (p. 64) que:
I) os Juizados Especiais Federais receberam 1.978.857 casos novos em 2020 contra 872.038 das varas comuns federais;
II) 1.475.052 de sentenças foram proferidas pelos Juizados Especiais Federais contra 913.812 das varas comuns federais;
III) 1.915.203 de processos foram baixados nos Juizados Especiais Federais contra 1.065.154 das varas comuns federais; IV) 2.559.898 de processos foram baixados nos Juizados Especiais Federais contra 1.065.154 das varas comuns federais.
Ou seja, os Juizados Especiais Federais recebem dois de cada três casos novos apresentados à Justiça Federal e julgam o mesmo processo em menos da metade do tempo.
É o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais, portanto, o case de sucesso e não o procedimento comum do CPC. Isso não pode ser perdido da perspectiva.
As causas regidas pelo CPC possuem plenitude de devido processo legal, contraditório e acesso à justiça, e, por isso, o procedimento comum traz em si um reduzido grau de celeridade e eficiência. É o que têm demonstrado todas as estatísticas e o senso comum de quem milita nos foros da vida.
Em sede de valor constitucional caro, a saber, o da duração razoável do processo (Art. 5º da CF. LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), aniquilar o que se faz sob tal perspectiva (trazendo o que é do procedimento comum que não funciona para o especial que funciona) importa fundamente em agredir um valor constitucional maior (= duração razoável do processo).
Daí sempre tive a perspectiva de que a invocativa pura e simples do procedimento do CPC para regular o procedimento oral e sumaríssimo dos Juizados Especiais sempre deve ser visto cum grano salis. Isso porque a justiça que não funciona, a que se vale do procedimento comum do CPC, ao menos em termos de celeridade, tem pouco de bom a inspirar à justiça que entrega algum resultado em tempo mais ágil, os Juizados Especiais Federais.
Esse é o argumento estatístico, mas o argumento jurídico é mais simples. O microssistema dos Juizados Especiais (Cíveis, Federais e da Fazenda Pública) é próprio e só busca achegas naquilo que seja essencial (teoria geral do processo: ação, processo e jurisdição, na concepção clássica) e desde que não lhes afetem os princípios regedores (oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade).
E aqui concluo a segunda premissa. Quanto aos Juizados Especiais, o CPC é norma subsidiária e supletiva e sua aplicabilidade àqueles, inclusive Federais, só deve se dar na medida em que não afete o valor da celeridade, constitucionalmente assegurado, e seus demais princípios retores.
Terceira premissa de julgamento.
A realidade dos Juizados Especiais Federais ao longo do país possui peculiaridades. A utilização da prova pericial, a partir da confiança depositada pelos juízes nos profissionais médicos credenciados, selecionados e treinados é fundamental na rotina de trabalho.
O roteiro clássico é de inicial, contestação, perícia médica, espaço para impugnação à perícia, audiência (se necessária) e sentença. Alguns Juizados antecipam a perícia para antes da contestação, visando viabilizar mais conciliações. Outros fazem a perícia na própria audiência de conciliação, bem como na de instrução e julgamento. Enfim, trata-se de uma miríade de contextos próprios e locais que visam facilitar a prestação jurisdicional. Porém, em nenhuma dessas realidades, de forma significativa, há por bem dispensar a prova pericial.
A realização de uma prova pericial, sujeita diretamente ao crivo do contraditório no curso do processo, por um profissional equidistante das partes e da confiança do juiz, confere forte legitimação às decisões judiciais em tal contexto proferidas.
Isso porque não é incomum que o médico que acompanha a parte autora expeça atestados ou pareceres a “pedido” da parte que acompanha (muitas vezes superficialmente) sem maior grau de confiabilidade. Por vezes, atestados são expedidos por profissionais que tiveram pouco ou nenhum contato com a parte. Não é porque isso não seja bom de reconhecer como verdade que isso não deva ser considerado pelo judiciário e pelo julgador.
A apresentação de atestados, pareceres e outros documentos para prova da incapacidade evidencia aproximação do subscritor desses documentos com a parte em benefício de quem eles foram confeccionados, a retirar o requisito de imparcialidade. Não é a tôa que o CPC (no que parece algo absolutamente aplicável aos Juizados Especiais Federais) demanda imparcialidade também do perito, assim como sua constante reavaliação:
Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.
§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
§ 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.
§ 3º Os tribunais realizarão avaliações e reavaliações periódicas para manutenção do cadastro, considerando a formação profissional, a atualização do conhecimento e a experiência dos peritos interessados.
§ 4º Para verificação de eventual impedimento ou motivo de suspeição, nos termos dos arts. 148 e 467, o órgão técnico ou científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da atividade.
§ 5º Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.
No CNJ, regula o assunto a Resolução n. 233/2018, que dispõe sobre a criação de cadastro de profissionais e órgãos técnicos ou científicos no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus. Já no CJF tem-se a Resolução nº CJF-RES-2014/00305 de 7 de outubro de 2014, que dispõe sobre o cadastro e a nomeação de profissionais e o pagamento de honorários a advogados dativos, curadores, peritos, tradutores e intérpretes, em casos de assistência judiciária gratuita, no âmbito da Justiça Federal e da jurisdição federal delegada e dá outras providências.
Ou seja, há toda uma exigência para integrar os quadros da perícia, pela importância que assumem no processo decisório (idoneidade, treinamento, atualização, avaliação constante etc). Isso não pode ou deve ser ignorado sem fazer letra morta dos preceitos legais e regulamentares aludidos.
A utilização generalizada de atestados médicos ou quejandos ao invés da prova pericial judicial, assim, é de toda desaconselhável. Há diversos quadros que podem exsurgir da adoção dessa premissa:
a) apresentação de atestados posteriores à perícia médica administrativa, não submetidos ao crivo da administração propositalmente;
b) apresentação de atestados que não atendam requisitos mínimos de confiabilidade (Código Ético aplicado à Medicina, Resolução CFM nº 2217 de 27/09/2018);
c) criação de uma rotina judicial que passe a ignorar prova pericial (administrativa que seja, mas, principalmente, judicial) em detrimento desses atestados médicos;
d) assédio a médicos em busca de atestados direcionados à prova em juízo.
E não adianta supor que tais dificuldades (em número aberto) estão sujeitas a fácil controle judicial ou sejam evitáveis pela simples submissão ao contraditório e ao devido processo legal, certo que os juízes já estão atarefados com as atribuições habituais diretamente relacionadas ao elevado volume de processos em tramitação, o que já referido e conhecido.
Tudo isso pode gerar repercussões negativas e malqueridas em diversas realidades locais, afetando a imagem do Judiciário, o que, salvo melhor juízo, não pode ou deve incentivar, com todas as vênias, esta TNU, sendo essa a terceira premissa de julgamento.
Quarta e última premissa de julgamento.
Aqui chego, finalmente, aos nortes de julgamento. A utilização de pareceres apresentados pelas partes como provas já existia no CPC de 1973. Não houve novidade quanto a esse ponto. Veja-se:
CPC de 1973.
Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992).
CPC de 2015.
Art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.
Ou seja, com a exceção da exclusão das vírgulas após apresentarem e fato, nada mudou do CPC de 1973 para o de 2015 especificamente quanto a esse assunto. E a demanda por uma especial fundamentação, da mesma forma, é patente atualmente:
Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.
A eminente relatora propõe que, no período da pandemia, e considerando os princípios inspiradores do novo CPC, notadamente de cooperação, possa ser excepcionada a exigência de perícia médica judicial para os benefícios por incapacidade. Em reforço, invoca:
“Com o intuito de não inviabilizar o acesso à proteção previdenciária, adveio a Lei nº 13.982/2020, autorizando a antecipação de valores àqueles que solicitarem benefício por incapacidade, condicionada, entretanto, à apresentação de atestado médico conforme parâmetros indicados, além da presença de carência e qualidade de segurado, nestes termos:
Art. 4º Fica o INSS autorizado a antecipar 1 (um) salário-mínimo mensal para os requerentes do benefício de auxílio-doença de que trata o art. 59 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, ou até a realização de perícia pela Perícia Médica Federal, o que ocorrer primeiro.
Parágrafo único. A antecipação de que trata o caput estará condicionada:
I - ao cumprimento da carência exigida para a concessão do benefício de auxílio-doença;
II - à apresentação de atestado médico, cujos requisitos e forma de análise serão estabelecidos em ato conjunto da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS. (grifo nosso)
O período inicialmente projetado para três meses foi prorrogado pelo Decreto 10.413/2020, diante da permissão contida no artigo 6º da Lei 13.982/2020, na ordem que segue:
Art. 6º O período de 3 (três) meses de que trata o caput dos arts. 2º, 3º, 4º e 5º poderá ser prorrogado por ato do Poder Executivo durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional da Covid-19, definida pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Art. 1º Fica o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS autorizado a conceder as antecipações de que tratam os art. 3º e art. 4º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, até 31 de outubro de 2020.
Na mencionada impossibilidade de averiguação da existência de incapacidade em face da suspensão das perícias médicas presenciais pelo INSS, o artigo 2º da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020 fixou critérios a serem satisfeitos pelo atestado médico destinado a instruir o requerimento administrativo, destacando-se, quanto ao ponto, que o requisito previsto no item IV infra, pode ser suprido pela aplicação analógica e integrativa do disposto no art. 60, §9o., da Lei 8.213/91. Eis o teor dos dispositivos mencionados:
Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020:
Art. 2º Enquanto perdurar o regime de plantão reduzido de atendimento nas Agências da Previdência Social, nos termos da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 8.024, de 19 de março de 2020, os requerimentos de auxílio-doença poderão ser instruídos com atestado médico.
§ 1º O atestado médico deve ser anexado ao requerimento por meio do site ou aplicativo "Meu INSS", mediante declaração de responsabilidade pelo documento apresentado, e deve observar, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - estar legível e sem rasuras;
II - conter a assinatura do profissional emitente e carimbo de identificação, com registro do Conselho de Classe;
III - conter as informações sobre a doença ou CID; e
IV - conter o prazo estimado de repouso necessário.
§ 2º Os atestados serão submetidos a análise preliminar, na forma definida em atos da Subsecretaria de Perícia Médica Federal da Secretaria de Previdência e do Instituto Nacional do Seguro Social.
§ 3º A emissão ou a apresentação de atestado falso ou que contenha informação falsa configura crime de falsidade documental e sujeitará os responsáveis às sanções penais e ao ressarcimento dos valores indevidamente recebidos.(grifo nosso)
Lei 8.213/91:
Art. 60. (...)
§ 9o Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.457, de 2017)
Isso significa que, para que a prova documental dispense a prova pericial, em situações excepcionais, deverá ser garantido o contraditório, a ampla defesa e a não-surpresa, de modo que a parte adversa não seja surpreendida por elementos levados à formação da convicção judicial, sem a oportunidade de apresentar defesa e retorquir o conteúdo e a forma de documentos produzidos unilateralmente.
Levando em conta que a documentação médica deve observar a lisura prevista no Código Ético aplicado à Medicina (Resolução CFM nº 2217 de 27/09/2018, arts. 80 e 81) - inclusive respondendo os respectivos profissionais pela autenticidade das informações que prestarem -, se elucidativa, é apta à formação da convicção judicial para fins de concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio processual da não surpresa, como resposta emergencial e preventiva para evitar a transmissão e contaminação pelo Coronavírus (SARS-CoV-2).
A linha foi de permitir-se a prova da condição clínica mediante documentos, em linha com a legislação retro citada, observando-se o contraditório, o devido processo legal e o princípio da não-surpresa. A tese proposta foi:
Em resposta emergencial e preventiva, para evitar o risco de transmissão e contágio por Coronavírus (SARS-CoV-2) durante a crise pandêmica, é possível a dispensa de perícia médica para concessão de benefício por incapacidade laboral, quando apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos, suficientes à formação da convicção judicial, desde que observado o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa.
Penso que a solução geral é correta, mas condicionantes mais claras precisam ser definidas. De fato, o fundamento do lúcido voto foi de permissão à luz da situação de pandemia e da legislação de exceção (Lei n. 13.982/2020, art. 4º, parágrafo único, II; Lei n. 13.982/2020, art. 6º c.c. Decreto n. 10.413/2020, art. 1º; Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020, art. 2º).
Outrossim, há de se ter em mente que a presente definição deve ater-se à cognição jurisdicional, porquanto a desnecessidade de perícia administrativa é matéria já regulada por lei. Não convém, penso, inserir-se nessa seara meritória administrativa, criada e jungida a um macrocosmo de política pública.
Por fim, uma fundamentação clara e específica, conquanto implicitamente exigida a qualquer decisão, não é nada despicienda. Motivação é vetor constitucional inarredável (art. 93, IX da CF), tanto mais para justificar opções jurídicas fora do ordinário.
Com todas as vênias à eminente relatora, que não são muitas, porque acosto-me em quase tudo ao excelente voto, com uma ou outra exceção quanto à conclusão, proponho a seguinte tese para o Tema n. 288:
Enquanto durar o período de pandemia, é possível a dispensa de perícia médica judicial para concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos que atendam aos requisitos da Lei n. 13.982/2020 (art. 4º, parágrafo único, II, e art. 6º c.c. art. 1º do Decreto n. 10.413/2020 c.c. art. 2º da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020), suficientes à formação da convicção judicial, observados o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa, mediante decisão devidamente fundamentada.
Destaco que sou particularmente partidário de teses enxutas, que expressem de forma mais clara e concisa a ratio decidendi e, acima de tudo, a devida utilidade do tema para as partes e juízes que têm por referência a TNU. O caso, porém, não permite uma redação mais concisa, embora eu esteja aberto às sugestões do Colegiado.
Por sua vez, partindo-se dessa premissa, observo que nem a sentença e nem o acórdão encontram-se suficientemente fundamentados. A sentença destacou:
O perito médico administrativo concluiu, em 25/03/2019 (data da realização da perícia), que a parte autora não possui incapacidade laboral, apesar das enfermidades apontadas no respectivo laudo de anexo 20, página 03.
Ocorre que, em face das afirmativas prestadas pelo perito médico administrativo, anexo 20, página 03, em conjunto com os demais documentos constantes nos autos (exames/receituários/atestados/relatórios médicos de anexos 05/09, 24 e 26), levando-se em consideração o tipo de enfermidade vivenciada (patologias psiquiátricas), que a autora encontrava-se incapacitada desde a DER - 06/03/2019 (anexo 20).
Nesse contexto, não é razoável que, diante das enfermidades que o(a) acometem, a parte autora não possui incapacidade laboral.
O acórdão manteve a sentença sob a seguinte motivação:
Antes de julgar o processo, o juiz proferiu decisão de distribuição dinâmica do ônus da prova. O INSS, em sua manifestação, sustentou inexistir prova apta para afastar presunção de validade do ato administrativo indeferitório. Assim, renovou o requerimento de improcedência do pedido.
O juízo monocrático vem julgando procedente/improcedente o pedido de concessão/restabelecimento de benefício por incapacidade com base nos elementos dos autos sem a realização de exame pericial.
A parte ré [INSS] recorreu da sentença, requerendo, em suma, a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido, com fundamento na inexistência de prova apta para afastar presunção de validade do ato administrativo indeferitório. Subsidiariamente, alega cerceamento do direito de defesa e, em consequência, postula a anulação da sentença.
A Autarquia previdenciária, em sua manifestação à decisão sobredita, requereu o julgamento com base tão somente na perícia administrativa [presunção de validade dos atos administrativos], vindo a recorrer depois alegando o cerceamento do direito de defesa. Este comportamento não é correto do ponto de vista processual [boa-fé objetiva], pois, ao requerer o julgamento tão-somente com base na perícia administrativa, assume o risco de julgamento desfavorável com base em toda a prova dos autos [princípio comunhão da prova – o juiz valora toda a prova dos autos não importando quem a produz] segundo o convencimento motivado [o juiz não fica limitado ao conteúdo da perícia administrativa].
A sentença desconsiderou a DII da perícia administrativa (que fixara em momento onde não existir a qualidade de segurado). E o acórdão entendeu que, como havia redistribuição dinâmica do ônus da prova, o INSS não provou que a perícia administrativa não teve a sua presunção de veracidade confirmada.
Para além da inusitada solução (inverter o ônus da prova em detrimento do INSS para que ele prove que o ato administrativo não detêm presunção de legitimidade!!!), restou a meu ver sem suficiente fundamentação a desconsideração da conclusão da perícia administrativa, simplesmente aludindo-se (sem bastante fundamentação) aos “(...) exames/receituários/atestados/relatórios médicos de anexos 05/09, 24 e 26), levando-se em consideração o tipo de enfermidade vivenciada (patologias psiquiátricas)”.
Penso que deve ser aplicada a Questão de ordem n. 20 (Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma Nacional sobre a matéria de direito).
É como voto, com a vênia da ilustre relatora.
Dispositivo.
Assim, voto por: a) FIXAR a seguinte tese: “Enquanto durar o período de pandemia, é possível a dispensa de perícia médica judicial para concessão de benefício por incapacidade laboral, desde que apresentados pareceres técnicos ou documentos médicos elucidativos que atendam aos requisitos da Lei n. 13.982/2020 (art. 4º, parágrafo único, II, e art. 6º c.c. art. 1º do Decreto n. 10.413/2020 c.c. art. 2º da Portaria Conjunta SEPRT/INSS nº 9.381/2020), suficientes à formação da convicção judicial, observados o contraditório, a ampla defesa e o princípio da não surpresa, mediante decisão devidamente fundamentada”; b) ANULAR o acórdão para que outro seja proferido em conformidade com a tese acima (Questão de Ordem n. 20 da TNU).
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