sexta-feira, 29 de novembro de 2024

TNU decide sobre carência e contribuições

Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização, tema 358, a qual firmou a seguinte tese que ficou assim decidida: "1. Tempo de contribuição e carência são institutos distintos. 2. Carência condiz com contribuições tempestivas. 3. O art. 18 da EC 103/2019 não dispensa a carência para a concessão de aposentadoria.Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.



EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei federal. tema 358/TNU. aposentadoria por idade. ec 103/2019. carência. perda da qualidade de segurado. incidente provido.
I. CASO EM EXAME
1. Trata-se de PEDILEF interposto pelo INSS contra acórdão exarado pela 1ª Turma Recursal de Seção Judiciária de Pernambuco na ação que pretende obter o benefício de aposentadoria por idade. Segundo o relato, a Turma Recursal de origem deu provimento ao recurso inominado da parte autora para condenar o INSS a conceder-lhe aposentadoria por idade, com DIB na DER (em 16/12/2021), nos termos do art. 18, da EC. n. 103/19. Entende o acórdão ser possível o cômputo das competências do período de 01/01/2016 a 25/07/2021 para fins de tempo de contribuição (ainda que não seja possível para fins de carência), tendo em vista que, conforme a regra de transição da EC. 103, não mais se exigiria qualquer tempo de carência para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade. Sustenta que os requisitos previstos pela EC 103/2019 para a aposentadoria por idade seriam, tão somente, tempo de contribuição e idade, concluindo que haveria possibilidade de cômputo das contribuições pagas em atraso após a perda da qualidade de segurado - ou ainda que a primeira não tenha sido paga em dia -, não se lhe aplicando a ressalva estabelecida pelo art. 27, II, da Lei nº 8.213/1991.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Saber se, para fins de concessão de aposentadoria por idade urbana com DER após a EC 103/2019, permanece a necessidade de cumprimento do requisito da carência, particularmente para quem precisa usar a regra de transição do art. 18, da EC 103, ou se a regra de transição prevista no art. 18, da EC 103/2019 não exige mais tal requisito (bastando ao beneficiário preencher, cumulativamente, os requisitos "idade" e "tempo de contribuição"), de forma que as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual possam ser computados como tempo de contribuição (ainda que este tenha perdido a qualidade de segurado).
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. À previdência social, organizada sob a forma do Regime Geral - de caráter contributivo e de filiação obrigatória -, devem ser observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, sob pena de inviabilizar-se o instituto. O art. 201, § 7º, da CF/1988 assegura os gozo dos benefícios consoante requisitos mínimos, e obedecidas determinadas condições complementares a serem previstas em lei - para a qual expressamente remete o intérprete (atualmente, a Lei 8.213/1991). Dentre os requisitos que o legislador ordinário estabeleceu ao gozo dos benefícios (salvo exceções expressamente previstas), encontra-se a carência.
4. No caso da aposentadoria por idade, a EC 103/2019 modificou parcialmente os requisitos então vigentes para o benefício, em especial o relativo à idade mínima, acrescentando que, nos termos da lei, seja fixado tempo mínimo de contribuição (art. 201, §7°, I, da CF/1988).
5. A leitura sistemática do art. 18, da EC 103/2019 remete o intérprete ao disposto no inciso inciso I do § 7º do art. 201 da CF/1988 e este é expresso em referir que os requisitos mínimos dispostos na norma seriam completados por disposições infraconstitucionais - no caso, a Lei 8.213/1991, atualmente em vigor.
6. A emenda não suprimiu o disposto na Lei 8.213/9191 em especial o seu art. 48, que expressamente institui a carência como requisito complementar à aposentação por idade, notadamente porque a norma em questão tem por escopo dar garantia de sustentação ao sistema - em especial contra os filiados que buscam satisfazer os requisitos para o gozo dos benefícios somente quando atingidos [ou em vias de serem atingidos] pela situação de risco social.
7. O legislador constitucional não suprimiu requisitos válidos para os filiados na data de sua vigência, em especial porque previu, expressamente, a ressalva aos regramentos já previstos em lei. E até que sobrevenha outra norma que a substitua, tenho por válidas e eficazes as determinações da Lei 8.213/1991 no que diz respeito à carência, notadamente o seu art. 48.
8. Dado que a prova incontroversa dos autos dá conta de que a parte autora somente recolheu grande lapso de contribuições (de forma retroativa) quando já em vias de requerer o benefício, tendo perdido a qualidade de segurada, é negado o direito à aposentadoria por idade.
IV - DISPOSITIVO E TESE
9. Pedido de Uniformização do INSS provido.
Tese de julgamento: 1. "1. Tempo de contribuição e carência são institutos distintos. 2. Carência condiz com contribuições tempestivas. 3. O art. 18 da EC 103/2019 não dispensa a carência para a concessão de aposentadoria".
_________
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §7°, I; EC 103/2019, art. 18; Lei 8.213/1991, arts. 24, 25, 27, II e 48.
Jurisprudência relevante citada: TNU, PEDILEF 2009.71.50.019216-5/RS Tema 192/TNU. Rel. André Carvalho Monteiro, j. 20/02/2013.
TNU, PEDILEF 0500179-22.2022.4.05.8311/PE, Juiz Federal Giovani Bigolin 16/10/2024.

ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização do INSS, nos termos do voto do Juiz Relator, julgando-o como representativo de controvérsia, com a fixação da seguinte tese para o Tema 358: "1. Tempo de contribuição e carência são institutos distintos. 2. Carência condiz com contribuições tempestivas. 3. O art. 18 da EC 103/2019 não dispensa a carência para a concessão de aposentadoria".

Brasília, 16 de outubro de 2024

RELATÓRIO
Trata-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal - PEDILEF - interposto pelo INSS contra acórdão exarado pela 1ª Turma Recursal de Seção Judiciária de Pernambuco na ação que pretende obter o benefício de aposentadoria por idade.

Segundo o relato, a Turma Recursal de origem deu provimento ao recurso inominado da parte autora para condenar o INSS a conceder-lhe aposentadoria por idade, com DIB na DER (em 16.12.2021), nos termos do art. 18, da EC. n. 103/19.

Entende o acórdão ser possível o cômputo das competências do período de 01/01/2016 a 25/07/2021 para fins de tempo de contribuição (ainda que não seja possível para fins de carência), tendo em vista que, conforme a regra de transição da EC. 103, não mais se exigiria qualquer tempo de carência para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade. Sustenta que os requisitos previstos pela EC 103/2019 para a aposentadoria por idade seriam, tão somente, tempo de contribuição e idade, concluindo que haveria possibilidade de cômputo das contribuições pagas em atraso após a perda da qualidade de segurado - ou ainda que a primeira não tenha sido paga em dia -, não se lhe aplicando a ressalva estabelecida pelo art. 27, II, da Lei nº 8.213/91.

Assevera o julgado, dessa forma, ser suficiente, para a concessão de aposentadoria por idade, que as contribuições pagas em atraso sejam computadas como tempo de contribuição, pois o benefício seria concedido com data de início posterior à entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 103/2019.

O recorrente indica, como paradigma deste Pedido, acórdão da 3ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul que, em situação idêntica, entendeu pela necessidade de continuar-se aplicando a exigência contida no inciso II do art. 27 da Lei n. 8.213 e que, portanto, tendo havido recolhimento extemporâneo de contribuições após a perda da qualidade de segurado, seria inviável o seu cômputo para fins de carência para a concessão de aposentadoria por idade. Aduz não ter havido revogação do inciso II do art. 27 da Lei n. 8.213, permanecendo ele plenamente vigente, e que a EC 103/2019 trouxe, na verdade, um requisito adicional à concessão do benefício de aposentadoria por idade que, agora, além do requisito dos 180 meses de carência, deve observar o requisito dos 15 (quinze) anos de contribuição.

Menciona o INSS que esta TNU já teve oportunidade de avalizar o entendimento então sustentado (Tema 192), cuja tese foi fixada conforme segue:

Contribuinte individual. Recolhimento com atraso das contribuições posteriores ao pagamento da primeira contribuição sem atraso. Perda da qualidade de segurado. Impossibilidade de cômputos das contribuições recolhidas com atraso relativas ao período entre a perda da qualidade de segurado e a sua reaquisição para efeito de carência

O pedido foi inadmitido na origem.

Desta decisão, o recorrente interpôs Agravo, admitido pela Presidência desta Turma.

Na sessão virtual de 07/03/2024 a 13/03/2024, este Colegiado Nacional conheceu do Pedido de Uniformização e decidiu afetá-lo como Representativo de Controvérsia - Tema 358.

A Secretaria desta TNU comunicou a afetação consoante a legislação de regência e publicou edital para que pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia pudessem apresentar memoriais escritos, nos termos do art. 16, § 6º, inciso I, do Regimento Interno da TNU, instituído pela Resolução n. 586/2019.

Manifestaram interesse de ingressar como amici curiae a Defensoria Pública da União - DPU, o Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV (Núcleo DE Pesquisa e Defesa dos Direitos Sociais) e o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP (ev. 30/32).

O Ministério Público Federal (MPF) manifestou ciência da adoção do rito - evento 37, PROMOÇÃO1.

Deferido o ingresso dos interessados (ev. 39), estes apresentaram memoriais, respectivamente, no evento 45, PET1 (DPU), evento 47, PET1 (IBDP) e evento 53, PARECER1 (IEPREV).

Foi oportunizada nova vista ao MPF - ev. 49 -, que ofertou Parecer pelo provimento do presente Pedido de Uniformização - evento 54, PROMOÇÃO1.

Foram juntados memoriais pelo INSS - evento 58, MEMORIAIS1.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO
O tema controvertido

Na Sessão anterior, este Colegiado admitiu e afetou o presente Pedido de Uniformização como Representativo de Controvérsia de n.º 358, submetendo a seguinte questão a julgamento:

Saber se, para fins de concessão de aposentadoria por idade urbana com DER após a EC 103/2019, permanece a necessidade de cumprimento do requisito da carência, particularmente para quem precisa usar a regra de transição do art. 18 da EC 103, ou se a regra de transição prevista no art. 18, da EC 103/19 não exige mais tal requisito (bastando ao beneficiário preencher, cumulativamente, os requisitos "idade" e "tempo de contribuição"), de forma que as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual possam ser computados como tempo de contribuição (ainda que este tenha perdido a qualidade de segurado).

O caso discute se, para fins de concessão de aposentadoria por idade urbana com DER1 após a EC 103/2019, permanece a necessidade de cumprimento do requisito da carência, particularmente para quem precisa usar a regra de transição do art. 18, da EC 103.

A Turma Recursal originária, reformando a sentença que julgava o feito improcedente, concluiu que a regra de transição, prevista no art. 18, da EC 103, não exige mais o requisito carência, de forma que as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual podem ser computados como tempo de contribuição (ainda que este tenha perdido a qualidade de segurado).

O acórdão trazido como paradigma, por outro lado, analisando processo em que se buscava o mesmo benefício (em caso em que a DER da aposentadoria por idade também foi posterior à EC 103/2019), concluiu pela necessidade de cumprimento do requisito carência, afastando a possibilidade de cômputo de contribuições recolhidas em atraso (após a perda da qualidade de segurado) por contribuinte individual.

Consoante o acórdão recorrido (evento 1, ACORTR9), com grifos meus:

(...)
Em relação à questão fática, temos o seguinte: Parte autora nasceu em 03/01/1953 . Completou 60(sessenta) anos em 2013. Requereu o benefício administrativamente(DER) em 16/12/2021. Tem tempo de contribuição apurado pela sentença de pouco mais de 9(nove) anos e 06(seis) meses. Recolheu extemporaneamente as competências de 01/01/2016 a 25/07/2021, como contribuinte individual.
Fazendo a subsunção das normas aos fatos, temos o seguinte.
O autor faz jus à regra de transição, tendo em vista que já era filiado ao RGPS quando da EC 103/19, possuindo mais de 09 anos de contribuição.
Observamos que o requisito etário estava preenchido na DER, tendo em vista que se exigia 60(sessenta anos), naquela época.
Sobre o tempo de contribuição, observo que até a sentença computou pouco mais de 9(nove) anos e 06(seis) meses, período de 9,52 anos.
A controvérsia é acerca das competências do período 01/01/2016 e 25/07/2021, cujo recolhimento foi realizado a destempo, em julho 2021.
Entretanto, o pagamento em dia, na qualidade de contribuinte individual, tem relevância para fins de carência, não havendo essa exigência quando se trata apenas de tempo de contribuição.
No caso, a regra de transição da EC. 103 não exige qualquer tempo de carência, mas apenas de tempo de contribuição. Para tal desiderato, as contribuições recolhidas a destempo são idôneas.
Somando ao tempo computado pela sentença, o período de 01/01/2016 e 25/07/2021, o autor ultrapassa os 15 anos de contribuição, preenchendo todos os requisitos.
Recurso da parte autora provido. Sentença reformada para condenar o INSS a pagar aposentadoria por idade à parte autora, com DIB2 na DER, nos termos do art. 18 da EC. n. 103/19.(grifos meus)

Já o julgado paradigma expressamente dispôs (evento 1, ANEXO11), com grifos meus:

Sobre a questão controvertida, assim constou na sentença:
Com relação ao requisito etário, verifico que a autora possuía 60 anos de idade por ocasião da DER (Data de nascimento: 09/08/1959). Quanto à carência, verifico que o INSS reconheceu apenas 116 meses até a data de início da vigência da EC nº 103/2019 e 124 meses em favor da autora até a DER, e por este motivo indeferiu o pedido de concessão do benefício pleiteado (12, PROCADM2, pág. 20). Porém, o tempo de contribuição reconhecido administrativamente até a DER é de 15 anos, 03 meses e 03 dias.
Portanto, está cumprido o requisito de carência na DER, nos termos do art. 18, II, da Emenda Constitucional nº 103/2019, que trouxe regras de transição para o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social em data anterior ao início de sua vigência:
Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e
II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.
Portanto, cumpridos os requisitos de idade e carência, faz jus a autora à concessão do benefício de Aposentadoria por idade, a partir de 06/01/2021 (DER).
Passo a decidir.
Conforme a previsão do artigo 27, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, para efeito de carência serão consideradas as contribuições "realizadas a contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual (...)".
Quanto à interpretação do dispositivo legal, colaciono o entendimento jurisprudencial do TRF da 4ª Região:
(...)
Sobre o tema, ressalto o entendimento reafirmado pela TNU, em relação ao contribuinte individual, ao segurado especial e ao facultativo, de que as contribuições previdenciárias recolhidas com atraso devem ser consideradas para efeito de carência desde que posteriores à primeira paga sem atraso e que o atraso não importe nova perda da condição de segurado; conforme excerto do voto-condutor, “essa possibilidade do cômputo, para efeito de carência, dessas contribuições recolhidas em atraso decorre diretamente da interpretação do disposto no art. 27, II, da Lei nº 8.213/91. Importa, para que esse pagamento seja considerado, que não haja perda da qualidade de segurado” (TNU, PUIL nº 0502048- 81.2016.4.05.8100/CE, Rel. Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, julgado em 25.04.2019).
Nesses termos, verifica-se que as competência 01/2015 e 04/2015 a 10/2020 foram recolhidas na data de 26/11/2020 e, portanto, em atraso, sendo que as competências 11 e 12/2020 foram recolhidas dentro do prazo legal.
No caso, por ter ocorrido a perda da qualidade de segurado, inviável o cômputo das competências acima para fins de carência, mas apenas para fins de tempo de serviço.
(...)

Como salientado no voto que afetou o presente tema, esta TNU já se manifestou quanto à impossibilidade do cômputo das contribuições recolhidas com atraso relativas ao período entre a perda da qualidade de segurado e a sua reaquisição para efeito de carência (Tema 192 - PEDILEF 2009.71.50.019216-5/RS). Veja-se:

Questão submetida a julgamento:
Saber se é possível computar, para fins de carência, as contribuições recolhidas com atraso após a perda da qualidade de segurado.
Tese firmada:
Contribuinte individual. Recolhimento com atraso das contribuições posteriores ao pagamento da primeira contribuição sem atraso. Perda da qualidade de segurado. Impossibilidade de cômputos das contribuições recolhidas com atraso relativas ao período entre a perda da qualidade de segurado e a sua reaquisição para efeito de carência.

Considerando que o Tema 192 é anterior à novel legislação inaugurada pela EC 103/19, este Colegiado entendeu que a questão trazida neste pedido, além de conjugar aspectos da legislação posterior, é mais ampla, pois refere-se à aparente antinomia entre a norma constitucional (as regras de transição do art. 18, da EC 103) e a legislação ordinária até então vigente (o art. 27, II, da Lei 8.213/91), submetendo a questão ao rito dos temas repetitivos.

As manifestações dos "Amici Curiae"

Acolhido o ingresso na demanda dos amici curiae, houve a juntada de memoriais aos autos.

Em sua manifestação, a Defensoria Pública da União (DPU) defendeu o improvimento do Pedido de Uniformização ao argumento de que, com a EC 103/2019, restou suprimida a exigência de carência, sendo inviável criar requisito extra. No sentido de sua tese, colacionou julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

“EMENTA PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. A concessão de aposentadoria por idade após a EC nº 103/2019 exige a conjugação de idade e tempo de contribuição mínimos, dispensado preenchimento do requisito da carência. 2. Ausência de direito adquirido ao benefício de acordo com as regras anteriormente estabelecidas. 3. Tendo havido o cumprimento do requisito da carência somente após a EC nº 103/2019, devem ser observados os demais requisitos nela constantes, para a concessão do benefício. 4. Possibilidade de reafirmação da DER com a inclusão de período de tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação. 5. Alcançado tempo suficiente para a concessão da aposentadoria por idade, modificando-se a DER e a data do início do benefício. 5. Dado parcial provimento ao recurso da parte autora. (TRF-3 - RI: 00130209820214036306, Relator: JOAO CARLOS CABRELON DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 23/11/2022, 13ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 29/11/2022).

Concluiu a DPU que, não mais permanecendo a necessidade de cumprimento do requisito carência, particularmente para quem precisa usar a regra de transição do art. 18, da EC 103, as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual podem ser computadas como tempo de contribuição para fins de aposentadoria por idade urbana (ainda que o filiado ao RGPS tenha perdido a qualidade de segurado).

Por sua vez, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) requereu, em síntese, o provimento do Pedido do INSS de modo a chancelar o entendimento administrativo da Autarquia de exigir o cumprimento da carência, nos termos de regência da lei específica, nomeadamente a Lei n. 8.123/91.

Argumentou que a exigência do requisito carência (historicamente fixada em 60 meses e, após, 180 meses3) decorre do art. 48, da Lei n. 8.213/91 (na redação dada pela Lei 9.032/95), dispondo que a aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

Salientou que a aparente antinomia [entre a norma constitucional e a legal] não se confirma quando realizada a leitura sistemática da Constituição, reconhecendo que o caput do art. 18 [da EC 103/19] impõe observância ao § 7º do art. 201 da CF que, por sua vez, mantém incólume a redação da EC n. 20/98 que assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei.

Prosseguiu:

(...)
A partir desse pressuposto, é de se concluir que o art. 18 da EC n. 103/19 tem eficácia contida, dependendo da observância à normativa complementar quando esta existir e produzir efeitos – como no caso em tela, no qual o direito pré-constitucional é compatível, e não extravagante, à regra de transição criada pelo constituinte derivado.
Se é incontestável que o requisito carência foi instituído pela lei infraconstitucional de forma válida; seu conteúdo era compatível com o tecido constitucional vigente na época de sua edição e, ainda; estava em vigor no momento da alteração constitucional, é de se reconhecer que a disciplina da carência – e sua exigência como requisito para concessão da aposentadoria por idade – foi recepcionada pela EC n.103/19.
(...)

Por derradeiro, o Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV) manifestou-se no sentido do improvimento do pleito, defendendo a tese segundo a qual a Emenda Constitucional nº 103/2019, ao estabelecer nova sistemática para a concessão de aposentadoria por idade urbana, mencionou expressamente apenas os requisitos de idade mínima e tempo mínimo de contribuição, tanto no art. 201, §7º, I da Constituição Federal, quanto no art. 18 da própria EC (regra de transição). Ressaltou, ainda, que a ausência de menção ao requisito da carência nos dispositivos constitucionais não pode ser considerada mero lapso do legislador constituinte derivado, mas sim uma escolha deliberada, visando simplificar e unificar as regras previdenciárias.

Sinalou, por fim:

(...) a manutenção da exigência da carência com base exclusivamente em legislação infraconstitucional anterior (Lei 8.213/91) subverteria a hierarquia das normas jurídicas, condicionando a aplicação de norma constitucional a requisito previsto apenas em lei ordinária.

(...) A interpretação proposta não compromete o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, uma vez que os requisitos de idade mínima e tempo mínimo de contribuição já funcionam como salvaguardas para a sustentabilidade do sistema.

A manifestação do MPF

Em parecer, o MPF opinou pelo provimento do Pedido de Uniformização, salientando que o critério da carência foi recepcionado pela nova ordem, o que se depreende pela interpretação sistemática dos dispositivos do art. 201, § 7°, da CF, o art. 48. da Lei 8.213/91 e o art. 18, da EC 103/19.

Assim, segundo o art. 27, II, da Lei de Benefícios, impõe-se considerar que não serão consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual, especial e facultativo, mormente quando o filiado perdeu a qualidade de segurado.

Análise do mérito (Tema 358):

No âmbito da Previdência Social, organizada sob a forma do Regime Geral - de caráter contributivo e de filiação obrigatória -, devem ser observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, sob pena de inviabilizar-se o instituto.

Tal foi e é a preocupação do legislador constituinte que, nos termos do art. 201, § 7º (em sua atual redação), expressamente assegurou o gozo dos benefícios em consonância com requisitos mínimos - e obedecidas determinadas condições complementares a serem previstas em lei - para os quais expressamente remete o intérprete (atualmente, a Lei 8.213/91).

Veja-se:

Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
(...)
I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição;

Consoante o mandamento constitucional, dentre os requisitos que o legislador ordinário estabeleceu para o gozo dos benefícios (salvo exceções expressamente previstas), encontra-se a carência.

Em conformidade com o disposto no art. 24, da Lei 8.213/91, o período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

Segundo o art. 254, da citada Lei, a concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:

II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais.

A seguir, no art. 27, encontra-se dispositivo que trata sobre o cômputo da carência:

Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:
(...)
II - realizadas a contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos V e VII do art. 11 e no art. 13. 5

De acordo com Daniel Machado da Rocha: Neste comando legal jaz uma norma protetiva do sistema, impondo um período mínimo durante o qual o obreiro, cuja qualidade de segurado foi adquirida, não poderá usufruir de determinados benefícios, a fim de se preservar o sistema de previdência social, essencialmente contributivo, daqueles que só acorrem a ele quando atingidos pelo risco social. 6

O instituto da carência objetiva, portanto, a salvaguarda do sistema de previdência, de modo que ele se retroalimente no tempo, em especial afastando o gozo dos benefícios daqueles contribuintes que acorrem a ele somente quando atingidos pelo risco social ou mesmo quando próximos de completar alguns dos requisitos dos benefícios programáveis (como as aposentadorias).

Conforme ensinam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari7:
Durante o período de carência, o beneficiário ainda não tem direito à prestação previdenciária. Como se cogita de Previdência, isto é, cobertura de danos futuros e incertos, e não de seguridade, que seria a atividade de amparo a qualquer manifestação de necessidade decorrente de risco social, a presença do dano no próprio momento da vinculação distorceria a finalidade do sistema e levaria a Previdência Social a tornar-se uma instituição de caráter assistencial.

No caso da aposentadoria por idade, a EC 103/19 modificou parcialmente os requisitos então vigentes para o benefício, em especial o relativo à idade mínima, acrescentando que, nos termos da lei, seja fixado tempo mínimo de contribuição (art. 201, §7°, I, da CF).

O objeto deste representativo é o que diz com a aposentadoria por idade com DER posterior à data de vigência da EC 103/19, em especial para quem precisa se utilizar da regra de transição do art. 18 da citada emenda.

Busca-se saber, portanto, se, para o fim de obter-se a aposentadoria por idade urbana com DER após a EC 103/2019, permanece a necessidade de cumprimento do requisito carência ou se a regra de transição prevista no art. 18 da emenda não mais exige tal requisito (bastando ao beneficiário preencher, cumulativamente, os requisitos "idade" e "tempo de contribuição"), de forma que as contribuições recolhidas em atraso pelo contribuinte individual possam ser computados como tempo de contribuição (ainda que este tenha perdido a qualidade de segurado).

Relativamente a este ponto específico, a EC 103/19 expressamente dispôs:

“Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e
II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade.
§ 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.”

A leitura sistemática do citado dispositivo remete o intérprete ao disposto no inciso inciso I do § 7º do art. 201 da CF (com redação da EC 20/98) e este é expresso em referir que os requisitos mínimos dispostos na norma seriam (ou poderiam ser) completados por disposições infraconstitucionais - no caso, a Lei 8.213/91, atualmente em vigor.

Assim, não me parece tenha a citada emenda suprimido o disposto na Lei 8.213/91 em especial o seu art. 48, que expressamente institui a carência como requisito complementar à aposentação por idade, notadamente porque a norma em questão tem por escopo dar garantia de sustentação ao sistema - em especial contra os filiados que, de forma imprevidente e, poder-se-ia dizer, oportuna, buscam satisfazer os requisitos para o gozo dos benefícios somente quando atingidos [ou em vias de serem atingidos] pela situação de risco social.

Esta a hemenêutica que me parece mais justa, inclusive com os segurados que passam anos contribuindo a tempo e modo para o sistema e que esperam e confiam que, cumpridas as exigências de lei, terão igual direito a se aposentar.

Tendo a Previdência Social caráter contributivo e solidário, penso que seria de todo modo irrazoável dar amparo à hermenêutica que suprima norma legal que, em última análise, dá efetiva garantia de sustentação a um sistema que precisa se retroalimentar para continuar a existir. A previdência (com o perdão da redundância) só pode assegurar os previdentes - aqueles filiados que contribuem de forma contínua e por longos interregnos - em especial para o gozo dos benefícios programáveis.

Concluindo, entendo, salvo melhor juízo, que o legislador constitucional não suprimiu requisitos válidos para os filiados na data de sua vigência, em especial porque previu, expressamente, a ressalva aos regramentos já previstos em lei. E até que sobrevenha outra norma que a substitua, tenho por válidas e eficazes as determinações da Lei 8.213/91 no que diz respeito à carência, notadamente o seu art. 48.

Por oportuno, trago à colação importante seleção de julgados oriundos da manifestação formalizada pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), como amicus curiae, demonstrando que o STJ, ao que parece, tem se posicionado nos termos da tese aqui apresentada aos Colegas:

1. REsp 2081930, Relator: MAURO CAMPBELL MARQUES, 06/08/2023: Desprovimento do Recurso Especial do INSS uma vez que a parte autora alcançou os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade prevista no art. 18 das regras de transição da EC 103/2019, porque cumpre o tempo mínimo de contribuição (15anos), a carência de 180 contribuições (Lei 8.213/91, art. 25, II) e a idade mínima (65 anos).

2. REsp 2139566, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, 13/05/2024:
Provimento do Recurso Especial do segurado para anular o acórdão e saber-se se o Autor possuía ou não os 180 Meses de Carência necessários ao deferimento da Aposentadoria

3. REsp 2083789, Relator: SÉRGIO KUKINA, 04/08/2023:
Desprovimento do Recurso Especial do segurado, uma vez que a parte autora não possuía em 2002 - idade de 65 anos - bem como não possui, em 2021, o tempo de carência suficiente para lhe ser concedido o benefício de aposentadoria por idade;

E a fim de complementar as razões que me levam a concluir desta forma, tenho por igualmente oportuno colacionar os relevantes argumentos já esposados por esta TNU quando do julgamento do Tema 192 - que possui estreita pertinência com o tema que ora se encontra em julgamento (grifos meus):

(...)
3. O acórdão recorrido diverge da jurisprudência desta Turma Nacional, na medida em que, pela leitura do próprio julgado, verifica-se que houve perda da qualidade de segurado (entre 1984 e 2009), não sendo possível o cômputo das contribuições recolhidas com atraso após a desvinculação do segurado do RGPS. Havendo perda da qualidade de segurado, somente as contribuições “realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso” (após a reaquisição da qualidade de segurado) podem ser computadas para efeito de carência, “não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores” (art. 27, II, da Lei n.º 8.213/91).
4. O objetivo da norma do art. 27, II da Lei nº 8.213/91 é impedir que o segurado, desvinculado do regime geral da previdência social, volte a contribuir apenas quando já enquadrado em alguma das situações que ensejam o pagamento de benefício, efetuando recolhimento retroativo de contribuições e garantindo assim o pagamento de nada mais que o número mínimo de contribuições. Trata-se de norma complementar à prevista no art. 59, parágrafo único, do mesmo diploma legislativo, relativa aos benefícios por incapacidade.
5. A previdência social é regida pelo princípio da solidariedade, devendo os segurados, para se beneficiarem de suas prestações, se manterem filiados e contribuindo para o regime, não fazendo jus aos seus benefícios aqueles que deixam de contribuir por longo período, vindo a perder a qualidade de segurado, e retornam ao regime apenas quando já enquadrados em alguma das situações que ensejam o recebimento de contraprestações, mediante o pagamento retroativo de contribuições. A exigência do requisito carência e as normas que lhes são correlatas existem para garantir a solidariedade e a sustentabilidade financeira do regime.
6. A qualidade de segurado afirmada no acórdão recorrido, adquirida pela parte em decorrência do pagamento retroativo das contribuições, não se confunde com a exigência de que a parte mantivesse a qualidade de segurado no momento em que efetuou o recolhimento das contribuições com atraso (isto é, antes de realizá-o), preconizada pela jurisprudência desta Turma Nacional de Uniformização. (TNU Tema 192 - PEDILEF 2009.71.50.019216-5/RS, Relator (a) Juiz Federal André Carvalho Monteiro, Julgado em 20/02/2013, Acórdão publicado em 08/03/2013, Trânsito em julgado 25/03/2013).

Por conseguinte, e tomando o acórdão recorrido como exemplo do que se argumenta, verifica-se que a prova incontroversa dos autos virtuais dá conta de que a parte autora somente recolheu grande lapso de contribuições (de forma retroativa) quando já em vias de requerer o benefício, após ter perdido a qualidade de segurada. Assim, não é mais possível o reconhecimento do direito à aposentadoria por idade. Em sequência, portanto, dou provimento ao Pedido de Uniformização do INSS para sugerir a definição da seguinte tese, segundo o rito dos temas repetitivos:

Tema 358/TNU

Tese firmada:
1. Tempo de contribuição e carência são institutos distintos. 2. Carência condiz com contribuições tempestivas. 3. O art. 18 da EC 103/2019 não dispensa a carência para a concessão de aposentadoria

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal do INSS.

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Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brazil
Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade de Caxias do Sul - UCS, em parceria com a ESMAFE - Escola da Magistratura Federal, em 2009. Formado em janeiro de 2006, pela FURG - Fundação Universidade do Rio Grande, em direito. Este blog tem o objetivo de divulgar o conteúdo previdenciário de maneira gratuita para que todos possam ter acesso as informações sobre esta matéria.

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