Decisão trata sobre o cálculo do salário de benefício na Lei 9.876
Nesta sexta-feira será visto uma decisão da Turma Nacional de Uniformização representativa de controvérsia que gerou o tema 203 com a seguinte redação "Para fins de interpretação da regra constante do art. 3º, § 2º, da Lei n. 9.876/99, aplicável aos segurados filiados à previdência social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício não precisa corresponder a um percentual, no mínimo, equivalente ao número de contribuições vertidas." Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
EMENTA
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI. ART. 3., §2.º, LEI N.º 9.876/98. REFORMA PREVIDENCIÁRIA. REGRA DE TRANSIÇÃO. SEGURADOS FILIADOS AO RGPS ATÉ O DIA ANTERIOR À DATA DE PUBLICAÇÃO DESTA LEI N.º 9.876/98. CÁLCULO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. CONTROVÉRSIA: O DIVISOR A SER APLICADO DEVE SER CALCULADO EM FUNÇÃO DO NÚMERO DE CONTRIBUIÇÕES EFETIVADAS E CONSIDERADAS OU DO NÚMERO DE COMPETÊNCIAS CORRESPONDENTES A, NO MÍNIMO, 60% DO PERÍODO ENTRE JULHO DE 1994 E A DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA TNU. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0004024-81.2011.4.01.3311/BA, relator juiz federal Bianor Arruda Bezerra Neto, 23/10/2020.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, DAR PROVIMENTO ao incidente, nos termos do voto do Juiz Relator, fixando a seguinte tese jurídica: "para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, aplicável aos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício não precisa corresponder a um percentual, no mínimo, equivalente ao número de contribuições vertidas". Vencidos os Juízes Federais FABIO DE SOUZA SILVA, ISADORA SEGALLA AFANASIEFF, LUIS EDUARDO BIANCHI CERQUEIRA e POLYANA FALCAO BRITO. Pedido de Uniformização julgado como representativo da controvérsia (Tema 203).
Brasília, 16 de outubro de 2020.
RELATÓRIO
Trata-se de incidente de uniformização, suscitado pelo ente público, pretendendo a reforma de acórdão oriundo de Turma Recursal que, mantendo a sentença, acolheu pretensão de revisão da RMI de benefício concedido segundo as regras de transição fixadas na Lei n.º 9.876/98.
Na espécie, entendeu-se que, para os benefícios com DER anterior à vigência da Lei n.º 9.876/98, o cálculo do salário-de-benefício deve ocorrer levando-se em conta a regra do art. 3.º, ou seja, considerando-se a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994.
Porém, a TR de origem concluiu ainda que, para efeito da regra constante do §2.º do referido art. 3.º, o divisor a ser aplicado nunca poderá ser inferior ao número de contribuições vertidas, sob pena de desvirtuamento da regra que determina a consideração da média aritmética simples, nos termos acima.
O acórdão recorrido, no ponto em que é atacado pelo presente recurso, após examinar os documentos apresentados nos autos, concluiu nos seguintes termos:
Contudo, tendo a legislação previdenciária determinado a aplicação da média aritmética simples, não pode o divisor ser inferior ao número de contribuições utilizadas. O §2.º do art. 3.º da referida lei, tão somente define um parâmetro para fixação entre um mínimo de 60% e um máximo de 100% do período contributivo a ser considerado no cálculo da média, sendo que qualquer interpretação dada em outro sentido impossibilitaria o cálculo de média aritmética simples.
O ente público sustenta o cabimento do pedido de uniformização, por entender que o acórdão recorrido está em confronto com a jurisprudência do STJ:
Ocorre que a parte final desse parágrafo não pode ser interpretada da forma como quer a parte autora. Ora, o § 2º do artigo 3º faz referência à aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial e assevera que os limites do divisor são no mínimo 60% do período decorrido entre julho⁄1994 e a data de entrada do requerimento, e no máximo 100% do período contributivo. Não há qualquer referência a que o divisor mínimo para apuração da média seja limitado ao número de contribuições. Na verdade, a interpretação a ser atribuída ao § 2º do artigo 3º da Lei n. 9.876⁄1999 é a seguinte: a) se o segurado tiver realizado contribuições a partir da competência julho⁄1994 até a data de entrada do requerimento, em número inferior a 60% desse período, a lei proíbe que se utilize o percentual real, e determina a aplicação do limite mínimo de 60%; b) se, nesse mesmo período, o número de contribuições ultrapassa o limite mínimo (60%), esse número poderá ser aplicado, tendo como limite máximo 100% de todo o período contributivo. Ao se aplicar essa exegese, o divisor, no caso do recorrente, está limitado a 60% do período decorrido entre a competência de julho⁄1994 até a data de início do benefício, isto é, o período básico de cálculo do benefício, ampliado pelo caput do artigo 3º mencionado, que, no caso, equivale a 60% de 106 meses. (REsp. n.º 1.062.809, relator o Ministro Jorge Mussi, julgado em 02/06/2009)
Relatados no essencial, passo a decidir.
VOTO
O pedido de uniformização de interpretação de lei federal está previsto no art. 14 da Lei n.º 10.259/2001, sendo cabível quando “houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei”.
Por questões de direito material, deve-se entender os pontos controvertidos de direito, ou seja, aqueles alusivos à construção, a partir dos enunciados dos textos normativos, da norma jurídica do caso concreto, desde que, para o deslinde da controvérsia, não seja necessária a reavaliação de provas nem o reexame dos fatos concretamente discutidos na demanda.
Para demonstrar a divergência, necessário o confronto do acórdão recorrido com acórdão paradigma de Turma Recursal de região diferente, da própria TNU ou do STJ (art. 14, § 4º). Também é possível que se utilize, para tais fins, enunciado de súmula da TNU ou do STJ.
***
No presente caso, o pedido merece ser conhecido, uma vez que demonstrada a divergência com relação à questão controvertida nestes autos, nos termos acima.
Na hipótese, a questão controvertida é a seguinte: saber se, para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, aplicável aos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício deve ser, no mínimo, igual ao número de contribuições ou, ao contrário, ele pode ser inferior, ou seja, variar entre 60% e 100%.
Confira-se a redação do texto normativo:
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei. (grifei)
[...]
§ 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1o não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo. (grifei)
O acórdão recorrido entendeu que esse divisor deve equivaler a, no mínimo, o número de contribuições consideradas no período entre julho de 1994 e a data do início do benefício, pois, do contrário, estar-se-ia desvirtuando a regra do “caput”, que determina o cômputo da media aritmética simples de 80% dos maiores salários de contribuição.
Em outras palavras, o acórdão recorrido considerou que a interpretação sugerida como correta pelo INSS viola o conceito legal de “média aritmética simples”. Dessa forma, o divisor deveria coincidir com o número de contribuições efetivamente vertidas. Por essa lógica, se a parte tivesse recolhido apenas uma contribuição após 1994, este seria o valor do salário de benefício.
Não é esta, contudo, a melhor interpretação para o enunciado do art. 3º, § 2º, da Lei n.º 9.876/98. As regras de transição existem para conciliar a modificação do antigo para o novo regime jurídico. Essa conciliação não é feita apenas no interesse do segurado, mas deve levar em conta também o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, de caráter eminentemente contributivo.
A interpretação realizada pelo acórdão recorrido poderia levar ao absurdo de se conceder uma aposentadoria pelo teto do RGPS a um segurado que tivesse recolhido apenas uma contribuição durante 15 anos após a implantação da regra de transição, situação que obsta frontalmente a concretização do objetivo da equidade da participação no custeio (art. 194, inciso V, da CF).
Ademais, a lei é expressa ao prever a existência de um divisor mínimo de 60% do período contributivo a ser aplicado. Não há qualquer ressalva quanto à situação em que houver contribuições em número inferior, pois esta é justamente a finalidade da existência de um divisor mínimo: evitar a concessão de benefício em valor elevado quando o segurado possuir poucas contribuições ao custeio da nova forma de cálculo.
Nesse sentido, o paradigma do STJ colacionado pelo recorrente é elucidativo, pois afirma expressamente que o divisor mínimo não possui relação com o número de contribuições efetivamente recolhidas, mas com o número de competências em que a parte deveria ter contribuído e não o fez.
Esse entendimento foi reafirmado pelo referido Tribunal Superior:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA URBANA POR IDADE. REVISÃO. SALÁRIO DE BENEFÍCIO. MÉDIA ARITMÉTICA SIMPLES. DIVISOR. NÚMERO DE CONTRIBUIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º, § 2º, DA LEI Nº 9.876⁄99.
1. A tese do recorrente no sentido de que, no cálculo da renda mensal inicial de seu benefício previdenciário, deve ser utilizado como divisor mínimo para apuração da média aritmética dos salários de contribuição o número efetivo de contribuições, não tem amparo legal.
2. Quando o segurado, submetido à regra de transição prevista no art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.876⁄99, não contribui, ao menos, pelo tempo correspondente a 60% do período básico de cálculo, os salários de contribuição existentes são somados e o resultado dividido pelo número equivalente a 60% (sessenta por cento) do período básico de cálculo.
3. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp. n.º 1.114.345, relator o Ministro Herman Benjamin, julgado no dia 27/11/2017) (grifei)
No mesmo sentido, entende a jurisprudência desta TNU:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA - APOSENTADORIA POR IDADE - SEGURADO FILIADO ANTES DA LEI 9876/99 - DEVE SER APLICADA A REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 3º, CAPUT E PARÁRGRAFO 2, DA LEI 9.876/99 - NO CÁLCULO DA RMI A APURAÇÃO DA MÉDIA ARITIMÉTICA SIMPLES DOS MAIORES SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO CONSIDERADOS NO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO - PBC DEVE TER O SEU DIVISOR MÍNIMO, PARA AQUELES QUE NÃO ALCANÇARAM O MÍNIMO DE 60% DE SALÁRIOS-DE CONTRIBUIÇÃO RECOLHIDOS NO PERÍODO QUE DIVISA JULHO DE 1994 E DATA REQUERIMENTO BENEFÍCIO, FIXADO 60% DO TEMPO CONTRIBUTIVO QUE MEDEIA ESTES MARCOS TEMPORAIS - TEMPO CONTRIBUTIVO NÃO É A MESMA COISA QUE TEMPO CONTRIBUÍDO (PEDILEF n.º 00100833920174900000, relator o Juiz Federal Ronaldo José da Silva, julgado à unanimidade no dia 14/09/2017)
O entendimento da Turma de origem, portanto, encontra-se em manifesto confronto com a interpretação conferida pelo STJ e por esta TNU à regra de transição em exame.
Em tais termos, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO ao incidente, com o retorno dos autos à Turma Recursal de origem para aplicação da seguinte tese: “para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, aplicável aos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício não precisa corresponder a um percentual, no mínimo, equivalente ao número de contribuições vertidas.”
VOTO-VISTA, ISADORA SEGALLA AFANASIEFF, Juíza Federal
Na sessão de julgamento, pedi vista para melhor exame do caso e, ao fazê-lo, em que pese o merecido respeito ao posicionamento assumido pelo (a) exmo(a). Relator(a), ouso manifestar divergência para aderir ao teor do voto do Exmo. Juiz Federal Fábio Souza.
Sendo assim, voto por CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao pedido de uniformização de interpretação de lei federal, para reformar ao acórdão recorrido, a fim de limitar a condenação do INSS à revisão da renda mensal inicial do benefício da parte recorrente, a fim de adotar como divisor mínimo no cálculo do salário de benefício o número de 108 meses, bem como a pagar as diferenças vencidas a partir do quinquênio anterior ao ajuizamento da ação. Voto, ainda, pela fixação da seguinte.
VOTO-VISTA, POLYANA FALCAO BRITO, Juíza Federal
Cuida-se de Pedido de Uniformização Nacional de Interpretação de Lei Federal interposto pelo INSS em face de acórdão da 4ª Turma Recursal da Seção Judiciária da Bahia, que concluiu pela inaplicabilidade do divisor mínimo estabelecido pelo §2º do art. 3º da Lei 9.876/99 aos casos em que este for inferior ao número de contribuições utilizadas no cálculo.
Alega o recorrente que a interpretação dada pela Turma Recursal de origem vai de encontro ao entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.062.809-SC, pugnando pela reforma do julgado para que seja reconhecida a validade do uso do divisor mínimo equivalente a pelo menos 60% do período decorrido entre julho de 1994 e a data do requerimento administrativo.
O MM Juiz Federal Relator, Dr. Bianor Arruda Bezerra Neto, apresentou voto pelo conhecimento e provimento do recurso, propondo a seguinte tese: "Para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, aplicável aos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício não precisa corresponder a um percentual, no mínimo, equivalente ao número de contribuições vertidas.”
O MM. Juiz Federal Dr. Fabio Souza apresentou voto divergente pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, com a fixação da seguinte tese: “no caso de segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social até 28/11/1999, é ilegal a exigência de divisor mínimo (Lei 9.876/99, art. 3º, § 2º) superior a 108 para o cálculo do salário de benefício das aposentadorias por idade, tempo de contribuição ou especial, hipótese na qual deve o INSS calcular o salário de benefício com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente e considerados a partir de julho de 1994".
É o relatório. Passo a proferir voto.
O objeto da controvérsia instaurada nos presentes autos está em decidir sobre a impositividade de utilização de um divisor equivalente a 60% do período decorrido entre a competência de julho de 1994 e a data de requerimento administrativo (DER) nas hipóteses em que, neste período, o segurado contar com contribuições em número inferior ao divisor apurado sob essa sistemática.
Antes de adentrar na análise da questão de fundo, cumpre pontuar que entre o momento no qual foi formulado o presente pedido de vistas e a inclusão deste feito em pauta, a Primeira Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento do Tema 999, na controvérsia que ficou conhecida como “revisão da vida toda”.
Naquela assentada, o STJ entendeu que a regra do caput do art. 3º da Lei nº 9.876/99 teria natureza de regra de transição, sendo de aplicação facultativa para os segurados filiados ao RGPS antes de sua edição. Como consequência, entendeu aquele Tribunal Superior que seria possível ao segurado já filiado ao sistema utilizar os salários-de-contribuição anteriores a julho de 1994 para fins de apuração do salário-de-benefício quando esta sistemática se apresente mais favorável ao segurado.
Embora a tese sufragada pelo STJ possa repercutir reflexamente na questão ora submetida julgamento, não vislumbro entre os feitos relação de prejudicialidade. Aqui, a aplicabilidade do §2º do art. 3º da Lei nº9.876/99 não foi enfrentada sob a perspectiva de utilização das contribuições anteriores para fins de se alcançar o divisor mínimo de 60% (sessenta por cento); a pretensão subjacente a esta demanda reside em utilizar um divisor menor que o número correspondente a esse percentual quando o número efetivo de contribuições posteriores a julho de 1994 for inferior a esse patamar.
Não há e nem foi discutido nesses autos eventual pedido subsidiário de se levar à conta do cálculo do salário-de-benefício contribuições anteriores a esse período para se alcançar o aludido percentual de 60%, de modo que permanece a controvérsia a ser dirimida por este colegiado nos exatos moldes em que foi inicialmente posta à apreciação.
Dito isso, passo ao exame de mérito.
No campo normativo, a discussão repousa sobre a interpretação do §2º do art. 3º da Lei nº 9.876/99, com a seguinte dicção:
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei. (grifei)
[...]/;
§ 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1o não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo. (grifei)
A nosso aviso, a opção legislativa não deixa margem para que se utilize no divisor do cálculo do salário-de-benefício um número diferente do equivalente ao percentual de 60% do período decorrido entre a competência de julho de 1994 e a data do requerimento administrativo. Nesse ponto, portanto, alinho-me inteiramente aos bem lançados fundamentos do voto do eminente Relator para entender que não é possível que no divisor seja utilizado apenas o número efetivo de contribuições posteriores a esse marco temporal independentemente de este número alcançar o percentual estabelecido na lei.
Entretanto, entendo que o conceito de média aritmética simples não autoriza a que se leve à conta dessas competências adicionais – aquelas que sobejam ao número de contribuições efetivamente recolhidas pelo segurado até o percentual de 60% – o valor zero, já que essa sistemática distorce e aniquila completamente o próprio conceito que é extraído do campo da matemática.
Com efeito, a média aritmética simples de determinado conjunto de valores é encontrada pela soma desses valores (dividendo) dividida pelo número de elementos somados (divisor), ou seja, a média de n números é a soma desses números dividida por n. Portanto, a inclusão no divisor de um número fictício de contribuições sem levar nenhum valor à conta do dividendo esvazia o conceito, já que se terá invariavelmente uma expressão numérica que não se coaduna com o conceito de média.
Ao estabelecer que o valor do salário-de-benefício seria produto de uma média aritmética das contribuições vertidas no período, o legislador criou uma regra de proteção para o trabalhador, assegurando-lhe que a renda mensal guarde correlação com os valores que recolheu durante o período que permaneceu em atividade. E essa proteção é desprezada quando se utiliza no dividendo um valor equivalente a zero para as competências adicionadas ao divisor.
Na esteira desse raciocínio, a pergunta a se fazer é: qual ou quais os valores que se deve levar à conta do dividendo a fim de preservar o conceito de média sem menosprezar a imperatividade do comando legal de se utilizar ao menos 60% do período decorrido entre julho de 1994 e a data do requerimento administrativo?
A resposta está no próprio sistema, que utiliza como período contributivo as competências nas quais haja recolhimentos não inferiores ao salário mínimo, sendo esse o patamar de base para se considerar como valor mínimo de contribuição. Assim, o mínimo que se pode admitir é que nas competências “fictícias” (assim consideradas aquelas que foram incluídas apenas para se alcançar o percentual de 60% no divisor) seja levado à conta do dividendo as correspondentes contribuições no montante equivalente ao salário mínimo da época.
Veja-se que para fazer jus ao benefício o segurado precisou cumprir a carência do benefício, e ainda que parte dela tenha sido cumprida no período anterior a julho de 1994 é certo que houve contribuições que equivaleram ou superaram o mínimo da época. Nada mais justo, portanto, que para a apuração do salário-de-benefício se utilize a contribuição de valor mínimo para tantas competências quantas forem necessárias para se alcançar o patamar dos 60% do tempo de contribuição previsto no §2º do art. 3º da Lei nº 9.876/99, mantendo-se minimamente a retributividade no cálculo do salário-de-benefício.
Em suma, a única interpretação que se descortina para o art. 3º, §2º da Lei nº 9.876/99 capaz de conciliar a impositividade de utilização do divisor mínimo com a noção mais elementar de média aritmética simples é mediante a utilização de contribuições de valor equivalente ao salário mínimo da época (devidamente atualizadas) para as competências adicionadas ao divisor, vedada a utilização de valor de contribuição zero.
Isso posto, voto por CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do INSS para fixar a seguinte tese: “para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, o divisor a ser considerado para o cálculo do salário-de-benefício deve ser, no mínimo, igual a 60% do período decorrido da competência de julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo, devendo-se utilizar para as competências em que não houve contribuição do segurado no período o valor do salário mínimo correspondente, devidamente corrigido para a data de início do benefício”.
VOTO-VISTA, ATANAIR NASSER RIBEIRO LOPES, Juiz Federal
Conforme ponderado no voto do Juiz Relator, Bianor Arruda, sucedido pelo Juiz Gustavo, "trata-se de incidente de uniformização, suscitado pelo ente público, pretendendo a reforma de acórdão oriundo de Turma Recursal que, mantendo a sentença, acolheu pretensão de revisão da RMI de benefício concedido segundo as regras de transição fixadas na Lei n.º 9.876/98. [...] Porém, a TR de origem concluiu ainda que, para efeito da regra constante do §2.º do referido art. 3.º, o divisor a ser aplicado nunca poderá ser inferior ao número de contribuições vertidas, sob pena de desvirtuamento da regra que determina a consideração da média aritmética simples, nos termos acima". (Destaquei)
Desta feita, a turma de origem, no acórdão impugnado, teria desvirtuado o disposto na Lei, aplicando fórmula própria e subjetiva de cálculo que afasta a regra do divisor mínimo estabelecida na norma legal. Com efeito, aquele julgado impugnado concluiu nos seguintes moldes:
Contudo, tendo a legislação previdenciária determinado a aplicação da média aritmética simples, não pode o divisor ser inferior ao número de contribuições utilizadas. O §2.º do art. 3.º da referida lei, tão somente define um parâmetro para fixação entre um mínimo de 60% e um máximo de 100% do período contributivo a ser considerado no cálculo da média, sendo que qualquer interpretação dada em outro sentido impossibilitaria o cálculo de média aritmética simples.
O INSS sustentou confronto com a jurisprudência do STJ no REsp. n.º 1.062.809, relator o Ministro Jorge Mussi, julgado em 02/06/2009, o que levou o eminente relator a dar provimento ao incidente na linha de referido julgado, mantendo a validade da lei de regência. Em linhas gerais, ponderou o seguinte:
O acórdão recorrido entendeu que esse divisor deve equivaler a, no mínimo, o número de contribuições consideradas no período entre julho de 1994 e a data do início do benefício, pois, do contrário, estar-se-ia desvirtuando a regra do “caput”, que determina o cômputo da media aritmética simples de 80% dos maiores salários de contribuição.
Em outras palavras, o acórdão recorrido considerou que a interpretação sugerida como correta pelo INSS viola o conceito legal de “média aritmética simples”. Dessa forma, o divisor deveria coincidir com o número de contribuições efetivamente vertidas. Por essa lógica, se a parte tivesse recolhido apenas uma contribuição após 1994, este seria o valor do salário de benefício.
Não é esta, contudo, a melhor interpretação para o enunciado do art. 3º, § 2º, da Lei n.º 9.876/98. As regras de transição existem para conciliar a modificação do antigo para o novo regime jurídico. Essa conciliação não é feita apenas no interesse do segurado, mas deve levar em conta também o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, de caráter eminentemente contributivo.
A interpretação realizada pelo acórdão recorrido poderia levar ao absurdo de se conceder uma aposentadoria pelo teto do RGPS a um segurado que tivesse recolhido apenas uma contribuição durante 15 anos após a implantação da regra de transição, situação que obsta frontalmente a concretização do objetivo da equidade da participação no custeio (art. 194, inciso V, da CF).
Ademais, a lei é expressa ao prever a existência de um divisor mínimo de 60% do período contributivo a ser aplicado. Não há qualquer ressalva quanto à situação em que houver contribuições em número inferior, pois esta é justamente a finalidade da existência de um divisor mínimo: evitar a concessão de benefício em valor elevado quando o segurado possuir poucas contribuições ao custeio da nova forma de cálculo.
Nesse sentido, o paradigma do STJ colacionado pelo recorrente é elucidativo, pois afirma expressamente que o divisor mínimo não possui relação com o número de contribuições efetivamente recolhidas, mas com o número de competências em que a parte deveria ter contribuído e não o fez.
Esse entendimento foi reafirmado pelo referido Tribunal Superior:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA URBANA POR IDADE. REVISÃO. SALÁRIO DE BENEFÍCIO. MÉDIA ARITMÉTICA SIMPLES. DIVISOR. NÚMERO DE CONTRIBUIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º, § 2º, DA LEI Nº 9.876/99.
1. A tese do recorrente no sentido de que, no cálculo da renda mensal inicial de seu benefício previdenciário, deve ser utilizado como divisor mínimo para apuração da média aritmética dos salários de contribuição o número efetivo de contribuições, não tem amparo legal.
2. Quando o segurado, submetido à regra de transição prevista no art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.876/99, não contribui, ao menos, pelo tempo correspondente a 60% do período básico de cálculo, os salários de contribuição existentes são somados e o resultado dividido pelo número equivalente a 60% (sessenta por cento) do período básico de cálculo.
3. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp. n.º 1.114.345, relator o Ministro Herman Benjamin, julgado no dia 27/11/2017) (grifei)
No mesmo sentido, entende a jurisprudência desta TNU:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA - APOSENTADORIA POR IDADE - SEGURADO FILIADO ANTES DA LEI 9876/99 - DEVE SER APLICADA A REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 3º, CAPUT E PARÁRGRAFO 2, DA LEI 9.876/99 - NO CÁLCULO DA RMI A APURAÇÃO DA MÉDIA ARITIMÉTICA SIMPLES DOS MAIORES SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO CONSIDERADOS NO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO - PBC DEVE TER O SEU DIVISOR MÍNIMO, PARA AQUELES QUE NÃO ALCANÇARAM O MÍNIMO DE 60% DE SALÁRIOS-DE CONTRIBUIÇÃO RECOLHIDOS NO PERÍODO QUE DIVISA JULHO DE 1994 E DATA REQUERIMENTO BENEFÍCIO, FIXADO 60% DO TEMPO CONTRIBUTIVO QUE MEDEIA ESTES MARCOS TEMPORAIS - TEMPO CONTRIBUTIVO NÃO É A MESMA COISA QUE TEMPO CONTRIBUÍDO (PEDILEF n.º 00100833920174900000, relator o Juiz Federal Ronaldo José da Silva, julgado à unanimidade no dia 14/09/2017)
O entendimento da Turma de origem, portanto, encontra-se em manifesto confronto com a interpretação conferida pelo STJ e por esta TNU à regra de transição em exame.
O Juiz Fábio abriu a primeira divergência ao voto do relator, no que foi acompanhado pela Juíza Isadora. Pontuou, em resumo, que o art. 3º, § 2º, da Lei 9.876/99, não configuraria regra de transição, pois não teria por objetivo reduzir os impactos das mudanças da norma previdenciária na vida dos segurados, tratando-se, na verdade, de norma estruturante para evitar distorções no cálculo do salário de benefício. Desse modo, entendeu que a regra em questão não contemplaria de modo razoável os casos com grande lapso temporal entre julho de 1994 e a data de início do benefício, o que geraria uma progressiva ilegalidade da ampliação do divisor mínimo, criando a necessidade de fixação de um "máximo divisor mínimo", de tal modo que seria "ilegal a exigência de divisor mínimo [...] superior a 108, [...] hipótese na qual deve o INSS realizar o cálculo com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente e considerados a partir de julho de 1994".
Na perspectiva dos aludidos votos divergentes, embora o divisor mínimo seja de grande importância para evitar distorções no cálculo das aposentadorias, o seu aumento indefinido o converte em arbitrário elemento confiscatório, criando situação fática não prevista pelo legislador, o que ensejaria uma interpretação que adotasse, como antes visto, o máximo divisor mínimo fixado de acordo com a carência das aposentadorias voluntárias, levando, portanto, ao limite de 108 (correspondente a 60% da carência de 180 contribuições).
Uma segunda divergência, diferente da anterior, foi aberta no voto da Juíza Polyana, para quem a opção legislativa não deixaria margem para que se utilizasse no divisor do cálculo um número diferente do equivalente ao percentual de 60% do período decorrido entre a competência de julho de 1994 e a data do requerimento administrativo, caminhando nesse aspecto tal como o compreendido pelo relator. Entretanto, entendeu que o conceito de média não autorizaria a que se levasse à conta das competências no lapso mencionado (julho/94 à DER) o valor zero, já que essa sistemática distorceria o conceito matemático. Sob tal enfoque, a magistrada pontuou que a inclusão no divisor de um número fictício de contribuições sem levar nenhum valor à conta do dividendo esvaziaria o referido conceito, já que se terá invariavelmente uma expressão numérica que não se coaduna com o conceito de média. Propôs, assim, que "o mínimo que se pode admitir é que nas competências “fictícias” (assim consideradas aquelas que foram incluídas apenas para se alcançar o percentual de 60% no divisor) seja levado à conta do dividendo as correspondentes contribuições no montante equivalente ao salário mínimo da época".
Pedi vista para melhor exame dos autos e para definir de forma mais clara as diferentes teses levantadas nos votos divergentes, os quais, a meu ver, acabam por realizar esforço legiferante, substituindo a opção do Legislador pela visão que cada um tem do que seria mais apropriado aplicar. A validade do fator previdenciário, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, implica em alteração do suposto conceito de média construído nos votos de primeira divergência, sendo oportuno lembrar que o legislador, por expressa delegação constitucional, tem a prerrogativa de dispor de como seria feito o cálculo do benefício (CF, art. 201). Nessa composição, a ideia que permeou o conceito de justiça foi a exigência que, para as aposentadorias programáveis ou voluntárias, o segurado deveria contribuir no mínimo com 60% do período decorrente desde julho/94 (início do cálculo) até o momento de seu requerimento administrativo. Não me parece, com a devida vênia, que exigir que o segurado contribua com pelo menos 60% do período objeto de cálculo seja algo desproporcional ou sem razoabilidade. Pelo contrário, parece-me que o legislador foi até mesmo bastante compreensivo, viabilizando que no período o segurado deixasse de contribuir com 40% das contribuições necessárias.
Com a devida vênia, não existe conceito matemático que afaste a consideração de prestações de valor zero ou próximo de zero em apurações de média. Não vejo, por outro lado, como seja possível considerar que o segurado tenha contribuído com um salário mínimo quando, na verdade, com nada contribuiu. Se imaginarmos que o segurado tenha contribuído com o valor de um real em cada competência, apenas por hipótese, nenhuma razão matemática iria imputar a essa prestação o valor de um salário mínimo, como se o valor um ou zero fossem inaceitáveis. Pondero com o valor um apenas para evidenciar que o afastamento do valor zero mostra-se completamente arbitrário.
É possível construir mil maneiras diferentes de se apurar o valor de um benefício, passando-se ao largo do que o legislador ponderou, seja para afastar o fator previdenciário, afastar o divisor mínimo, enfim, há uma infinidade de perspectivas pessoais que poderiam objetar o método agasalhado pelo legislador. Talvez sejam melhores ou piores, dependendo da perspectiva de quem se favorece. Mas uma verdade é certa: a ninguém é dado substituir o legislador na sua função constitucional de legislar. A questão de um botão a mais no uniforme escolar chinês pode se tornar questão de Estado, porquanto o incremento do gasto público nos bilhões de estudantes poderia inviabilizar as contas públicas.
Por isso mesmo, por uma questão de lógica e respeito institucional, tenho repensado muitos dos princípios e vetores que norteiam a seguridade social e diversos outros institutos a cuja atenção foi dispensada nos estudos do Direito e da Economia. Não me parece admissível mais acobertar um princípio pelo qual somente o segurado tenha vantagens na relação previdenciária, uma vez que os reflexos de uma ação que lhe favoreça podem inviabilizar no futuro o exercício de direitos mínimos por toda a coletividade. Quem paga essa conta não é a ficção jurídica do INSS, mas sim os próprios cidadãos que financiam o sistema como um todo.
Sob tais perspectivas, com a devida e máxima vênia aos ilustrados votos de divergência, o critério utilizado pelo legislador no art. 3º, §2º, da Lei 9.876/99 não é desproporcional, inválido ou sem razoabilidade, sendo absolutamente legítima sua adoção como critério racional de equilíbrio na apuração do valor dos benefícios, como muito bem ponderou o eminente relator.
Por outro lado, ainda que uma opinião pessoal não trilhasse a mesma concepção, é fato pacífico e notório que o STJ validou integralmente a norma legal:
PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÕES DESDE 1972 E PUGNA PELA AMPLIAÇÃO DO PCB (PERÍODO DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO). REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, I E 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. O PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO DOS SEGURADOS FOI AMPLIADO PELO DISPOSTO NO ARTIGO 3º, CAPUT, DA LEI N. 9.876/1999. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA EM BENEFÍCIO DOS SEGURADOS, SE HOUVER CONTRIBUIÇÕES. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
[...] IX - Para quem havia ingressado no regime antes da vigência da Lei n. 9.876/98, o art. 3º da referida Lei trouxe uma regra de transição no caput e parágrafos do art. 3º. X - Tem-se, portanto, que, para os que se filiaram anteriormente à Lei n. 9.876/98, o período de apuração será composto pelo período compreendido entre julho de 1994 ou a data de filiação do segurado, se essa for posterior, e o mês imediatamente anterior à data do requerimento de aposentadoria. XI - O §2º do referido artigo traz outra regra que, na prática, indica que, caso o segurado tenha contribuído após julho de 1994 por meses que, se contados, sejam inferiores a 60% dos meses decorridos de julho de 1994 até a data do pedido de aposentadoria, então o cálculo do benefício levará em consideração os meses contribuídos divididos por 60% dos meses decorridos de julho de 1994 até a data da aposentadoria. XII - É essa regra do §2º, na verdade, que vem sendo questionada, porque a sua aplicação literal ocasiona, eventualmente, prejuízo ao segurado, já que pode haver um descompasso entre as contribuições vertidas após 1994 e a divisão por 60% dos meses decorridos de julho de 94 ate a data da aposentadoria. XIII - Se o número de contribuições após julho de 19994 for pequeno, a divisão por 60% do número de meses pode levar a um valor bem abaixo do que aquele que seria obtido pela aplicação da regra nova in totum. XIV - O caso extremo ocorre quando, por exemplo, o segurado atinge os requisitos para a aposentadoria com apenas uma ou poucas contribuições a partir de julho de 1994. Nesse caso, quanto maior for o lapso de tempo entre a contribuição vertida após julho de 1994 e o requerimento de aposentadoria, maior será a redução no benefício do segurado. Pode-se dizer que, invariavelmente, receberá o mínimo. XV - Essa hipótese já foi enfrentada nesta Corte em que se concluiu que "Conforme a nova Lei, para aqueles que se filiassem à Previdência a partir da Lei n. 9.876/1999, o período de apuração envolveria os salários-de-contribuição desde a data da filiação até a Data de Entrada do Requerimento - DER, isto é, todo o período contributivo do segurado. 5. De outra parte, para os já filiados antes da edição da aludida Lei, o período de apuração passou a ser o interregno entre julho de 1994 e a DER. 6. O período básico de cálculo dos segurados foi ampliado pelo disposto no artigo 3º, caput, da Lei n. 9.876/1999. Essa alteração legislativa veio em benefício dos segurados. Porém, só lhes beneficia se houver contribuições" (REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 27/04/2009) XVI - A questão já foi enfrentada, sendo considerada válida a regra. Não se nega que situações desfavoráveis podem ocorrer, mas se trata de opção legislativa e, de fato, o entendimento adotado no Tribunal de origem, a título de corrigir regra de transição, acabou por alterar o conteúdo da Lei. XVII - A alteração legislativa, ou seja, a regra genérica que alterou o art. 29 da Lei 8.213/91, prejudicou quem tinha maiores salários no fim do período básico de cálculo e beneficiou quem teve durante a carreira um salário decrescente. Então, ao que parece, não há essa lógica constante do acórdão recorrido de que a regra de transição não pode ser mais prejudicial ao segurado do que a regra nova, porque a regra nova não prejudicou todo mundo, ao revés, beneficiou alguns e prejudicou outros. XVIII - A jurisprudência desta Corte de Justiça tem outros julgados em que se reafirma a validade da referida norma. Nesse sentido: EDcl no AgRg no AREsp 609.297/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 02/10/2015; AgRg no REsp 1477316/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014; REsp 1655712/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017; REsp 1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 06/12/2012. XIX - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1636188/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 12/03/2018)
O precedente em questão foi sucedido ou precedido de inúmeros outros no mesmo sentido, como exemplo:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. LEI N. 8.213/1991. LEI N. 9.876/1999. REDAÇÃO DO ART. 3º. PERÍODO DE APURAÇÃO CORRESPONDENTE AO INTERREGNO ENTRE JULHO DE 1994 E A DER. 1. Tratando-se de segurado filiado em momento anterior à edição da Lei n. 9.876/1999, o período base para o cálculo do salário de benefício será o interregno entre julho de 1994 e a Data da Entrada do Requerimento - DER. Precedentes. 2. Recurso especial provido. (REsp 1678905/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 05/12/2017)
No mesmo sentido do acórdão citado pelo relator no âmbito desta TNU (Pedilef n. 00100833920174900000, relator o Juiz Federal Ronaldo José da Silva), outros tantos foram julgados por unanimidade, também sucedendo ou precedendo o referido precedente, como é o caso do acórdão seguinte de minha própria relatoria:
PROCESSO: 2009.33.11.700076-7
ORIGEM: BA - SEÇÃO JUDICIÁRIA DA BAHIA
REQUERENTE: INSS
PROC./ADV.: PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
REQUERIDO(A): HUMBERTO FERREIRA DO NASCIMENTO FILHO
PROC./ADV.: MARCOS ANTONIO CONRADO MOREIRA OAB: BA-9545
EMENTA – VOTO
DIVISOR MÍNIMO. §2º DO ART. 3º DA LEI 9876/99. MÍNIMO DE CONTRIBUIÇÕES CORRESPONDENTES A 60% DO PERÍODO ENTRE JULHO/1994 E O INÍCIO DO BENEFÍCIO. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DO INSS PROVIDO.
1. Cuida-se de incidente de uniformização interposto pelo INSS, no qual questiona o acórdão recorrido em face de decisões do STJ que validaram a exigência de divisor mínimo estabelecido no §2º do art. 3º da Lei 9.876/99, o qual estabelece que o divisor no cálculo da média aritmética simples do salário de benefício não pode ser inferior a 60% do tempo entre a competência julho/94 e o início do benefício. A divergência foi bem caracterizada na decisão do ilustrado Presidente da Turma de origem, que expôs que:
[...]
2. O acórdão recorrido afastou a incidência da norma a pretexto de que a legislação teria definido como mínimo para o divisor o número de contribuições efetivamente feitas pelo segurado, de tal sorte que, no caso, ao existirem apenas cinco salários de contribuição no PBC, sua soma deveria ser dividida por cinco e não pelo percentual mínimo de 60% do PBC, que seria 75. Contudo, o entendimento em questão viabiliza nítida burla ao sistema contributivo, vez que bastaria ao segurado já ter completado a carência anos anteriores, ainda no período anterior à vigência da Lei 8.213/91, e depois, a partir de julho de 1994, efetuar uma única contribuição com valor do teto do salário de contribuição, o que seria suficiente para lhe propiciar um benefício com valor fixado no teto (exceto se incidente o fator previdenciário). Daí que o divisor mínimo é imprescindível para estabelecer um mínimo contributivo por parte do segurado, evidenciando-se como regra legítima, moral e plenamente jurídica.
3. O STJ conta com vários precedentes aplicando a tese, valendo analisar a explicação mais detalhada contida no Resp n. 929032, rel. Min. Jorge Mussi, in verbis:
A insurgência da recorrente relaciona-se com a aplicação do aludido § 2º do artigo 3º da Lei n. 9.876⁄1999. Eis seu teor:
§ 2º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o §1º não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competênciajulho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo (grifou-se). Explica a segurada que o citado § 2º foi desprezado em sua parte final. Isso, porque o acórdão determinou que o divisor mínimo não será inferior a 60% do período decorrido desde julho de 1994 e a data de início do benefício. Em síntese, alega a segurada que o divisor mínimo a ser aplicado deve ser limitado ao número efetivo de contribuições, de modo que se utilize, para o cálculo de seu benefício, 100% das contribuições efetivas e não 60% do período decorrido.
Não lhe assiste razão. Na espécie, a recorrente realizou apenas uma contribuição desde a competência de julho de 1994 até a data de entrada do requerimento - DER, em janeiro de 2004.
Observe-se que o caput do artigo 3º da Lei n. 9.876⁄1999 determina que, na média, considerar-se-á os maiores salários-de-contribuição, na forma do artigo 29, inciso I, da Lei n. 8.213⁄1991, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo desde julho de 1994. E o § 2º do referido artigo 3º da Lei n. 9.876⁄1999 limita o divisor a 100% do período contributivo.
Ocorre que a parte final desse parágrafo não pode ser interpretada da forma como quer a autora.
Ora, o § 2º do artigo 3º faz referência à aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial e assevera que os limites do divisor são no mínimo 60% do período decorrido entre julho⁄1994 e a data de entrada do requerimento, e no máximo 100%do período contributivo.
Não há qualquer referência a que o divisor mínimo para apuração da média seja limitado ao número de contribuições.
Na verdade, a interpretação a ser atribuída ao § 2º do artigo 3º da Lei n. 9.876⁄1999 é a seguinte:
a) se o segurado tiver realizado contribuições a partir da competência julho⁄1994 até a data de entrada do requerimento, em número inferior a 60% desse período, a lei proíbe que se utilize o percentual real, e determina a aplicação do limite mínimo de 60%;
b) se, nesse mesmo período, o número de contribuições ultrapassa o limite mínimo (60%), esse número poderá ser aplicado, tendo como limite máximo 100% de todo o período contributivo.
Ao se aplicar essa exegese, o divisor, no caso da recorrente, está limitado a 60% do período decorrido entre a competência de julho⁄1994 até a data de início do benefício, isto é, o período básico de cálculo do benefício, ampliado pelo caput do artigo 3º mencionado, que, no caso, equivale a 60% de 115 meses.
Nesse sentido é a lição doutrinária:
Pela regra de transição do art. 3º, § 2º, da Lei n. 9.876⁄99, aplicável ao caput e ao § 1º, nas aposentadorias por tempo de serviço, idade e especial, o divisor considerado no cálculo da média dos salários-de-contribuição, que continuará sendo o salário-base, não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido entre julho de 1994 e a data de início do benefício limitado a 100% de todo o período contributivo (Rocha, Daniel Machado da e Baltazar Junior, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 6. ed. rev. atual. - Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed.: Esmafe, 2006, p. 154).
Enfim, não está expresso na lei que o divisor mínimo será limitado à quantidade de contribuições vertidas para a Previdência; tampouco deve-se confundir período contributivo com período contribuído.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso especial.
4. O mesmo entendimento foi aplicado no Resp 1082809, rel. Min. Jorge Mussi, de tal sorte que o recurso do INSS deve ser provido para, reformando o acórdão recorrido, fixar-se a tese de que “é legítima a incidência do divisor mínimo previsto no §2º do art. 3º da Lei 9.876/99, ao estabelecer que o cálculo da média aritmética simples deve contemplar no mínimo, em seu divisor, 60% de contribuições entre julho/1994 e o início do benefício”.
5. Dou provimento ao recurso para fixar a tese mencionada e devolver os autos à Turma de origem para adequação, nos termos da Questão de Ordem n. 20.
Posto isso, voto por DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, pedindo vênias aos eminentes votos divergentes, com o que acompanho integralmente o relator pela legitimidade do divisor mínimo, na reiterada e pacífica jurisprudência do STJ.
VOTO DIVERGENTE, FÁBIO SOUZA, Juíza Federal
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI. ART. 3º, § 2º DA LEI 9.876/99. DIVISOR MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO AO NÚMERO DE CONTRIBUIÇÕES UTILIZADAS NO CÁLCULO. INSTRUMENTO LEGÍTIMO QUE PASSA POR UM PROCESSO DE ILEGALIDADE PROGRESSIVA. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE NA FORMA DA ADMINISTRAÇÃO APLICAR O § 2º, DO ART. 3º DA LEI 9.876/99. MÁXIMO DIVISOR MÍNIMO: 108. DIREITO À REVISÃO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
I. O art. 3º, § 2º da Lei 9.876/99, que fixa um divisor mínimo de 60% do tempo decorrido entre julho/94 e a data de início do benefício, não configura regra de transição, pois não têm por objetivo reduzir os impactos das mudanças da norma previdenciária na vida dos segurados. Trata-se de norma estruturante do novo paradigma de cálculo do benefício, para evitar distorções no cálculo do salário de benefício.
II. Não é possível limitar a aplicação do divisor mínimo aos casos em que este é inferior ao número de contribuições utilizadas no cálculo.
III. Todavia, a regra do art. 3º, § 2º da Lei 9.876/99 não contempla de modo razoável os casos com grande lapso temporal entre julho de 1994 e a data de início do benefício. O transcurso do tempo geral uma progressiva ilegalidade da ampliação do divisor mínimo, criando a necessidade de fixação de um limite máximo: um máximo divisor mínimo.
IV. A busca do verdadeiro sentido da norma e a forma de sua aplicação não pode ser realizada observando o dispositivo isoladamente, pois depende da análise de todo o sistema jurídico e dos fatos que circundam o evento em julgamento.
V. A carência é um elemento referencial em relação ao equilíbrio financeiro e atuarial do regime de previdência. Desse modo, deve ser adotada como um indicativo nas situações em que se está discutindo ferramentas de equlíbrio do sistema.
VI. No caso de segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social até 28/11/1999, é ilegal a exigência de divisor mínimo (Lei 9.876/99, art. 3º, § 2º) superior a 108, para o cálculo do salário de benefício das aposentadorias por idade, tempo de contribuição ou especial, hipótese na qual deve o INSS realizar o cálculo com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente e considerados a partir de julho de 1994
1. Pedido de Uniformização Nacional de Interpretação de Lei Federal que impugna acórdão da 4ª Turma Recursal da Seção Judiciária da Bahia, cujo entendimento é no sentido de inaplicabilidade do divisor mínimo estabelecido pelo § 2º, do art. 3º da Lei 9.876/99 aos casos em que este for inferior ao número de contribuições utilizadas no cálculo.
2. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorre, afirmando que o entendimento corresponde a uma interpretação distinta daquela firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.062.809-SC.
3. O MM Juiz Federal Relator, Dr. Bianor Arruda Bezerra Neto, apresentou voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso, propondo a seguinte tese:
“Para fins de interpretação da regra constante do art. 3.º, §2.º, da Lei n.º 9.876/98, aplicável aos segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, o divisor a ser utilizado para o cálculo do salário-de-benefício não precisa corresponder a um percentual, no mínimo, equivalente ao número de contribuições vertidas.”
É o breve relatório. Passo a proferir voto.
I - INTRODUÇÃO
3. A sistemática de cálculo da renda mensal dos benefícios sofreu diversas alterações ao longo dos anos, tendo sido fortemente impactada pela Emenda Constitucional nº 20/98 e pela Lei 9.876/99, que a regulamentou, representando forte quebra de paradigma.
4. Pela fórmula anterior, o cálculo do salário de benefício baseava-se na média dos 36 últimos salários de contribuição, representando uma tentativa de se manter uma correspondência do valor dos benefícios com as últimas remunerações do segurado.
5. A partir da Lei 9.876/99, o cálculo passou a ser baseado pela média dos 80% maiores salários de contribuição, o que significa uma maior valorização da retributividade. O foco deixa de ser a manutenção do padrão de vida e passa a ser a retribuição pelas contribuições vertidas. A radical mudança ocorreu pouco tempo depois da estabilização monetária do país, com a adoção de uma nova moeda (Real) e o controle da inflação, cujos índices eram alarmantes antes de 1994.
6. Preocupado em blindar os benefícios previdenciários dos impactos dos desajustes inflacionários e monetários pretéritos, o art. 3º da Lei 9.876/99 criou regras específicas para os benefícios dos segurados com salários de contribuição anteriores à sua vigência.
7. Tais normas não representam regras de transição, pois não têm por objetivo reduzir os impactos das mudanças da norma previdenciária na vida dos segurados. Não são corolário do princípio da não surpresa, mas regras estruturantes do novo momento previdenciário.
8. A primeira dessas regras, contida no caput do art. 3º da Lei 9.876/99, exclui da conta os salários de contribuição anteriores a julho de 1994, data de adoção da nova moeda. Sua aplicação não é discutida no presente recurso e está sendo analisada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Recursos Especiais 1.554.596/SC e 1.596.203/PR (tema 999).
9. A aplicação da referida norma (exclusão dos salários de contribuição anteriores a 7/94) gerou a necessidade de uma segunda regra protetiva do sistema, com o objetivo de se evitar distorções no cálculo. Trata-se da fixação de um divisor mínimo, previsto no § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, objeto do presente recurso.
10. Evidentemente, há uma conexão entre a regra do caput, do art. 3º, da Lei 9.876/99 e aquela prevista no § 2º do mesmo dispositivo. Entretanto, as discussões quanto à facultatividade daquela (tema 999 STJ) e sobre a forma de aplicação do divisor mínimo são autônomas, sendo certo que o julgamento de uma não necessariamente impacta a outra.
11. Desse modo - insiste-se - o presente incidente versa, exclusivamente, sobre o divisor mínimo e, por esse motivo, não está abrangido pela discussão que ficou conhecida como "revisão da vida toda", afetada pelo Superior Tribunal de Justiça (tema 999).
12. O tema específico deste recurso será analisado neste voto nos três tópicos seguintes, que podem ser assim resumidos:
- o divisor mínimo é um instrumento válido e de grande importância para evitar distorções no cálculo das aposentadorias voluntárias (item II);
- todavia, o aumento indefinido do divisor mínimo o converte em arbitrário elemento confiscatório, criando situação fática não prevista pelo legislador, que legitima a atuação judicial na busca de um elemento limitador: um máximo divisor mínimo (item III);
- uma interpretação que adote os princípios da razoabilidade e da vedação ao confisco como vertentes hemenêuticas, permite concluir que o máximo divisor mínimo dever ser fixado de acordo com a carência das aposentadorias voluntárias, levando, portanto, ao limite de "108" (item IV).
II - DIVISOR MÍNIMO COMO LEGÍTIMO ELEMENTO DO CÁLCULO DO BENEFÍCIO
13. Como já exposto, o art. 3º da Lei 9.876/99 exclui do cálculo das aposentadorias voluntárias os salários de contribuição anteriores a julho de 1994. Essa regra gera a possibilidade de a média das contribuições produzir um resultado absolutamente distorcido, provocado por um divisor extremamente pequeno.
14. Para explicar essa possível distorção é válido apresentar um exemplo: um segurado com 35 anos de contribuição anteriores a 1994 no valor mínimo, recolhendo 1 mês de contribuição sobre o teto previdenciário após julho de 1994, teria um salário de benefício fixado no valor máximo. Afinal, a média de 1 salário de contribuição corresponde ao valor desse único salário de contribuição.
15. Com o objetivo de evitar essa situação, o legislador previu no § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99 um critério para fixar um divisor mínimo para o cálculo do salário de benefício dos segurados que se filiaram ao Regime Geral de Previdência Social antes da Lei 9.876/99:
art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1o não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.
16. Desse modo, a média dos salários de contribuição não será calculada necessariamente com base no número de contribuições efetivamente existentes. Se o número de salários de contribuição a partir de julho de 1994 for inferior a 60% do do tempo decorrido entre 07/94 e a DIB, a média será calculada com um denominador maior que o número de salários de contribuição que integram o numerador.
17. Um exemplo prático: imaginando o cálculo de uma aposentadoria com data de início em setembro de 2000 e 40 contribuições posteriores a julho de 1994. Em princípio, deveria ser calculada a média dos 32 maiores salários de contribuição (40 x 80% = 32). Entretanto, de acordo com o § 2º, do art. 3º da Lei 9.876/99, o divisor mínimo deve corresponder a 60% do período decorrido entre julho de 1994 e a data de início do benefício. Logo, do Real a setembro de 2000 há 75 meses, motivo pelo qual o divisor mínimo é 45 (75 x 60%). Como consequência, o cálculo seria o seguinte: [(soma dos 40 salários de contribuição) : 45].
SC1 + SC2 + SC3... + SC38 + SC39 + SC40
45
Onde, o numerador é a soma dos 40 salários de contribuições posteriores a julho de 1994 e o denominador corresponde a 60% do tempo decorrido de julho de 1994 até a DIB.
18. Vale destacar que o § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, ao fixar divisor mínimo correspondente a 60% do tempo decorrida de julho de 1994 até a DIB, também afirma que há uma limitação a cem por cento de todo o período contributivo. Qual o significado dessa previsão?
19. O acórdão recorrido, equivocadamente, considerou que a norma, "tão somente define um parâmetro para fixação entre um mínimo de 60% e um máximo de 100% do período contribuitivo a ser considerado no cálculo da média". Portanto, no entendimento da 4ª Turma Recursal da Bahía, essa previsão estabeleceria a necessidade de se considerar como divisor, no máximo, o número de salários de contribuição posteriores a julho de 1994.
20. Com a devida vênia, essa interpretação está equivocada por dois motivos. Em primeiro lugar, porque gera um resultado absolutamente incoerente. Se o § 2º fixa um divisor mínimo, não faz sentido o mesmo dispositivo afirmar que o divisor deva corresponder a, pelo menos, o mesmo número de salários de contribuição do período básico de cálculo, situação em que não há qualquer necessidade de um denominador mínimo.
21. Porém o maior equívoco dessa interpretação é deixar de perceber que a lei está se referindo a elementos distintos. O divisor não poderá ser inferior a 60% do período de tempo decorrido entre 07/94 e a DIB, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.
22. Para a compreensão dessa diferença, é importante visitar o caput ,do art. 3º, da Lei 9.876/99:
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei n 8.213, de 1991, com a redação dada or esta Lei. (g.n.)
23. Existe uma sutil diferença entre a fórmula geral do salário de benefício do art. 29 da Lei 8.213/91, para aquela aplicada ao segurados já filiados ao Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da Lei 9.876/99. Enquanto aquela regra geral afirma que o salário de benefício será a média dos 80% maiores salários de contribuição, a regra específica do art. 3º da lei de 1999 afirma que a média será dos maiores salários de contribuição correspondentes a, no mínimo, 80% do período contributivo.
24. No cálculo da média, o menor divisor, portanto, será de 60% do tempo decorrido entre julho de 1994 e a DIB. Em princípio, o salário de benefício corresponderá à média dos 80% maiores dos salários de contribuição. Porém, se o divisor mínimo for superior ao número de salários de contribuição, é possível calcular a média de um número maior de salários de contribuição, até o limite de 100% do período contribuitivo.
25. É útil adotar, com adaptações, os exemplos apresentados pelo INSS em seus memoriais. Considerando um segurado que completasse 35 anos de contribuição em junho de 2004 (120 meses desde a competência julho/94), o divisor mínimo corresponderia a 72 (120 x 60%). Nesse caso, poderíamos ter as seguintes situações:
- Se nesse período de 120 meses a partir de julho/94 o segurado tivesse 100 salários de contribuição, haveria o cálculo da média aritmética dos 80% maiores, no caso, os 80 maiores salários de contribuição (100 x 80%). Isso porque o divisor da média já é maior que divisor mínimo.
- Se nesse período de 120 meses a partir de julho/94 o segurado tivesse 80 salários de contribuição, não seria possível calcular a média dos 80% maiores, uma vez que isso corresponderia à média de 64 salários de contribuição (80 x 80%), enquanto o divisor mínimo seria 72. Necessário buscar novos salários de contribuição, até o limite de 100% do período contributivo. No caso, bastaria utilizar 72 dos 80 disponíveis. Desse modo, seria calculada a média aritmética dos 72 maiores salários de contribuição.
- Se nesse período de 120 meses a partir de julho/94 o segurado tivesse 60 salários de contribuição, não seria possível calcular a média dos 80% maiores, que corresponderiam 48 salários de contribuição. Necessário buscar novos salários de contribuição, até o limite de 100% do período contributivo, no caso 60. Porém, como o divisor mínimo é 72, o cálculo da média terá um divisor maior que o número de salários de contribuição do período básico de cálculo. Haveria, portanto, a soma dos 60 salários de contribuição dividida por 72.
26. Esse é o sentido da expressão "limitado a cem por cento de todo o período contributivo" contida no § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99. Não se trata de um limite para o denominador mínimo, mas a possibilidade de ampliação do numerador de 80% para 100%. A interpretação defendida pelo INSS está consolidada no parágrafo único, do art. 186, da Instrução Normativa 77/2015 da Presidência daquele Instituto:
IN 77/2015, art. 186, parágrafo único. Tratando-se de aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e aposentadoria especial, para apuração do valor do salário de benefício, deverá ser observado:
I - contando o segurado com menos de 60% (sessenta por cento) de contribuições no período decorrido de julho de 1994 até a data do início do benefício - DIB, o divisor a ser considerado no cálculo da média aritmética simples dos 80% (oitenta por cento) maiores salários de contribuição de todo o período contributivo desde julho de 1994, não poderá ser inferior a 60% (sessenta por cento) desse mesmo período; e
II - contando o segurado com 60% (sessenta por cento) a 80% (oitenta por cento) de contribuições no período decorrido de julho de 1994 até a DIB, aplicar-se-á a média aritmética simples.
27. Essa linha interpretativa é uma exigência da lógica, não podendo prevalecer o entendimento firmado no acórdão recorrido.
28. Uma primeira conclusão parcial, portanto, no mesmo sentido do afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça no acórdão paradigma, é que a lei não impõe que o divisor mínimo para apuração da média seja limitado ao número de contribuições utilizadas no cálculo.
29. Até este ponto, concordo com a conclusão do MM Juiz Federal Relator, Bianor Arruda Bezerra Neto. Entretanto, considero essencial avançar na análise do tema, uma vez que essa primeira conclusão não significa a possibilidade de se fixar um divisor mínimo sem qualquer balizamento.
III - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO DO DIVISOR MÍNIMO
30. Entretanto, há uma questão ainda não solucionada por aquela Superior Corte de Justiça e que exige uniformização interpretativa para que a aplicação do divisor mínimo se dê conforme os princípios da legalidade e da razoabilidade.
31. O problema é que quanto maior o tempo decorrido entre julho de 1994 e a data de início do benefício, maior o impacto do divisor mínimo. Em janeiro de 2019, por exemplo, completou-se o período de 295 meses da moeda Real; logo, o divisor mínimo para as aposentadorias concedidas nesse mês é 177 (295 x 60%). Se o segurado possuir os mesmos 40 salários de contribuição posteriores a julho de 1994 utilizados no exemplo anterior (item 17 acima), o cálculo com a data de início em janeiro de 2019 seria o seguinte: [(soma dos 40 maiores salários de contribuição) : 177], valor significativamente menor que o exemplo anterior, quase 4 vezes menos.
32. Aplicada dessa forma, a regra do § 2º, do art. 3º da Lei 9.876/99 parece afrontar o princípio da razoabilidade, especialmente, no que se refere à razoabilidade externa, cujo conteúdo envolve a vedação do excesso (BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 157). Mais do que isso: torna-se confiscatória e arbitrária.
33. Note-se que essa aplicação pouco criteriosa do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, que atualmente é feita pelo INSS, conduz a uma situação ainda mais absurda após julho de 2019, pois mesmo que o segurado possua 180 contribuições a partir julho de 1994, preenchendo integralmente a carência após o Real, estaria submetido a um divisor mínimo superior à própria carência do benefício.
34. Por exemplo, na data deste julgamento – outubro de 2019 – decorreram 303 meses, desde julho de 1994. O divisor mínimo não poderia ser inferior a 181,8 [300 x 60%], o que conduziria a um denominador equivalente a 182, enquanto a carência para o benefício corresponde a 180 contribuições mensais. Assim, para seguir com o exemplo anterior, havendo apenas 40 contribuições a partir de julho de 1994, a conta seria a seguinte [(soma dos 40 maiores salários de contribuição) : 182]. De modo ainda mais prático: se o segurado recolheu 40 contribuições sobre R$ 5.000,00 (valor já atualizado) e requer o benefício em outubro de 2019, o salário de benefício será de R$ 1.098,90 (valor sobre o qual ainda poderá incidir fator previdenciário se se tratar de uma aposentadoria por tempo de contribuição que não preencha o índice 86/96).
35. Esse impacto é radical, confiscatório, sem razoabilidade e completamente afastado do objetivo da norma. O § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99 visa proteger a Previdência contra distorções provocadas por um número reduzido de salários de contribuição no período básico de cálculo. Porém, a forma como o INSS o está interpretando transforma a regra em um redutor arbitrário do benefício, sem qualquer vinculação com os princípios contributivo e retributivo.
36. Note-se que não se está discutindo carência ou requisitos para a concessão do benefício. Para que seja necessária a aplicação do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, o segurado possui significativo período de contribuição anterior a julho de 1994, que será ignorado no cálculo, por força do caput do dispositivo.
37. O tema em discussão é outro: há razoabilidade no critério de fixação de um divisor mínimo que aumenta indefinidamente com base exclusivamente no tempo decorrido entre o Plano Real e a data de início do benefício?
38. Parece evidente que a interpretação literal do texto normativo realizada pelo INSS está alcançando situações não contempladas pela norma, cujo conteúdo se revela por meio de uma análise teleológica e sistemática da lei e dos fatos que a ela se subsumam. A norma que surge como razoável forma de proteger o INSS contra distorções no cálculo, com o passar do tempo, transforma-se em uma regra criadora de ilegais distorções em desfavor dos segurados.
39. Entretanto, parece ser possível conferir ao dispositivo interpretação capaz de garantir sua compatibilidade com o ordenamento jurídico. Isso porque é razoável considerar que a lei focava as situações existentes ao tempo em que entrou em vigor, sem a pretensão de prorrogar o aumento do divisor mínimo ad eternum. A aplicação da referida regra a casos já muito distantes da época do início de sua vigência configura uma situação que o legislador não contemplou com a referida norma.
40. O que se identifica, no presente julgamento, é que a única intepretação razoável possível é a que reconhece a existência de um limitador para a aplicação do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99; em linguagem matemática, é necessário fixar um máximo divisor mínimo.
41. Permitir o crescimento indefinido do divisor mínimo provoca uma inversão do seu papel e de sua natureza. Em algum ponto, esse denominador deixa de ser uma medida razoável de prevenção contra distorções no cálculo e se transforma em um instrumento arbitrário de confisco, alcançando situações não previstas pelo legislador.
42. O momento em que essa inversão se materializa, obviamente, não está previsto de modo explícito no texto. Mas é possível identificá-lo ainda no plano da legalidade, por meio de interpretação minimamente razoável.
IV - DEFINIÇÃO DO MÁXIMO DIVISOR MÍNIMO
43. Qual seria, afinal, o máximo divisor mínimo?
44. Em primeiro lugar é importante tornar a enfatizar um aspecto crítico nessa matéria. O fato de não ser percebido em uma leitura isolada do texto do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, não significa que o limitador ao divisor mínimo inexista. Como a clássica metáfora da Vênus de Milo, elaborado por Eros Roberto Grau, esse máximo divisor mínimo, está contido no mármore bruto do ordenamento jurídico, cabendo que o intérprete revelá-lo. Mas, para tanto, deve-se ter em mente outra lição do mesmo autor:
A interepretação do direito é intepretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, deprendidos do direito.
Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.
A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intéprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele - do texto - até a Constituição. Um texto isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.
(GRAU, Ero Roberto. Ensaio e discurso sobre a intepretação/aplicação do direito. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40)
45. A interpretação literal proposta pelo INSS limita-se a enxergar, de modo míope, a redação do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99, ignorando as demais normas do Regime Geral de Previdência Social, assim como a realidade fática que envolve a aplicação da norma.
46. O que se busca no presente capítulo IV do voto é a identificação do verdadeiro conteúdo da norma que estabelece o divisor mínimo. Para tanto, é importante observar a legislação previdenciária de modo amplo, bem como buscar compreender os fatos que envolvem essa aplicação.
47. Inicia-se esse esforço com uma avaliação fática relevante. Em novembro de 1999, quando entrou em vigor a Lei 9.876/99, havia transcorrido o período de 65 meses desde julho de 1994. Como consequência, o legislador reconheceu 39 (65 x 60%) como divisor mínimo razoável. Nota-se, desse modo, que o legislador considerou que um divisor equivalente a "39" já seria suficiente para evitar distorções e impedir o desequilíbrio do sistema previdenciário.
48. É verdade, porém, que a lei optou por um aumento progressivo desse denominador mínimo. Desse modo, ultrapassaria os limites hermenêuticos a adoção de "39" como máximo divisor mínimo, pois é evidente a intenção da lei de promover um aumento gradativo desse divisor. Essa é a primeira informação importante na identificação do máximo divisor mínimo.
49. Um segundo dado essencial para essa análise é o fato de a carência para as aposentadorias voluntárias ser de 180 contribuições mensais. A carência é um elemento fundamental na análise de um benefício, pois corresponde ao número mínimo de contribuições necessárias à sua concessão. Trata-se, portanto, do ponto de equilíbrio financeiro e atuarial, segundo a avaliação legislativa. Atingido esse número mínimo de contribuições, segurado contribuiu de modo suficiente a fazer surgir o benefício no momento em que se materializar o risco social.
50. Desse modo, se o legislador considera que com 180 contribuições mensais está preenchido o número mínimo de contribuições para a concesssão de uma aposentadoria voluntária, esse deve ser um elemento central a influenciar as discussões sobre equilíbrio financeiro e atuarial dos benefícios.
51. Outro dado relevante é a constatação de que outras regras da legislação previdenciária adotaram o referencial de 180 meses (15 anos) como estratégias de transição, como, por exemplo, a redação original do art. 143 da Lei 8.213/91, para a dispensa de carência do trabalhador rural.
52. Esse é, portanto, um referencial a ser adotado como limite de aplicação da regra em questão: 180 meses.
53. A análise dos fatos que cercam a aplicação das regras de cálculo do benefício, bem como das normas do sistema previdenciário, demonstram que, quando a previsão do art. 3º, § 2º, da Lei 9.876/99 indica um divisor mínimo para quem estava filado antes de sua vigência, não intenciona abranger as situações tão distantes do marco inicial do Período Básico de Cálculo (PBC).
54. Decorrido tempo suficiente para preencher a carência na vigência da Lei 9.876/99, deve se considerar integralmente implementada a eficácia máxima da norma transitória. Como o divisor mínimo é fixado pelo simples transcurso do tempo, não é necessário, para a sua definição, o efetivo preenchimento da carência após a lei, mas apenas o transcurso do tempo a ela equivalente.
55. Por esse motivo, o máximo divisor mínimo deve ser fixado no momento em que se completa 180 meses após o marco inicial do período básico de cálculo (julho/94). Isso significa que esse limite deve corresponder a 60% de 180, ou seja, 108. Esse é o ponto a partir do qual o legítimo instrumento de combate a distorções do cálculo torna-se desproporcional e confiscatório.
56. Um exemplo é útil para a compreensão do tema. Aproveitando o mesmo caso analisado no item 34 supra, um segurado que preencha a carência, mas conte apenas com 40 contribuições a partir de julho de 1994, teria pelo critério adotado pelo INSS um salário de benefício calculado da seguinte forma: [(soma dos 40 maiores salários de contribuição) : 182]. Pelo critério ora identificado, o cálculo seria o seguinte: [(soma dos 40 maiores salários de contribuição) : 108]. Se, por hipótese, esses 40 salários de contribuição correspondessem a R$ 5.000,00 (valor já atualizado), a diferença entre o cálculo do INSS (R$ 1.098,90) e o do novo critério (R$ 1.851,85) seria de R$ 752,95.
57. Não se está propondo a criação de uma regra nova ou inventando uma norma inexistente no ordenamento. O que se está fazendo é identificando um limitador para o divisor mínimo que o INSS não observou. Não se trata de um parâmetro revolucionário no cálculo das aposentadorias, mas, apenas, o reconhecimento de um limite que sempre esteve no ordenamento, sem ser aplicado pela autarquia.
58. Ademais, também não se está diante de uma norma que causará profundo impacto nas contas previdenciárias. Como observado no exemplo acima (item 56) o aumento no benefício foi significativo, mas não superlativo. Apenas como elemento de comparação, é importante destacar que se todos os salários de contribuição fossem posteriores à Lei 9.876/99 não haveria um divisor mínimo; logo, se as contribuições tivessem sido efetuadas sobre R$ 5.000,00 (valor já atualizado), esse seria o próprio valor do salário de benefício (R$ 5.000,00). Desse modo, mesmo com o limite ora identificado, o divisor mínimo continua a cumprir um papel extremamente restritivo no cálculo do benefício.
59. Assim, conforma-se aos princípios da razoabilidade, do não confisco, da contributividade e da retributividade – sem descuidar da preocupação do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência – a interpretação do § 2º, do art. 3º, da Lei 9.876/99 que limita a ampliação do divisor mínimo ao número que corresponde ao padrão mínimo admitido para os benefícios apurados integralmente na vigência da Lei 9.876/99: 108 (180 x 60%).
60. Por esses motivos, deve ser considerada ilegal a exigência de um divisor mínimo superior a 108, hipótese na qual deve o INSS calcular o salário de benefício com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente e considerados a partir de julho de 1994.
Ante o exposto, voto por CONHECER e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao pedido de uniformização de interpretação de lei federal, para reformar ao acórdão recorrido, a fim de limitar a condenação do INSS à revisão da renda mensal inicial do benefício da parte recorrente, a fim de adotar como divisor mínimo no cálculo do salário de benefício o número de 108 meses, bem como a pagar as diferenças vencidas a partir do quinquênio anterior ao ajuizamento da ação. Voto, ainda, pela fixação da seguinte TESE: no caso de segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social até 28/11/1999, é ilegal a exigência de divisor mínimo (Lei 9.876/99, art. 3º, § 2º) superior a 108 para o cálculo do salário de benefício das aposentadorias por idade, tempo de contribuição ou especial, hipótese na qual deve o INSS calcular o salário de benefício com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, corrigidos monetariamente e considerados a partir de julho de 1994.
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