Auxílio-reclusão e seus requisitos
Nesta sexta-feira será visto uma jurisprudência que trata sobre a concessão do benefício de auxílio-reclusão e o preenchimento dos seus requisitos ao longo dos anos. Abaixo segue a decisão para análise dos amigos.
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. DIREITO INTERTEMPORAL. ART. 80 DA LEI 8.213/1991. REDAÇÃO ATUAL. REGIME FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. LIMITAÇÃO ANTES INEXISTENTE. REGIME ANTERIOR. DIREITO ADQUIRIDO. TEMPUS REGIT ACTUM. CONDIÇÕES DA PENSÃO POR MORTE. GARANTIA CONSTITUCIONAL.
1. Até o advento da MP 871/2019 (DOU 18.01.2019), o direito ao auxílio-reclusão era previsto, de forma ampla, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, independentemente do regime de cumprimento de pena.
2. A partir de então, a nova redação dada ao art. 80 da Lei 8.213/1991 limitou o direito à percepção desse benefício previdenciário aos casos de segurado cumprindo pena em regime fechado.
3. A limitação introduzida pela Medida Provisória foi mantida na atual redação do art. 80 da Lei 8.213 pela Lei de conversão nº 13.946/2019.
4. Por outro lado, nos termos inalterados do art. 80, o auxílio-reclusão deve ser concedido nas mesmas condições da pensão por morte.
5. Com amparo no princípio tempus regit actum e na garantia prevista no inciso XXXVI do art. 5º da CF/1988, desde que atendidos os demais requisitos legais, pode-se afirmar: em se tratando de fato gerador (recolhimento à prisão) anterior a 18.01.2019, os dependentes do segurado de baixa renda têm direito ao auxílio-reclusão, que não pode ser cessado em função de eventual progressão de regime, com base no art. 80 da Lei 8.213/1991, na redação anterior à MP 871/2019.
6. Com base em tais entendimentos, a Turma Nacional fixa a seguinte tese em regime de recurso representativo de controvérsia (Tema 357): "O beneficio de auxílio-reclusão concedido para fatos geradores ocorridos antes de 18 de janeiro de 2019, data da vigência da MP nº 871, permanece mesmo na hipótese de progressão de regime fechado para o semiaberto (inclusive em caso de monitoramento eletrônico)"
7. Nesse contexto, resulta provido o recurso de uniformização.
Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 5000345-04.2021.4.04.7013, GIOVANI BIGOLIN - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 10/12/2024.
ACÓRDÃO
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por unanimidade, DAR provimento ao pedido de uniformização interposto pelo autor, nos termos do voto do Juiz Relator, julgando-o como representativo de controvérsia, com a fixação da seguinte tese para o Tema 357: "O beneficio de auxílio-reclusão concedido para fatos geradores ocorridos antes de 18 de janeiro de 2019, data da vigência da MP nº 871, permanece mesmo na hipótese de progressão de regime fechado para o semiaberto (inclusive em caso de monitoramento eletrônico)".
Brasília, 04 de dezembro de 2024
RELATÓRIO
Trata-se de Pedido Nacional de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (PEDILEF) interposto pelo autor da ação principal, em que se veicula demanda acerca do direito ao benefício de auxílio-reclusão.
A questão de fundo no presente recurso consiste em definir se existe ou não direito adquirido dos dependentes do segurado aos critérios de concessão do auxílio-reclusão nos termos da revogada redação do art. 80 da Lei 8.213/1991, mesmo após o advento da nova redação dada a esse dispositivo legal pela Medida Provisória 871/2019, posteriormente convertida na Lei 13.846/2019.
O acórdão recorrido foi proferido pela 4ª Turma Recursal do Paraná em 14.02.2023, tendo limitado o direito ao recebimento do auxílio-reclusão ao período de cumprimento de pena em regime fechado, nos termos vigente redação do art. 80 da Lei 8.213/1991.
Como paradigma de uniformização, o recorrente apresenta acórdão da 4ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, no qual aquele Colegiado afirma que, "se a data da prisão - fato gerador da concessão do benefício de auxílio-reclusão - for anterior à edição da MP 871/2019, é inaplicável a nova redação dada ao art. 80 da Lei nº 8.213/1991, tendo em vista o princípio do tempus regit actum" (Recurso 5014525-87.2019.4.04.7112, j. 10.05.2021)
Inicialmente, reconhecendo a comprovação de divergência interpretativa a ser uniformizada, o Pedido foi admitido por decisão da Presidência (evento 4, DESPADEC1).
Na sequência, por ocasião da sessão virtual encerrada em 13.03.2024 e com base no voto-vista da Colega Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, esta Turma Nacional reafirmou o juízo de admissibilidade e conheceu do recurso. No voto-vista, salientaram-se os seguintes pontos relevantes para análise do direito material no caso concreto:
(i) O instituidor esteve preso em regime fechado de 09.08.2013 a 31.10.2018 (anexo 11);
(ii) Progressão para regime semiaberto com harmonização (semiaberto com monitoramento eletrônico) em 31.10.2018 (anexo 12);
(iii) Retorno ao regime fechado em 14.07.2020, em razão de eventual cometimento de novo crime (anexo 12);
(iv) O INSS concedeu o benefício pelo período de 09.08.2013 a 01.06.2019.
Naquela mesma sessão virtual, a Turma afetou a questão ao rito dos recursos representativos de controvérsia nos seguintes termos:
À luz da análise intertemporal do direito, definir se o auxílio-reclusão é devido quando requerido no regime semiaberto ou quando há progressão do regime fechado para o semiaberto com monitoramento eletrônico, em face da nova redação conferida ao art. 80 da Lei 8.213/1991 pela MP 871/2019, vigente desde 18.01.2019:
Art. 80. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Realizados os procedimentos instrutórios de praxe, foram admitidos como amici curiae o Instituto de Estudos Previdenciários - IEPREV (evento 42), o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário - IBDP (evento 44) e a Defensoria Pública da União - DPU (evento 45).
Apresentadas dentro do prazo regulamentar, foram acolhidas as manifestações de mérito formuladas pelo IEPREV (evento 43, PET1) e pelo IBDP (evento 44, PET1).
Conquanto admitida na condição de amicus curiae (evento 52, DESPADEC1), a DPU não aproveitou o prazo isonômico de dez dias aberto pela publicação do edital (evento 39, EDITAL1), deixando de apresentar memoriais quanto ao mérito da matéria vertida nos autos.
No caso concreto, o benefício foi concedido pelo INSS até 01.06.2019.
Em memoriais (evento 61, MEMORIAIS1), a autarquia previdenciária manifestou-se pelo provimento do recurso, nos seguintes termos:
Como se trata de fato gerador ocorrido até 17/01/2019 (em 09/08/2013), a progressão para regime semiaberto com monitoramento eletrônico, em 31/10/2018, não poderia ensejar a cessação do benefício.
É o caso, pois, de provimento do PUIL da parte autora.
Nos mesmos memoriais, requereu que fosse fixada a seguinte tese:
"O benefício de auxílio-reclusão concedido para fatos geradores ocorridos antes de 18 de janeiro de 2019 deverá ser mantido nos casos de cumprimento de pena no regime semiaberto (inclusive na hipótese de monitoramento eletrônico), ainda que a progressão do regime fechado para o semiaberto ocorra na vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019."
Finalizada a instrução regimental, retornaram os autos conclusos para julgamento.
É o sucinto relatório.
VOTO
Na esteira do que já foi consignado na sessão anterior, quando a Turma decidiu pela afetação do tema ora sob exame, cabe reafirmar que as questões relacionadas ao direito ao auxílio-reclusão têm sido objeto de intensos debates no âmbito da sociedade brasileira. Em virtude de peculiaridades que são do conhecimento geral e que vêm caracterizando o ambiente sócio-político brasileiro nos últimos anos, nem sempre esse debate se realiza com base em informações e dados corretos.
Esse contexto jurídico e social mostrou-se relevante para a decisão de afetação do tema.
De início, cumpre observar que, analisando o período anterior ao início de vigência da nova redação do art. 80, este colegiado fixou a seguinte tese no julgamento do PEDILEF 5012330-77.2019.4.04.7000 (Rel. Fábio de Souza Silva, j. 12.03.2020):
Até o início da vigência da Medida Provisória nº 871/2019, a progressão para o regime de prisão semiaberto não é causa de cessação do auxílio-reclusão.
A importante questão jurídica versada no presente recurso passa pela resposta à seguinte pergunta: os dependentes do segurado têm direito adquirido aos critérios de concessão/manutenção do auxílio-reclusão nos termos da dicção revogada do art. 80 da Lei 8.213/1991, considerando-se a nova redação dada a esse dispositivo legal pela Medida Provisória 871/2019, posteriormente convertida na Lei 13.846/2019?
Na redação do art. 80 vigente antes da referida Medida Provisória 871 (publicada em 18.01.2019), o direito ao auxílio-reclusão não se encontrava circunscrito em função do regime de cumprimento de pena do segurado. De fato, a redação anterior falava apenas em "segurado recolhido à prisão".
A norma dando nova redação àquele dispositivo legal foi publicada no DOU de 18.01.2019, com vigência imediata a partir daquela data (art. 34, III, da MP 871).
Nos termos da nova redação do art. 80, o direito ao benefício previdenciário em questão passou a ser limitado aos casos de segurado "recolhido à prisão em regime fechado". Todavia, tanto as redações anteriores quanto a redação introduzida pela MP 871/2019 trazem a seguinte disposição, a despeito de pequenas modificações formais:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte (...). (redação original).
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido nas condições da pensão por morte, (...) (redação introduzida pela MP 871/2019)
Art. 80. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, (...) (redação dada pela Lei 13.846/2019)
Os demais parâmetros e requisitos previstos no art. 80 para fins de concessão do auxílio-reclusão não foram alterados pela legislação superveniente e, por conseguinte, não são objeto de análise no presente recurso.
Com base na didática exposição encontrada no voto-vista que prevaleceu na sessão anterior, a evolução cronológica dos principais fatos a serem aqui considerados foi a seguinte:
(1) Prisão em regime fechado: de 09.08.2013 a 31.10.2018;
(2) Progressão para regime semiaberto com monitoramento eletrônico: em 31.10.2018;
(3) Início de vigência da nova redação do art. 80: 18.01.2019
(4) Retorno ao regime fechado, pelo cometimento de novo crime: em 14.07.2020.
(5) Período de concessão do benefício pelo INSS: de 09.08.2013 a 01.06.2019.
Como se sabe, dada sua natureza fática, tal sequência cronológica não se encontra sob reexame no presente recurso, servindo apenas como pano de fundo para a análise jurídica a ser feita.
A meu juízo, o cerne da questão em exame passa pelo reconhecimento de que o auxílio-reclusão é concedido "nas condições da pensão por morte".
Ora, uma vez concedida a pensão por morte, eventual modificação legislativa superveniente não pode ter o condão de prejudicar o direito já reconhecido a esse benefício previdenciário, sob pena de violação à garantia constitucional insculpida no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Com efeito, até 18.01.2019, o direito ao auxílio-reclusão era legalmente reconhecido, de forma ampla, aos dependentes do "segurado recolhido à prisão". Confira-se a redação anterior do art. 80 da Lei 8.213/1991:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.
A partir de então, com base na nova redação dada pela MP 871/2019 (Lei 13.846/2019), o art. 80 da Lei 8.213/1991 passou a ser mais restritivo, limitando o benefício aos dependentes do segurado "recolhido à prisão em regime fechado". Confira-se a nova redação:
Art. 80. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Por amor à precisão, cabe observar que a redação introduzida pela MP 871 era ligeiramente diversa da que se tornou definitiva na lei de conversão (Lei 13.846), sem, porém, afetar o núcleo da questão jurídica que ora se examina.
Em nome da completude, reproduzo a seguir a redação dada pela MP 871 ao art. 80, que, na sequência do processo legislativo, foi aperfeiçoada pela lei de conversão, sem modificação substancial:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido nas condições da pensão por morte, respeitado o tempo mínimo de carência estabelecido no inciso IV do caput do art. 25, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, pensão por morte, salário-maternidade, aposentadoria ou abono de permanência em serviço.
Como se vê, a partir de 18.01.2019, o auxílio-reclusão foi restringido às hipóteses de segurados que, além de satisfazerem aos demais requisitos legais, fossem recolhidos à prisão em regime fechado, limitando assim o campo de abrangência previsto na redação anterior desse dispositivo legal.
Contudo, é preciso não perder de vista que o auxílio-reclusão é concedido nas mesmas condições da pensão por morte e que se trata de benefício previdenciário que visa a amparar temporariamente os dependentes do segurado de baixa renda.
Sendo assim, com apoio no princípio tempus regit actum, parece necessário concluir que, em se tratando de fato gerador (recolhimento à prisão) anterior a 18.01.2019 e desde que atendidos os demais requisitos legais, os dependentes do segurado de baixa renda têm direito ao auxílio-reclusão, que não pode ser cessado em função de eventual progressão de regime, com base no art. 80 da Lei 8.213/1991, na redação anterior à MP 871/2019.
Como se pode constatar, trata-se de entendimento complementar ao já adotado por este Colegiado no julgamento do PEDILEF 5012330-77.2019.4.04.7000 (Rel. Fábio de Souza Silva, j. 12.03.2020), que então se referia apenas ao período anterior ao início de vigência da MP 871:
Até o início da vigência da Medida Provisória nº 871/2019, a progressão para o regime de prisão semiaberto não é causa de cessação do auxílio-reclusão.
Outrossim, no que tange ao monitoramento eletrônico do instituidor do benefício de auxílio reclusão importa ressaltar que ele não interfere no direito do dependente ao recebimento do benefício, uma vez que tem a função de fiscalizar o preso, como bem descatou a Portaria INSS/DIRBEN n. 991/2022, desde que mantido a prisão domiciliar ou o regime semiaberto.
DECISÃO
Considerando o acima exposto, resulta provido o recurso de uniformização, devendo os autos ser restituídos à origem, para adequação do julgado ao entendimento aqui exposto.
PROPOSTA DE TESE
Em face de todos os fundamentos ora apresentados e amparados no reconhecimento manifestado pela autarquia previdenciária, propõe-se a este Colegiado Nacional a adoção da seguinte tese em regime de recurso representativo de controvérsia:
"O beneficio de auxílio-reclusão concedido para fatos geradores ocorridos antes de 18 de janeiro de 2019, data da vigência da MP nº 871, permanece mesmo na hipótese de progressão de regime fechado para o semiaberto (inclusive em caso de monitoramento eletrônico)"
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao pedido de uniformização, fixando a seguinte tese: "O beneficio de auxílio-reclusão concedido para fatos geradores ocorridos antes de 18 de janeiro de 2019, data da vigência da MP nº 871, permanece mesmo na hipótese de progressão de regime fechado para o semiaberto (inclusive em caso de monitoramento eletrônico)". Os autos devem ser restituídos à origem, para juízo de retratação.
Seja o primeiro a comentar ;)
Postar um comentário